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Archivos Latinoamericanos de Nutrición
versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806
ALAN v.52 n.3 Caracas set. 2002
Crenças sobre as vitaminas e consumo de produtos vitamínicos entre universitários de São Paulo
Karina Maria Olbrich dos Santos, Antônio de Azevedo Barros FilhoUniversidade São Judas Tadeu - Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
RESUMO.
Com o objetivo de conhecer as crenças sobre as vitaminas e verificar sua relação com o consumo de produtos vitamínicos, um inquérito por amostragem foi realizado entre os estudantes ingressantes de uma universidade privada em São Paulo. As crenças foram abordadas através de 19 proposições sobre a relação vitaminas-saúde; a concordância/discordância dos respondentes foi expressa em escala de 5 pontos. A consistência interna do conjunto de proposições foi avaliada pelo coeficiente alfa de Cronbach. Dos 894 respondentes, 30,4% consumiu produtos vitamínicos regular ou esporadicamente nos 3 meses precedentes. 94,5% acredita que a vitamina C previne gripes e resfriados e 72,5% considera as vitaminas fonte de energia. Parcela importante considera que um excesso de vitaminas pode acarretar riscos à saúde. O escore total de crenças dos consumidores regulares foi maior que o dos não consumidores (p<0,001). Os resultados indicam que benefícios cientificamente controversos são atribuídos às vitaminas pelos universitários considerados e sugerem haver relação entre crenças e consumo de produtos vitamínicos.
Palavras chaves: Crenças, vitaminas, suplementação vitamínica, produtos vitamínicos.
SUMMARY.
Vitamin beliefs and consumption of vitamin supplements among university students in the city of São Paulo. A survey was conducted in a sample of 894 students entering a private university in São Paulo to examine the vitamin beliefs and to verify the relation between vitamin beliefs and vitamin supplements consumption. Nineteen statements about the relation between vitamins and health were developed to assess the beliefs; the respondents answered by means of a 5-point agreement scale. Cronbachs alpha coefficient of internal consistency was determined for the total scale. 94.5% of students believe that vitamin C prevents and cures the common cold and 72.5% consider vitamins as an energy source. Many students recognize the possibility of health risks associated to excessive vitamin consumption. Vitamin supplement users had a belief score higher than non-users (p<0.001). The results indicate that several misconceptions about vitamin benefits are common among the students and suggest a relation between vitamin beliefs and supplements consumption.
Key words: Beliefs, vitamins, vitamin supplements
Recibido: 25-10-2001 Aceptado: 10-05-2002
INTRODUÇÃO
A relação entre vitaminas e saúde tem estado presente na mídia com relativa frequência. A imprensa tem destacado os resultados de pesquisa sobre a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis, abordado o risco de efeitos tóxicos associados à ingestão excessiva de medicamentos à base de vitaminas e apontado as incertezas a respeito de seus efeitos benéficos além da satisfação de necessidades nutricionais. Também têm sido publicados artigos que defendem a suplementação da dieta com produtos vitamínicos.
A publicidade de produtos vitamínicos e outros suplementos nutricionais no Brasil, como em diferentes partes do mundo, tem atribuído às vitaminas diversos benefícios para a saúde, muitos dos quais não estão fundamentados pela ciência. Supostos benefícios aparecem em destaque nos comerciais veiculados pela televisão e na publicidade em revistas: vitaminas contra estresse e cansaço, fornecendo energia "extra" para atividades cotidianas, evitando gripes e resfriados. Estão também presentes em folhetos e nos rótulos de produtos disponíveis em supermercados, segundo os quais, por exemplo, a vitamina E "previne o envelhecimento" e a vitamina C "previne as infecções em geral, reforçando as defesas do organismo". Nesse sentido cabe a observação de Barros (1) sobre a atuação eficiente da publicidade desses produtos, atribuindo-lhes funções simbólicas que os associam a fontes de vigor e energia em um grau que aparentemente não existe nas fontes naturais de vitaminas, os alimentos.
À parte o debate e as incertezas científicas sobre a ação das vitaminas na prevenção de doenças, fica como questão se as informações que circulam nos meios de comunicação de massa - e quais delas - têm sido incorporadas às concepções populares sobre esses nutrientes. As vitaminas têm, como afirma Bernier (2) uma "excelente reputação" entre a população, sendo consideradas necessárias e inofensivas, e isso pode resultar na assimilação preferencial de informações sobre possíveis benefícios, estimulando o consumo de produtos vitamínicos sem a necessidade de suplementação da dieta. Estudos em diferentes grupos populacionais têm associado o consumo difundido desses produtos a crenças populares sobre efeitos benéficos das vitaminas (3,4). Paralelamente, seu uso indiscriminado por pessoas saudáveis vem sendo criticado na literatura, tanto pela ausência de comprovação dos efeitos almejados pelos consumidores, como pela possibilidade de riscos à saúde associados à ingestão excessiva de algumas vitaminas (2,5).
Em um levantamento nas bases de dados MEDLINE e LILACS (1990-1999) não foram encontrados estudos que abordassem as crenças sobre as vitaminas ou avaliassem a extensão do consumo de produtos vitamínicos no Brasil. Nesse contexto, o presente trabalho teve por objetivo conhecer as crenças sobre as vitaminas comuns entre uma população de universitários de São Paulo e verificar a existência de relação com o consumo de produtos vitamínicos nesse grupo populacional.
METODOLOGIA
O levantamento das informações foi realizado por intermédio de um questionário estruturado, submetido a pré-teste com alunos da mesma universidade. Uma amostra representativa dos estudantes de 1o ano das áreas de Ciências Humanas, Exatas e Biológicas de uma universidade privada localizada no Município de São Paulo constituiu a população da pesquisa. A amostra foi selecionada por sorteio de conglomerados, constituídos pelas diversas turmas dos cursos de cada área.
As "crenças sobre as vitaminas" foram definidas como um conjunto de concepções sobre a importância e os efeitos desses nutrientes sobre a saúde e abordadas por intermédio de 19 proposições relacionais a esse respeito. A concordância ou discordância quanto ao conteúdo de cada proposição foi expressa pelo respondente em escala com 5 categorias de resposta (de "discordo totalmente" a "concordo totalmente"), que incluiu uma categoria central para indicar neutralidade ou desinformação a respeito ("indeciso/não sei"). Considerou-se que a concordância com o conteúdo de uma proposição mais intensa ou menos intensa indicava que seu conteúdo era considerado verdadeiro pelo respondente, e vice-versa.
As proposições foram estabelecidas através de três procedimentos: (a) coleta de opiniões espontâneas de 30 estudantes da mesma universidade aos quais solicitou-se que listassem as primeiras 5 propriedades das vitaminas que lhes ocorressem seguida de seleção das mais freqüentes; (b) seleção de informações comumente presentes na publicidade e rotulagem de produtos vitamínicos e (c) identificação de propriedades e efeitos tóxicos das vitaminas recentemente investigados, com base em revisão da literatura. As sentenças selecionadas foram reformuladas segundo as recomendações de Foddy (6) e Mueller (7) para a construção de escalas de múltiplos itens. Todas abordam aspectos cognitivos referentes à relação entre vitaminas e saúde e podem ser consideradas corretas ou não do ponto de vista do conhecimento científico atual.
A freqüência de consumo de produtos vitamínicos (multivitamínicos com ou sem minerais, combinações de vitaminas antioxidantes, vitamina A ou beta-caroteno, vitamina C, vitamina E e vitaminas do complexo B) nos 3 meses precedentes foi abordada em questões fechadas. Esse período foi considerado suficiente para o levantamento do uso esporádico desses produtos e adequado ao dimensionamento do consumo regular, cuja freqüência pode alterar-se em períodos longos. No questionário, o termo "suplemento vitamínico" foi empregado genericamente para designar os produtos à base de vitaminas, sem distinção de dosagem. Supôs-se que, popularmente, ainda não havia sido assimilada a distinção estabelecida pelo Ministério da Saúde, que restingiu o termo "suplemento vitamínico" a produtos com doses de no máximo 100% da Ingestão Diária Recomendada (IDR) e definiu como "medicamentos à base de vitaminas" os produtos que excedem esse limite (13,14).
O levantamento dos dados foi realizado em abril de 1999. Os questionários foram auto-administrados nas próprias salas de aula, mediante o consentimento pós-informação por parte dos estudantes. Poucos não se dispuseram a participar: menos de 2% do total da amostra. Ao todo, 894 questionários foram considerados suficientemente respondidos: 250 da área de Ciências Biológicas, 320 de Ciências Humanas e 324 de Ciências Exatas.
A análise estatística foi realizada por intermédio do SPSS (versão 8.0) e do SAS (versão 6.12). Para cada proposição, foram determinadas a freqüência e a proporção das alternativas de resposta, assim como a média dos pontos a elas atribuídos (de 1 = discordo totalmente a 5 = concordo totalmente). Para minimizar a tendência geral de concordância pelos respondentes (6,7), algumas sentenças negavam a existência de determinado benefício e a contagem dos pontos foi invertida; o mesmo foi feito para as sentenças que abordavam riscos à saúde associados ao excesso de vitaminas. A proporção de estudantes que concordou com o conteúdo (ou discordou) de uma proposição foi considerada como indicador da amplitude da difusão da crença nela expressa; seu escore médio em um grupo foi interpretado como indicador da tendência do grupo em considerá-la verdadeira. O escore médio foi utilizado para comparações entre grupos delimitados por gênero, área do curso e consumo de produtos vitamínicos, através de análise de variância.
O conjunto de proposições compôs uma escala de múltiplos itens, do tipo Likert. A soma dos pontos atribuídos a todas as proposições definiram o escore total do respondente, interpretado como uma medida única de suas crenças sobre as vitaminas. A consistência interna da escala uma medida de sua confiabilidade foi avaliada por intermédio do coeficiente alfa de Cronbach (7,10). Com base no cálculo desse coeficiente, itens que reduziam a consistência interna da escala foram desconsiderados, visando aumentar sua confiabilidade. O escore total foi utilizado para a comparação entre grupos através de análise de variância.
Como a amostra total não foi proporcional às 3 áreas dos cursos, as respostas foram analisadas mediante a ponderação por área. No entanto, a análise ponderada dos dados referentes ao consumo de produtos vitamínicos e às crenças não diferiu da não ponderada e, por simplicidade, são apresentados os resultados sem a ponderação.
RESULTADOS
As características da amostra são apresentadas na Tabela 1. Os sujeitos da pesquisa concentram-se na faixa etária dos 17 aos 24 anos (85,0%), são residentes no Município ou Região Metropolitana de São Paulo (99,6%) e solteiros (90,7%). A distribuição entre os gêneros é relativamente equilibrada. A maioria dos estudantes (59,8%) trabalha além de estudar e cerca de 15% são fumantes.
Características da amostra
N | % | ||
Sexo | Femenino | 395 | 44,2% |
| Masculino | 498 | 55,8% |
Faixa etária | 17-19 anos 20-24 anos 25-29 anos 30 anos ou mais | 486 274 79 55 | 54,4% 30,6% 8,8% 6,2% |
Trabalho | Sim Não | 533 358 | 59,8% 40,2% |
Prática de exercicios fisicos | Não pratica (até 1 vez/semana) 2-3 vezes/semana 4-7 vezes/semana | 500 235 159 | 55,9& 26,3% 17,8% |
Tabagismo | Fumante Ex fumante Não fumante | 137 67 690 | 15,3% 7,5% 77,2% |
N total = 894
Nos 3 meses precedentes, 30,4% (IC 95% 27,4 - 33,4) dos estudantes consumiu produtos vitamínicos (Tabela 2). A maior parte os consumiu pelo menos uma vez por semana, definindo o grupo dos consumidores regulares. Cerca de 6,0% usou esses produtos 1-2 vezes por mês ou quando considerou necessário, sendo classificado com consumidor esporádico.
Prevalência de consumo de produtos vitamínicos
N | % | % válidos (I:C: 95%) | |
Consumidores regulares | 203 | 22,7 | 23,12 (20,33 25,90) |
Consumidores esporádicos | 53 | 5,9 | 6,03 (4,46 7,61) |
Não consumidores | 622 | 69,6 | 70,84 (67,83 73,84) |
Total | 878 | 98,2 | 100,o |
Perdas | 1,8 | ||
Total | 894 | 100,o |
a Estudantes que consumiram productos vitaminicos uma ou mais vezes por semana nos 3 meses anteriores à pesquisa.
b Estudantes que consumiram productos vitaminicos menos de uma vez por semana ou sem regularidade, nos 3 meses anteriores à pesquisa.
c Consumidores que não indicaram a freqüência de consumo.
A Tabela 3 apresenta a proporção (%) das 5 alternativas de resposta a cada proposição e o escore médio obtido. Nota-se que o conteúdo das proposições B8 e T5 é pouco difundido entre os estudantes: a maioria assinalou a alternativa "não sei/indeciso". Isso refletiu no escore médio dessas sentenças, próximo de 3, o número de pontos atribuído a essa alternativa. O mesmo ocorreu com as proposições que receberam uma proporção equilibrada de concordância e discordância, como as proposições B2, N3 e N4, indicando tendência de indecisão ou desconhecimento ao nível do grupo de respondentes. Já a proposição B10, que relaciona a vitamina C à prevenção e combate de gripes e resfriados, recebeu a concordância de quase a totalidade dos estudantes 94,5% indicaram concordar ou concordar totalmente. A alta proporção (43,7%) de "concordo totalmente" resultou em um escore médio alto: 4,3. Outra propriedade atribuída às vitaminas por grande parte dos respondentes é a de fornecer energia: 72,5% discordaram ou discordaram totalmente da sentença que negava essa propriedade (B9). Grande parte dos estudantes indicou concordar ou concordar totalmente com 2 das afirmações que sugerem a existência de riscos à saúde associados ao consumo de vitaminas em excesso, T2 e T4. Como essas proposições foram consideradas negativas na contagem dos pontos atribuídos às respostas, a alta concordância refletiu-se em escore médio relativamente baixo.
Os itens B8 e T5 reduziam a consistência interna da escala constituída pelo conjunto de proposições medida pelo alfa de Cronbach e, por isso, foram eliminados do cálculo do escore total. Assim, a escala final utilizada para medida das crenças passou a conter 17 itens e apresentou alfa de 0,65. O cálculo do escore total considera apenas os estudantes que responderam a todas as proposições.
Proporção das respostas (%) escore médio das proposições sobre vitaminas
1 (%) | 2 (%) | 3 (%) | 4 (%) | 5 (%) | Escore médio (desvio padrão) | |
B1 As vitaminas são esenciáis para evitar doenças de carência nutricional como o raquitismo e o escorbuto (+) | ,7 | 5,5 | 14,0 | 57,8 | 21,9 | 4,0 (0,8) |
B2 As vitaminas não têm efeito contra doenças como o cáncer (-) | 6,4 | 19,9 | 46,7 | 21,9 | 5,1 | 3,0 (0,9) |
B3 As vitaminas ajudam a melhorar o raciocinio (+) | 1,9 | 10,9 | 24,9 | 50,2 | 12,1 | 3,6 (0,9) |
B4 Algunas vitaminas podem reducir o risco de doenças cardiovasculares (+) | 1,0 | 5,0 | 37,9 | 46,8 | 9,3 | 3,6 (0,8) |
B5 Não adianta tomar grandes doses de vitaminas para retardar o envelhecimento (-) | 14,9 | 46,5 | 22,1 | 13,4 | 3,1 | 2,4 (1,0) |
B6 A vitaminas não ajudam a combater o estrese (-) | 2,3 | 14,9 | 33,8 | 38,5 | 10,6 | 3,4 (0,9) |
B7 O sistema imunológico é fortalecido pelas vitaminas (+) | 1,0 | 5,6 | 32,2 | 48,6 | 12,6 | 3,7 (0,8) |
B8 As vitaminas antioxidantes combatem radicais livres asociados a doenças graves (+) | ,3 | 4,1 | 79,9 | 13,6 | 2,1 | 3,1 (0,5) |
B9 As vitamina não são fonte de energia para o organismo (-) | 3,4 | 12,4 | 11,7 | 49,8 | 22,7 | 3,8 (1,0) |
B10 A vitamina C ajuda a prevenir e combater gripes e resfriados (+) | 1,1 | 2,4 | 2,0 | 50,7 | 43,7 | 4,3 (0,7) |
N1 Pessoas que praticam exercícios fisicos precisam desuplementos vitamínicos para repor as perdas (+) | 4,1 | 19,1 | 6,4 | 48,3 | 22,1 | 3,7 (1,1) |
N2 Suplementos vitamínicos ajudam os fumantes a manter a saúde (+) | 21,3 | 35,0 | 31,1 | 11,0 | 1,6 | 2,4 (1,0) |
N3 Quem estuda e trábala precisa de suplementos vitamínicos mesmo que tenha uma alimentação equilibrada (+) | 8,7 | 33,2 | 13,6 | 37,6 | 6,9 | 3,0 (1,2) |
N4 Viver em ambiente poluído aumenta a quantidade necesaria de vitaminas (+) | 7,9 | 20,7 | 32,7 | 34,7 | 4,1 | 3,1 (1,0) |
T1 Tomar grandes doses de vitamina C não causa danos ao organismo (+) | 14,1 | 32,9 | 28,4 | 19,2 | 5,3 | 2,7 (1,1) |
T2 Suplementos vitamínicos só devem ser usados como acompanhamento médico (-) | 30,4 | 45,3 | 7,0 | 14,9 | 2,4 | 2,1 (1,1) |
T3 Quanto mais vitaminas o organismo tiver disponible, melhor para a saúde (+) | 4,9 | 23,7 | 20,6 | 39,4 | 11,4 | 3,3 (1,1) |
T4 O uso prolongado de grandes doses de vitaminas pode perjudicar a saúde (-) | 20,0 | 44,9 | 25,8 | 7,4 | 1,9 | 2,3 (0,9) |
T5 O excesso de vitamina A acumula-se no organismo e causa problemas de saúde (-) | 1,5 | 5,2 | 66,7 | 21,0 | 5,6 | 3,2 (0,7) |
B = beneficios das vitaminas; N = aumento da necessidade de vitaminas em determinadas condições; T = risco de efeitos tóxicos.
Os sinais (+) e (-) indicam as proposições consideradas positivas e negativas. Para as proposições positivas, 1 = discordo totalmente; 2 = discordo; 3= não sei/indeciso; 4= concordo; 5= concordo totalmente. Para as negativas, a contagem foi invertida; 1= concordo totalmente; (...) 5= discordo totalmente.
A comparação do escores médio das proposições entre os gêneros só encontrou diferença no caso da proposição B9: o escore médio dos estudantes do sexo masculino (3,7) diferiu do escore do sexo feminino (3,9) ao nível de 0,05. A diferença, entretanto, se dá apenas na intensidade e não na direção da crença: ambos os escores são próximos a 4 indicando tendência de discordância, pois a proposição é negativa.
Foi encontrada diferença entre os escores médios das proposições N3, T2 e T4 (p<0,05) e entre o escore total da escala de crenças (p<0,01) dos estudantes das 3 áreas de curso. No caso da sentença N3 os escores dos 3 grupos foram próximos de 3, mas pelo teste de Tukey os estudantes da área de Biológicas apresentaram em média escore menor que os das outras áreas. A proposição T4 também obteve escore médio próximo de 3 e foi encontrada diferença entre Biológicas e Humanas. Os estudantes das 3 áreas tenderam a concordar com a afirmação "suplementos vitamínicos só devem ser usados com acompanhamento médico" (T2) mas, comparativamente, os estudantes da área de Biológicas apresentaram escore médio menor que os de Humanas. O escore total de crenças foi menor entre os estudantes de Ciências Biológicas.
A relação entre as crenças sobre as vitaminas e o consumo de produtos vitamínicos foi examinada mediante a comparação dos escores de crença dos consumidores regulares e dos não consumidores, por análise de variância. A Tabela 4 apresenta os escores médios de cada proposição e o escore total da escala de crenças de cada grupo, indicando as diferenças estatísticas encontradas. Em todos os casos em que foi detectada diferença (B4, B5, B6, B7, N1, N3, N4, T1e T2), o escore médio da proposição foi maior no grupo dos consumidores regulares. O mesmo ocorreu com o escore total, que foi significativamente maior entre os consumidores regulares.
DISCUSSÃO
Os resultados indicam que, de modo geral, os universitários considerados na pesquisa têm uma visão bastante positiva das vitaminas e dos produtos vitamínicos. Diversas propriedades benéficas nem todas comprovadas cientificamente, praticamente todas encontradas na publicidade desses produtos são atribuídas às vitaminas por parcela relevante dessa população. A grande maioria tende a acreditar, por exemplo, que as vitaminas são fonte de energia o que não é correto do ponto de vista científico. Quase todos os sujeitos da pesquisa acreditam que a vitamina C atua na prevenção e tratamento de gripes e resfriados, embora revisões recentes da literatura científica concluam que não é possível atribuir à vitamina C um papel na prevenção e/ou tratamento dessas doenças (11).
A possibilidade de riscos à saúde devido ao consumo de doses excessivas de vitaminas é reconhecida por parcela importante dos estudantes. A grande maioria indicou acreditar que a suplementação vitamínica deve ocorrer com acompanhamento médico e que o uso prolongado de grandes doses de vitaminas oferece riscos à saúde. No entanto, sentenças que abordavam a toxicidade de vitaminas específicas receberam menos crédito. Por exemplo, menos da metade acredita que grandes doses de vitamina C possam causar danos à saúde e apenas 6,7% informou acreditar na possibilidade de risco à saúde associado ao excesso de vitamina A.
Algumas limitações associadas à metodologia da pesquisa devem ser consideradas na análise dos resultados. O fato da coleta dos dados ter sido realizada por meio de um questionário auto-administrado os condiciona à interpretação das questões pelos respondentes. Expressões como "grandes doses" e "excesso", por exemplo, podem ter sido interpretadas diferentemente. Segundo Foddy (6) é freqüente a coexistência de diversas interpretações, mesmo para palavras e expressões comuns.
É relevante considerar também limitações associadas ao uso de um conjunto de proposições e uma escala com 5 alternativas de resposta para a abordagem das crenças. Foddy (6) afirma que, quando as mesmas categorias de resposta são usadas para uma bateria de proposições, seu significado pode variar de uma sentença à outra e de um respondente para outro, pois não há um padrão explícito de referência. Além disso, algumas pessoas tendem a usar mais as categorias extremas enquanto outras tendem a evitar essas categorias. Nesta pesquisa, notou-se que a maioria evitou assinalar "concordo totalmente" e "discordo totalmente", dificultando a diferenciação dos respondentes. O fato das sentenças tratarem de informações adquiridas, muitas vezes, informalmente, pode ter contribuído para esse perfil de respostas. Segundo Foddy, o uso de um número maior de categorias (7 ou 9) pode favorecer a discriminação de grupos de respondentes. A opção pela escala de 5 pontos fundamentou-se em seu uso nos estudos publicados sobre crenças e conhecimento em nutrição (3,4,12).
O conjunto de proposições compôs uma escala de consistência interna moderada, de acordo com o coeficiente alfa de Cronbach obtido, 0,65. A literatura que aborda o uso de escalas de múltiplos itens para medida de construtos como atitudes e crenças tem considerado que uma boa escala apresenta um alfa de 0,80 ou mais (7,10). No entanto, segundo Mueller (7), uma consistência interna moderada (alfa acima de 0,4) é aceitável para a comparação dos escores médios de grupos de 100 ou mais respondentes, pois erros na medida dos indivíduos serão balanceados no grupo.
Escores médios das proposições sobre as vitaminas e escore total da escala de crenças de consumidores regulares e de não-consumidores de produtos vitamínicos
Consumidores regulares | Não consumidores | |||||
N | Escore médio | Desvio padrão | N | Escore médio | Desvio padrão | |
B1 As vitaminas são esenciáis para evitar doenças de carência nutricional como o raquitismo e o escorbuto (+) | 201 | 4,0 | ,78 | 614 | 4,0 | ,81 |
B2 As vitaminas não têm efeito contra doenças como o cáncer (-) | 200 | 3,0 | ,91 | 609 | 3,0 | ,95 |
B3 As vitaminas ajudam a melhorar o raciocinio (+) | 202 | 3,7 | ,89 | 611 | 3,6 | ,90 |
B4 Algunas vitaminas podem reducir o risco de doenças cardiovasculares (+) | 200 | 3,8*** | ,74 | 612 | 3,5*** | ,78 |
B5 Não adianta tomar grandes doses de vitaminas para retardar o envelhecimento (-) | 198 | 2,7* | 1,03 | 614 | 2,4* | ,99 |
B6 A vitaminas não ajudam a combater o estrese (-) | 199 | 3,6** | ,93 | 615 | 3,3** | ,94 |
B7 O sistema imunológico é fortalecido pelas vitaminas (+) | 200 | 3,8*** | ,81 | 614 | 3,6*** | ,80 |
B9 As vitamina não são fonte de energia para o organismo (-) | 202 | 3,9 | 1,03 | 613 | 3,8 | 1,05 |
B10 A vitamina C ajuda a prevenir e combater gripes e resfriados (+) | 202 | 4,4 | ,75 | 616 | 4,3 | ,74 |
N1 Pessoas que praticam exercícios fisicos precisam desuplementos vitamínicos para repor as perdas (+) | 200 | 4,0*** | ,94 | 610 | 3,6*** | 1,18 |
N2 Suplementos vitamínicos ajudam os fumantes a manter a saúde (+) | 202 | 2,5 | 1,07 | 612 | 2,3 | ,96 |
N3 Quem estuda e trábala precisa de suplementos vitamínicos mesmo que tenha uma alimentação equilibrada (+) | 201 | 3,4*** | 1,16 | 615 | 2,9*** | 1,13 |
N4 Viver em ambiente poluído aumenta a quantidade necesaria de vitaminas (+) | 202 | 3,2* | 1,05 | 615 | 3,0* | 1,01 |
T1 Tomar grandes doses de vitamina C não causa danos ao organismo (+) | 201 | 2,8* | 1,15 | 610 | 2,6* | 1,07 |
T2 Suplementos vitamínicos só devem ser usados como acompanhamento médico (-) | 201 | 2,5*** | 1,17 | 613 | 2,0*** | 1,02 |
T3 Quanto mais vitaminas o organismo tiver disponible, melhor para a saúde (+) | 200 | 3,3 | 1,13 | 614 | 3,3 | 109 |
T4 O uso prolongado de grandes doses de vitaminas pode perjudicar a saúde (-) | 201 | 2,4 | ,98 | 614 | 2,2 | ,91 |
Escore total | 184 | 56,9*** | 6,0 | 557 | 53,5*** | 6,3 |
B = beneficios das vitaminas; N = aumento da necessidade de vitaminas em determinadas condições; T = risco de efeitos tóxicos.
Os sinais (+) e (-) indicam as proposições consideradas positivas e negativas. Para as proposições positivas, 1 = discordo totalmente; 2 = discordo; 3= não sei/indeciso; 4= concordo; 5= concordo totalmente. Para as negativas, a contagem foi invertida; 1= concordo totalmente; (...) 5= discordo totalmente.
Nível de significância da diferença entre as médias: * p<0,05; **p<0,01; *** p<0,001
Alguns resultados do presente levantamento assemelham-se aos encontrados nos EUA. Entre universitários, Eldridge e Sheehan (3) constataram, por exemplo, que a maioria acreditava no efeito preventivo da vitamina C sobre a gripe e na ação de doses extras de vitaminas aumentando a vitalidade e energia. Entre estudantes do ensino médio, Thomsen et al. (12) verificaram que cerca da metade dos participantes acreditava que uma pessoa que se sente cansada provavelmente necessita de mais vitaminas e minerais e que a grande maioria discordava da afirmação de que esses nutrientes possam ser consumidos com segurança em qualquer quantidade.
Observou-se que a possível atuação das vitaminas na redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis divide a opinião dos estudantes. Embora a maioria considere que algumas vitaminas podem reduzir o risco de doenças cardiovasculares, quase 40% respondeu que não sabe ou está indeciso a esse respeito. A sentença sobre a relação entre vitaminas e câncer também recebeu alta proporção de "não sei/indeciso" e, nesse caso, a outra metade dos estudantes dividiu-se em concordar ou não com a existência dessa relação. A possível ação das vitaminas antioxidantes no combate a radicais livres permanece desconhecida ou é incerta para a maioria. Esses resultados surpreendem, já que essas questões têm recebido atenção considerável da mídia e a ação antioxidante das vitaminas C e E e do beta-caroteno tem sido destacada na publicidade de produtos vitamínicos. Isto pode ser atribuído ao fato da população do estudo ser majoritariamente jovem e, conseqüentemente, ainda não se preocupar com o risco dessas doenças.
Os estudantes da área de Ciências Biológicas obtiveram, em média, um escore total de crenças menor que os das outras áreas. Esse resultado pode indicar que, comparativamente, eles tendem a ser menos crédulos com relação às vitaminas e produtos vitamínicos do que os estudantes das outras áreas.
Os estudantes que consumiram produtos vitamínicos regularmente tenderam a se diferenciar dos não consumidores quanto às crenças sobre benefícios e riscos associados às vitaminas. Sempre que detectada diferença entre esses grupos quanto ao escore médio de uma proposição, este foi maior entre os consumidores. O mesmo ocorreu com o escore total, indicando que aqueles que consomem produtos vitamínicos tendem a acreditar mais intensamente nos aspectos benéficos atribuídos às vitaminas que os que não os consomem. Dois outros estudos também detectaram diferença estatística entre o escore de crenças de consumidores e não consumidores desses produtos: o de Eldridge e Sheehan (3) entre universitários norte-americanos e o de Worsley et al. (4) em amostra da população adulta de Adelaide, Austrália. Em geral, os pesquisadores concluem que essas crenças parecem fundamentar ou pelo menos acompanhar a suplementação da dieta.
Ajzen e Fishbein (13) argumentam que há uma cadeia causal ligando as crenças ao comportamento, intermediada pela atitude e por normas subjetivas. As crenças determinam a atitude e as normas subjetivas (percepção quanto à aprovação ou reprovação social a um comportamento), que podem então determinar a intenção e a ação correspondente. Para Ajzen e Fishbein, pode-se avançar na compreensão de um comportamento seguindo seus determinantes até as crenças a ele subjacentes. Nesse sentido, embora as crenças não necessariamente predigam o comportamento, acreditar nos benefícios ou em consequências adversas de determinado comportamento sobre a saúde pode ser considerado um passo preliminar para a ação.
Worsley et al. (4) concluem que, entre os consumidores, crenças cientificamente aceitáveis estão misturadas a crenças pseudocientíficas promovidas comercialmente. Eles consideram que o público tem poucos meios de distingüir entre esses dois conjuntos de crenças e que a mídia não contribui para isso, pois raramente discute o mérito científico das informações sobre nutrição que nela circulam. Com relação aos suplementos nutricionais, como destaca Borum (14), é necessário explicitar ao público as condições específicas e as limitações dos estudos nos quais as alegações de efeitos sobre a saúde estão fundamentados para reduzir a confusão e desinformação sobre esses produtos.
Em seu conjunto, os resultados obtidos revelam a extensão das crenças sobre as vitaminas e do consumo de produtos vitamínicos e sugerem que crenças em benefícios cientificamente questionáveis podem estar associadas ao consumo desses produtos. Embora não possibilitem avaliar a adequação da suplementação constatada, os dados apresentados evidenciam a importância de ações relativas à educação nutricional e em saúde e apontam para a necessidade de regulamentar e restringir as alegações de benefícios veiculadas através da publicidade e rotulagem de suplementos nutricionais.
AGRADECIMENTOS
Aos estatísticos da Comissão de Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, Andréa Ferreira Semolini e Helymar da Costa Machado, pelo suporte na condução e discussão da análise estatística dos dados da pesquisa de campo.
REFERÊNCIAS
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