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Archivos Latinoamericanos de Nutrición

versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806

ALAN v.56 n.3 Caracas sep. 2006

 

Prevalência e fatores associados à anemia e deficiência de ferro em crianças de 18 a 24 meses 

 

Michele Pereira Netto, Silvia Eloiza Priore, Helena Maria Pinheiro Sant'Ana, Maria do Carmo Gouveia Peluzio, Céphora Maria Sabarense, Danielle Góes da Silva, Sylvia do Carmo Castro Franceschini 

Departamento de Nutrição e Saúde/ Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de São Paulo. 

Estudo financiado pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Tecnológico), processo n° 474549/2004-6.

 

Resumo

Foi realizado um estudo transversal com 101 lactentes de 18 a 24 meses atendidos em serviços públicos de saúde da cidade de Viçosa, MG, Brasil. Objetivou-se verificar a prevalência e os fatores associados à anemia e deficiência de ferro entre lactentes. As informações foram obtidas através de entrevista aos pais ou responsáveis pelas crianças, realizadas nos domicílios. Foram feitas análises da hemoglobina e ferritina, por um contador automático e pelo método de doseamento imunométrico, respectivamente. As amostras de fezes foram analisadas pelos métodos de Hoffman, Faust e Ritchie. Caracterizou-se anemia através da concentração de hemoglobina e a deficiência de ferro através da ferritina. Na avaliação da prática alimentar utilizou-se o recordatório de 24 horas. Foram feitas análises de regressão linear e logística para avaliar as variáveis associadas à hemoglobina e a deficiência de ferro, respectivamente. As prevalências de anemia, deficiência de ferro e parasitoses intestinais foram de 30,1; 38,4 e 21%, respectivamente. O número de moradores na casa, idade de introdução de sucos e/ou frutas, escolaridade materna e tempo de aleitamento materno total associaram-se aos níveis plasmáticos de hemoglobina. Para a deficiência de ferro as variáveis associadas foram consumo de leite próximo das refeições e número de moradores na casa.

Palavras chave: Anemia, deficiência de ferro, nutrição infantil, lactentes, ferro.

Summary   A transversal study was carried out with 101 18-to 24-month old infants, attended at public health services in Viçosa, MG, Brazil, The objective of this study was to verify the prevalence and factors associated to anemia and iron deficiency among infants. Data were obtained by interviews of the infants’ parents or guardians at their households. Hemoglobin and ferritin analyses were peformed using an automatic counter and the immunometric dosage method, respectively. Feces samples were analyzed by the Hoffman, Faust and Ritchie methods. Anemia was characterized by hemoglobin concentration and iron deficiency by ferritin. For dietary practice, the 24-hour recall was used. Linear regression and logistics analyses were conducted to evaluate the variables associated to hemoglobin and iron deficiency, respectively. Anemia, iron deficiency and intestinal parasite prevalences were 30.1; 38.4, and 21%, respectively. The number of household members, age infants were introduced to juices/or fruit, mother’s level of instruction, and total breastfeeding period were associated to the levels of hemoglobin plasma. The associated variables for iron deficiency were milk consumption near meals and number of household members.

Keywords: Anemia, iron deficiency, infant nutrition, infant, iron.

Prevalence and factors associated to anemia and iron deficiency in 18-to 24-month old infants

RECIBIDO: 29-12-2005

ACEPTADO:  04-08-2006

Introdução

A Organização Mundial de Saúde define anemia nutricional como a condição na qual o conteúdo de hemoglobina do sangue está abaixo dos valores considerados normais para idade, sexo, estado fisiológico e altitude, sem considerar a causa da deficiência. Caracteriza-se a anemia ferropriva quando a redução na concentração de hemoglobina é conseqüência da deficiência de ferro (1). Já a deficiência de ferro é caracterizada pela depleção dos estoques corporais e pode ser avaliada através da ferritina sérica (2).

Estima-se que a anemia esteja presente em 20,1% e 39% das crianças menores de 4 anos de idade que residem em países industrializados e não industrializados, respectivamente (2). Nas Américas, 14,2 milhões de crianças menores de 4 anos são afetadas pela anemia (2). Não existem estudos nacionais abrangentes, contudo dados de estudos regionais demonstram prevalências entre 40,9% e 63,2% dos menores de seis anos de idade (3-10). Acredita-se que, para cada pessoa com anemia, exista, pelo menos, mais uma com deficiência de ferro (2), entretanto são poucos os estudos que avaliam a deficiência de ferro em crianças.

Os fatores envolvidos na etiologia da anemia ferropriva em crianças são: condições socioeconômicas (baixa renda, baixa escolaridade dos pais, constituição familiar com grande número de crianças), consumo alimentar (introdução precoce da alimentação complementar, dieta inadequada em ferro e/ou com ferro de baixa biodisponibilidade), inadequada assistência à saúde (baixa cobertura de assistência pré-natal e falta de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança), morbidades e fatores biológicos como a idade (11). As prevalências mais acentuadas estão entre crianças de 6 a 24 meses (11), faixa etária compreendida pelo presente estudo. Deve-se, portanto, destacar a importância de se investigar os fatores envolvidos na etiologia da anemia para nortear a implantação de ações de prevenção e controle desta carência nutricional.

O objetivo do presente estudo foi determinar a prevalência de anemia e os fatores associados aos níveis de hemoglobina e a deficiência de ferro em lactentes de 18 a 24 meses atendidos no principal serviço público de saúde da área urbana da cidade de Viçosa, Minas Gerais. 

Metodologia 

O presente estudo foi desenvolvido no município de Viçosa, no estado de Minas Gerais, Brasil. Este município é composto por aproximadamente 65.000 habitantes, dos quais aproximadamente 60.000 (92,3%) residem na zona urbana e 3.274 (5,03%) tem entre um e três anos de idade (12). Participaram deste estudo, de corte transversal, crianças de 18 a 24 meses, residentes na área urbana da cidade Viçosa, Minas Gerais, Brasil que eram atendidas no principal serviço público pediátrico do município no período de dezembro de 2004 a abril de 2005.

Todas as crianças cadastradas no serviço pediátrico do município, na faixa etária de interesse, receberam visitas domiciliares nas quais seus responsáveis eram convidados a participar do estudo após esclarecimentos sobre os objetivos e metodologia do mesmo. O total de crianças cadastradas no serviço e cujos endereços foram localizados foi de 124. Destas, 23 (15%) não participaram devido à não autorização dos pais. Assim, a amostra compreendeu 101 crianças; destas 51 (50,5%) do sexo feminino e 50 (49,5%) do masculino. Das 101 crianças, duas foram excluídas das análises de ferritina por apresentarem valores de proteína C reativa (PCR) alterados, ou seja, superiores a 10mg/L (13). Este procedimento foi realizado com intuito de evitar os possíveis efeitos do processo de infecção sobre os níveis de ferritina sérica (13).

Os dados foram obtidos por meio de entrevista, no domicílio, com as mães ou responsáveis pelas crianças utilizando-se um questionário. As variáveis analisadas foram: referentes à criança (sexo, peso ao nascer, comprimento ao nascer e duração da gestação), condições socioeconômicas (escolaridade e ocupação dos pais e estado civil da mãe, renda familiar, número de pessoas que moravam na casa e número de cômodos), variáveis maternas (número de gestações, assistência pré-natal e anemia na gestação) morbidades (atual e passada), ingestão de suplementos contendo ferro ou vitamina A e práticas alimentares.

O peso e comprimento ao nascer e as variáveis referentes à gestação eram conferidos no cartão de vacinação das crianças e cartão da gestante quando estes eram disponíveis. A renda familiar per capita considerada foi a renda total dividida pelo número de pessoas que dependem da mesma. Os suplementos alimentares consumidos pelos lactentes também eram conferidos pelo pesquisador.

O peso e o comprimento das crianças foram aferidos durante as visitas domiciliares, utilizando equipamentos e normas padronizadas, obedecendo aos procedimentos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde (14). Utilizou-se balança pediátrica, digital, eletrônica, com capacidade de 15 kg e divisão de 10g; e antropômetro de madeira com extensão de 120 cm e sub-divisões de 0,1 cm. O estado nutricional foi avaliado através dos índices peso/idade, estatura/idade e peso/estatura, expressos em escore-Z. Considerou-se como inadequado, quando a crianças apresentava-se abaixo de -2 escore-Z. Como população de referência, adotou-se as curvas de crescimento do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) (15).

Utilizou-se 5 mL de sangue, coletado por punção venosa, para determinação das concentrações de hemoglobina, ferritina e PCR. A concentração de hemoglobina foi determinada por um contador eletrônico; para a dosagem da ferritina sérica utilizou-se o método de doseamento imunométrico por quimioluminescência no aparelho Immulite e o método usado para pesquisa no soro da PCR foi a aglutinação do látex.

No exame parasitológico das fezes utilizou-se os métodos de Hoffman, Faust e Ritchie, considerou-se positivo quando se observou pelo menos uma espécie de parasito na amostra.

As análises, bem como a coleta de sangue, foram feitas em um laboratório do município.

A anemia foi definida quando a concentração de hemoglobina era inferior à 11g/dL e a deficiência de ferro quando a ferritina sérica apresentava-se inferior a 12m g/L (2).

Na avaliação da prática alimentar utilizou-se o recordatório 24 horas. Foram também avaliadas algumas questões específicas relacionadas à prática alimentar como: consumo de leite logo após as principais refeições (almoço e jantar), idade de introdução de águas, chás, frutas e/ou sucos de frutas, leite não materno e papa salgada.

Para tabulação da ingestão dietética das crianças em aleitamento materno, estimou-se o consumo de leite materno segundo as recomendações da WHO/UNICEF, a qual sugere que, para a faixa etária em questão, o volume de leite seja de 61,16mL/ kg de peso/ dia (16). Para aquelas crianças que recebiam leite materno apenas 1 ou 2 vezes ao dia, o consumo de leite materno foi estimado por mamada usando 27 mL/kg de peso/ mamada (17). Na análise da biodisponibilidade de ferro da dieta foi utilizada a metodologia proposta por Monsen et al (18). A composição centesimal foi calculada com o auxílio do software Diet-Pro (versão 4.0). Para avaliar a adequação do consumo de ferro pelas crianças utilizou-se como referência a Necessidade Média Estimada (Estimated Average Requirement- EAR) (19). O consumo de leite de vaca superior a 720mL por dia foi considerado como fator de risco para o desenvolvimento da deficiência de ferro (20).

Os dados foram digitados utilizando-se o programa Epi Info, versão 6.04, específico para análises epidemiológicas. A análise de regressão foi processada no software SPSS for windows, versão 10.

Foram propostos dois modelos de regressão para explicar as concentrações de hemoglobina e ferritina das crianças. Para hemoglobina utilizou-se o modelo de regressão linear múltipla e para ferritina optou-se pelo modelo de regressão logística, pois esta variável não apresentou distribuição normal pelo teste de Kolmogorov-Smirnov.

As diferenças nas médias da concentração de hemoglobina entre duas variáveis independentes foram avaliadas através do teste t de Student. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para averiguar as correlações entre as variáveis numéricas e a hemoglobina. As variáveis que se mostraram significativamente associadas à concentração de hemoglobina (p<0,05) foram incluídas no modelo de regressão linear múltipla.

Procedeu-se a análise univariada através dos valores de odds ratio brutos para identificar o conjunto de variáveis que mais contribuíram para explicar a deficiência de ferro. Posteriormente, uma análise de regressão logística foi adotada para análise da associação entre as variáveis significantes. Para introduzir uma variável no modelo adotou-se uma significância de 20% (p<0,20), mas para mantê-la, 5% (p<0,05).

Todas as crianças receberam orientação nutricional e aquelas que apresentaram verminoses ou alterações na concentração de hemoglobina e ferritina foram encaminhadas para tratamento medicamentoso. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, Brasil. 

Resultados 

As crianças avaliadas tinham em média 21,15 (DP=1,89) meses; faziam parte de famílias com renda per capita média de US$ 217,36 (DP=114,4) e suas mães tinham em média 25,3 (DP=5,52) anos de idade e 7,2 (DP=2,98) anos de escolaridade.

Entre os lactentes estudados, a prevalência de anemia foi de 30,7%. Entre os anêmicos, 19,4% apresentavam hemoglobina inferior a 9,5g/dL. A média de hemoglobina da população estudada foi de 11,27g/dL (DP=1,11). Já a deficiência de ferro, esteve presente em 38,4% das crianças avaliadas, sendo a média de ferritina sérica de 17,65m mg/L (DP=14,15).

As prevalências de anemia diferiram significantemente de acordo com estado civil da mãe; número de moradores na casa; consumo de ferro e ferro biodisponível, densidade de ferro e de ferro heme na dieta. Entre os filhos de mães casadas formal ou informalmente a prevalência de anemia foi de 23,9%; já entre as solteiras, separadas ou viúvas a prevalência foi de 46,7%. Para as crianças que viviam em casas com cinco ou menos pessoas (mediana) a prevalência foi 24,3%, entretanto, aquelas que viviam em domicílios com mais de 5 pessoas apresentavam 45,2% de anemia. Nas crianças que consumiam ferro acima ou abaixo da EAR as prevalências foram de 24,7% e 50%, respectivamente. Para aquelas que consumiam ferro biodisponível acima ou abaixo da mediana (0,196mg) encontrou-se 20 e 41,2% de anemia, respectivamente. A prevalência de anemia entre crianças com densidade de ferro superior a 3,6 e igual ou inferior a 3,6mg/1000Kcal (mediana) foi de 21,6 e 40%. Já entre aquelas que consumiam uma dieta com densidade de ferro heme superior à mediana a prevalência foi de 21,1% e aquelas que tinham densidade de ferro heme menor ou igual à mediana (0,1mg/1000Kcal) apresentaram 40,8% de anemia. Para as demais variáveis, não se observou diferenças nas prevalências de anemia.

A Tabela 1 apresenta as prevalências de inadequação do estado nutricional através dos índices antropométricos. Observa-se uma alta prevalência de desnutrição aguda, representada pelo índice peso/estatura e uma baixa prevalência de desnutrição crônica pelo índice estatura/idade. Não se verificou, entretanto, diferenças nas prevalências de anemia e deficiência de ferro de acordo com os índices antropométricos.

Na Tabela 2 observa-se as médias da concentração de hemoglobina segundo algumas características biológicas e maternas e, nota-se que a média de hemoglobina dos filhos de mães que fizeram uso de composto ferroso na gestação foi inferior àqueles filhos de mães que não tomaram composto ferroso na gestação. 

Na Tabela 3 observa-se a correlação entre a hemoglobina e as variáveis numéricas do estudo. Pode-se observar que o início do pré-natal em meses, número de irmãos, número de quartos na casa, tempo de aleitamento materno em dias, idade de introdução de sucos e frutas e outros tipos de leite em meses estiveram negativamente correlacionados à hemoglobina. Já os anos de escolaridade materna e a ingestão de calorias, proteínas e ferro, ferro não heme e ferro biodisponível na dieta apresentaram-se positivamente correlacionados à concentração de hemoglobina.

As variáveis que estiveram significantemente correlacionadas com a concentração de hemoglobina foram selecionadas para o modelo de regressão linear múltipla que pode ser observado na Tabela 4. Neste modelo, apenas o número de moradores na casa, idade de introdução de sucos e/ou frutas, escolaridade materna e tempo de aleitamento materno total permaneceram significantemente associados aos níveis de hemoglobina.

 

Na análise de regressão linear identificou-se que o aumento de uma pessoa residindo no mesmo domicílio da criança reduz 0,184g/dL (p=0,001) da concentração de hemoglobina. Cada aumento de um mês na introdução de sucos e/ou frutas está associado a uma redução de 0,0207g/dL (p=0,033) e cada dia de aleitamento materno está associado a uma redução de 0,00148g/dL (p=0,035) na concentração de hemoglobina. Para escolaridade materna, observou-se que cada aumento de um ano na escolaridade, aumenta 0,0745g/dL (p=0,040) na concentração de hemoglobina. Consideradas em conjunto, as variáveis que compuseram o modelo explicaram 26,4% da variação dos níveis de hemoglobina dos lactentes avaliados.

Com relação à infestação parasitária, observou-se que 21% das crianças avaliadas apresentavam algum tipo de verminose. O parasita mais encontrado foi a Giárdia lamblia (66,7%) seguido pelo Ascaris lumbricoides (28,6%). A prevalência de anemia não diferiu entre crianças parasitadas e não parasitadas (tabela 2); todavia a infestação parasitária, na análise univariada, se mostrou como fator protetor da deficiência de ferro (Tabela 5). Ainda na tabela 5 observa-se as prevalência de deficiência de ferro e Odds Ratio bruto de acordo com algumas características estudadas. 

As variáveis listadas na Tabela 4, significantes na análise univariada para ferritina, foram selecionadas para o modelo de regressão logística (Tabela 6). Na análise multivariada apenas o consumo de leite próximo das grandes refeições e o número de moradores no domicílio (mediana) permaneceram significantemente associados ao risco de ter deficiência de ferro. Percebe-se que as crianças que consumiam leite próximo das grandes refeições apresentavam maior risco de deficiência de ferro (2,897 vezes) que as que não consumiam e, que os lactentes que residiam em domicílios com famílias numerosas apresentavam 2,822 vezes mais risco de apresentarem deficiência de ferro comparados àqueles que viviam em domicílios com menor número de pessoas.

Discussão

A prevalência de anemia encontrada no presente estudo foi inferior à estimativa da Organização Mundial da Saúde (2), de 39%, para crianças de 0 a 4 anos de países não industrializados e caracteriza um problema de saúde pública moderado de acordo com a classificação proposta pela OMS (2). Crianças brasileiras, de 12 a 18 meses, residentes no sudeste do país, apresentaram 50 e 13% de anemia e anemia grave (hemoglobina inferior a 9,5g/dL), respectivamente (3). No Sul do Brasil, encontrou-se 54% e 47,8% de anemia em crianças menores de 3 anos de idade (4, 5); em outro estudo, com crianças menores de seis anos, a prevalência foi de 53% (6). No nordeste do Brasil, 40,9% das crianças de 6 a 59 meses estavam anêmicas (7). Em outro estudo, com crianças brasileiras menores de 5 anos de idade, observou-se prevalência de 45,2% de anemia (8). Em Viçosa, mesmo município do presente estudo, a prevalência de anemia foi de 60,8 e 63,2% entre crianças de 6 a 12 meses (9) e 12 a 60 meses (10), respectivamente.

A deficiência de ferro esteve presente em 24,2% dos pré-escolares avaliados em crianças brasileiras (21). Em crianças de 12 a 24 meses da Nova Zelândia a prevalência encontrada foi de 23,3% de depleção dos estoques corporais (13). Estudo realizado em crianças européias de 12 meses de idade, considerando a ferritina menor que 10m mg/L, encontrou 15,6% de deficiência de ferro (22).

Percebe-se que as prevalências de anemia e deficiência de ferro em estudos realizados em outras partes do país e do mundo são variadas e ao compará-las às encontradas no presente estudo parece que, neste último, a prevalência de anemia encontra-se inferior aos demais; contudo a deficiência de ferro parece estar mais elevada.

Segundo as estimativas da Organização Mundial da Saúde, quando a prevalência de anemia da população é de até 40%, a prevalência de deficiência de ferro é cerca de 2,5 vezes maior que a de anemia (2). Entretanto, no presente estudo não se encontrou tal proporção; sendo as prevalências de anemia e deficiência de ferro bem semelhantes.

No presente estudo os determinantes do estado nutricional de ferro, avaliados através da hemoglobina e ferritina, foram analisados por modelos de regressão. No modelo de regressão linear observou-se que o número de moradores na casa, idade de introdução de sucos e/ou frutas, escolaridade materna e tempo de aleitamento materno total estiveram associados à concentração de hemoglobina. Estudo de Santos et al. (6) relacionou como fatores de risco para anemia em crianças menores de 6 anos pertencerem à classe social menos favorecida, terem avós vivendo no mesmo domicílio, menor idade e cor da pele não branca e, como fator protetor terem água encanada e nascerem com maior peso. Já as crianças menores de 3 anos avaliadas por Neuman et al. (4) apresentaram menor risco de anemia quando pertenciam a famílias de maior renda e menor aglomeração. A renda per capita também apresentou-se associada significante e positivamente com a hemoglobina de crianças menores de 3 anos (5). Osório et al. (7) observaram que, entre crianças de 6 a 59 meses, a concentração de hemoglobina se associa positivamente à ingestão de ferro biodisponível e a idade da criança; entretanto o não tratamento de água, presença de diarréia e baixo peso ao nascer estavam associados a menor concentração de hemoglobina. Levy-Costa e Monteiro (8) encontraram associação positiva entre o risco de anemia e consumo de leite de vaca. No estudo de Assis et al. (23), com pré-escolares, a maior densidade de ferro e consumo de proteína da dieta, maior idade da criança e adequado estado nutricional pelo índice estatura/ idade estiveram associados a um menor risco de anemia. Em estudo com crianças brasileiras menores de 2 anos encontrou-se que a ingestão de leite de vaca aos 4 meses de idade e a ordem de nascimento superior a 4 foram fatores de risco para anemia, entretanto a idade superior a 18 meses, o consumo de fórmulas infantis e alimentos fontes de vitaminas C, carnes e de feijões aos seis meses de idade constituíram-se em fatores de proteção contra a anemia ferropriva (24). Em crianças européias de 12 meses de idade, a concentração de hemoglobina esteve negativamente associada ao consumo de leite de vaca e positivamente ao consumo de fórmulas e ganho de peso desde o nascimento (22).

Na análise multivariada, utilizada para avaliar os fatores de risco associados à deficiência de ferro, o risco de ser deficiente esteve associado apenas ao consumo de leite próximo das grandes refeições e ao número de moradores na casa. Em estudo com crianças européias de 12 meses observou-se que o consumo de leite de vaca, sexo masculino e ganho de comprimento desde o nascimento se associavam negativamente à ferritina e o consumo de fórmulas, suplementos de ferro e peso ao nascer apresentavam associação positiva (22). Os níveis de ferritina de lactentes de 6 a 24 meses da Nova Zelândia estiveram associados negativamente ao consumo de leite de vaca e fórmula fortificada com ferro e positivamente associada ao sexo feminino e peso ao nascer (13).

As crianças avaliadas no presente estudo pertenciam a famílias de baixa condição socioeconômica, que pode influenciar a ocorrência de anemia pelo papel que exercem sobre a aquisição e utilização de bens e serviços que auxiliem na manutenção da saúde. Além disso, é provável que estas crianças apresentem-se mais vulneráveis ao aparecimento de enfermidades que comprometam a alimentação bem como a absorção de nutrientes. Entretanto, a anemia e a deficiência de ferro não se mostraram relacionadas à renda; possivelmente pelo fato da população ter uma distribuição homogênea desta variável e pelo alto índice de não resposta da mesma, reduzindo a amostra nas análises que a levaram em consideração e perdendo, portanto, o poder estatístico.

Por outro lado, o número de moradores no domicílio e a escolaridade materna são variáveis socioeconômicas que se mostraram associadas ao estado nutricional de ferro.

O número excessivo de moradores no domicílio pode estar associado a uma menor disponibilidade de alimentos qualitativa e quantitativamente adequados para as crianças, visto que os alimentos devem ser divididos por um maior número de pessoas. Além disso, o elevado número de pessoas no domicílio pode estar associado a uma pior condição econômica da família e maior susceptibilidade a morbidades.

A idade de introdução de sucos e/ou frutas esteve relacionada à maior concentração de hemoglobina das crianças avaliadas, possivelmente por representarem as principais fontes de acido ascórbico na alimentação da criança, o qual é reconhecido como fator estimulador da absorção de ferro (2) e, portanto contribui de maneira positiva para o estado nutricional de ferro da criança.

A escolaridade dos pais é um fator socioeconômico importante na determinação da anemia por repercutir em maior oportunidade de emprego e, consequentemente, de renda, a qual condiciona melhor acesso aos alimentos. No caso da escolaridade materna, apresenta-se como uma importante variável para a saúde da criança, pois pode influenciar nas práticas relacionadas ao cuidado com a mesma (11).

O aleitamento materno nos seis primeiros meses, de forma exclusiva, é reconhecido como fator protetor da anemia (2). Curiosamente, no presente estudo, encontrou-se associação negativa entre o tempo de aleitamento e a concentração de hemoglobina. Estudo de Souza et al. (25) não encontrou associação entre anemia e duração do aleitamento materno exclusivo. Já Assis et al. (26) concluiu, através de um estudo com crianças menores de um ano de idade, que o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade e a manutenção do leite materno a partir dessa idade, associado aos alimentos complementares qualitativa e quantitativamente adequados, podem contribuir para o aumento dos níveis da hemoglobina no primeiro ano de vida. É importante ressaltar que o delineamento do estudo não é adequado para verificar a associação entre anemia e aleitamento materno, visto que as informações são colhidas retrospectivamente. Além disso, deve-se lembrar que o efeito protetor do aleitamento ocorre especialmente nos primeiros seis meses, sendo a partir daí a alimentação complementar indispensável para manutenção dos estoques de ferro. Na prática verifica-se que, muitas vezes a refeição de sal é substituída pelo aleitamento, podendo-se supor que, o aleitamento materno, de forma prolongada, seria fator de risco para anemia em crianças.

O efeito do leite consumido próximo das grandes refeições está relacionado ao efeito inibidor da absorção do ferro em função da presença de cálcio; por esta razão a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de que a ingestão de leite não coincida com as refeições principais (2).

Os resultados do presente estudo permitem concluir que no município de Viçosa/Brasil, a anemia apresenta-se como um problema de saúde pública moderado entre lactentes de 18 a 24 meses de idade e que os fatores associados à concentração de hemoglobina nestes lactentes foram o número de moradores na casa, idade de introdução de sucos e/ou frutas, escolaridade materna e tempo de aleitamento materno. Já para a ferritina, observou-se que o consumo de leite próximo das grandes refeições e o maior número de moradores no domicílio aumentam o risco da deficiência de ferro. 

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