Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.26 n.8 Caracas ago. 2001
Cássio Alves Pereira. Engenheiro Agrônomo e Pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia-IPAM. Endereço: Av. Nazaré 669, Bairro de Nazaré, Belém-Pará-Brasil. Caixa Postal 6520. CEP: 66035-170. e-mail: cassio@amazon.com.br
Ima Célia Guimarães Vieira. Engenheira Agrônoma, Ph.D. em Ecologia e Pesquisadora do Departamento de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi. Endereço: Caixa Postal 399, Belém-Pará, Brasil. CEP: 66040-170. e-mail: ima@museu-goeldi.br
Resumen
El término "áreas degradadas" es utilizado normalmente para definir las áreas de bosques secundarios en la Amazonía brasileña. El gobierno y las iniciativas privadas han propuesto las plantaciones mecanizadas de granos, especialmente la soya, el maíz y el arroz, como alternativa de aprovechamiento de estas áreas, consideradas degradadas e improductivas. En este trabajo fue realizado un análisis sobre la importancia de las áreas de bosques secundarios en la Amazonía, mostrando su valor del punto vista ecológico, social y económico, además de los impactos de su sustitución por plantaciones mecanizadas.
Summary
The term "degraded lands" has been used to refer to secondary, or regenerated, forests in the Brazilian Amazon. Both government and private enterprise have proposed the mechanized cultivation of grains, specially soybean, maize, and rice, as an alternative utilization of these areas, considered prima facie to be degraded and unproductive. An analysis of the importance of Amazonian second-growth forests was undertaken from ecological, social and economic points of view, and the impacts are discussed of their proposed substitution by large-scale mechanized grain cultivation.
Resumo
O termo "áreas degradadas" tem sido usado para definir as áreas de florestas secundárias na Amazônia brasileira. O governo e iniciativas privadas têm proposto o plantio mecanizado de grãos, em especial a soja, o milho e o arroz, como alternativa de aproveitamento dessas áreas, consideradas como degradadas e improdutivas. Neste trabalho, foi feita uma análise sobre a importância das áreas de florestas secundárias na Amazônia, mostrando seu valor do ponto de vista ecológico, social e econômico e os impactos da sua substituição por plantios mecanizados de grãos.
Palavras Chave / Floresta Secundária / Amazônia / Capoeira / Plantio Mecanizado / Área Degradada /
Recibido: 20/12/2000. Modificado: 25/07/2001. Aceptado: 27/07/2001Na região tropical do mundo, as florestas secundárias (ou capoeiras) e as florestas degradadas estão aumentando em extensão e importância, na medida em que as florestas primárias estão sendo exploradas, fragmentadas e convertidas ao uso agrícola (Brown e Lugo, 1990). As áreas ocupadas por florestas secundárias aumentam em todo o mundo, a uma taxa de 6,4% ao ano, sendo que cerca de 40% da conversão das florestas primárias em secundárias ocorre na América Latina (FAO, 1995).
Numa definição ampla, floresta secundária é a vegetação arbórea-arbustiva que se desenvolve secundariamente por meio da regeneração natural, após um distúrbio que elimina mais de 90% da cobertura vegetal primária (Brown e Lugo, 1990; Davies et al., 1998). Entretanto, o conceito de floresta secundária não é um consenso entre os diferentes autores, que divergem, principalmente, com relação à natureza do distúrbio que reinicia a sucessão. No contexto amazônico, as capoeiras podem ser definidas como áreas de crescimento espontâneo de vegetação secundária provenientes do processo de substituição dos ecossistemas florestais naturais por agroecossistemas.
Os principais exemplos de ecossistemas de capoeira na região amazônica são as áreas de pousio no sistema agrícola de corte e queima e a vegetação formada após o abandono de áreas de pastagens degradadas. Também se pode observar a formação de áreas de capoeira após o abandono de cultivos agrícolas semi-perenes (i.e. pimenta-do-reino e cana-de-açúcar) e perenes (i.e. cacau e café).
Em algumas situações, o termo áreas degradadas tem sido usado, indiscriminadamente, para definir as áreas de capoeira na Amazônia. Nesse contexto, alguns programas de desenvolvimento regional e iniciativas privadas têm proposto a implantação de grandes áreas de plantio mecanizado (usando-se tratores de esteira e de pneu) de grãos, em especial a soja, o milho e o arroz, como uma alternativa de aproveitamento dessas áreas consideradas como degradadas e improdutivas.
Durante a safra agrícola de 1998/1999, 6,1 milhões de hectares de grãos foram cultivados na Amazônia Legal (CONAB, 1999). Apesar da maior parte dessa área ser concentrada em regiões de cerrado dos Estados de Tocantins, Mato Grosso, Rondônia, Maranhão e Roraima, atualmente existe uma perspectiva de expandir a fronteira de plantio mecanizado de grãos para as áreas de floresta da Amazônia. O aproveitamento, de parte, dos 51,5 milhões de hectares de áreas degradadas/alteradas existentes na Amazônia deve ser o primeiro passo dessa expansão (Andrade e El-Husny, 2001). A criação dos pólos de produção de grãos localizados nas regiões de Paragominas, Santarém e Sul do Estado do Pará confirma essa previsão.
A expansão do plantio mecanizado de grãos, em especial da soja, pode se constituir uma nova ameaça ao meio ambiente na Amazônia. Além dos impactos diretos nas áreas de cultivo, esse tipo de agricultura, pode provocar um "efeito de arrasto" impulsionando a implantação de outras atividades de alto impacto ambiental, tais como a pecuária extensiva e a exploração madeireira desordenada, devido à infra-estrutura (rodovias, ferrovias, hidrovias, e portos) construída para a soja (Fearnside, 2000)
Esse trabalho apresenta uma discussão sobre a importância das áreas de capoeira na Amazônia tentando mostrar o seu valor, dos pontos de vista social, econômico e ecológico e os impactos da sua substituição por plantios mecanizados de grãos.
Definição de Degradação
O termo degradação é usado em dois contextos principais no debate sobre a Amazônia (Vieira et al., 1993). A degradação agrícola, refere-se à perda da produtividade econômica em termos agrícola, pecuário ou florestal de uma área. Por exemplo, uma pastagem infestada de plantas daninhas é parcialmente degradada porque a taxa de ganho de peso do gado diminui. Caso essas mesmas plantas daninhas promovessem um aumento no ganho de peso do gado, essa mesma pastagem não seria considerada degradada. A degradação ambiental envolve danos ou perdas de populações de espécies nativas animais ou vegetais (i. e. "degradação da biodiversidade") ou a perda de funções críticas do ecossistema como por exemplo, modificações na quantidade de carbono armazenado, quantidade de água transpirada ou retenção de nutrientes (i. e. "degradação do ecossistema").
De acordo com essas definições, as capoeiras podem ser consideradas como áreas parcialmente degradadas. No entanto, esse fato não permite que essas áreas sejam tratadas como imprestáveis para atividades agrícolas e florestais e sem valor ecológico para a paisagem amazônica. Na verdade, essas áreas devem ser consideradas como florestas em recuperação, pois restabelecem as funções orgânicas do solo, e constituem reserva de sementes e frutos de espécies nativas regionais que possibilita a manutenção da diversidade florística e sustenta a fauna silvestre da região (Vieira et al., 1996).
Extensão das Áreas de Capoeira na Amazônia
Na Amazônia brasileira, em poucas décadas, a destruição da floresta primária atingiu níveis alarmantes de mais de 59 milhões de hectares (INPE, 2001). Na mesma proporção aumentaram as áreas de vegetação secundária por regeneração natural. Até 1990, estimava-se que já existiam na Amazônia aproximadamente 20 milhões de hectares de capoeiras em diferentes estágios de desenvolvimento (Fearnside e Guimarães, 1996).
A conversão de florestas em agroecossistemas continua aumentando na Amazônia. Estimativas do INPE (2001) mostraram que durante a última década, as taxas de desmatamento anual variaram entre 1,1 e 2,9 milhões de hectares não mostrando nenhuma tendência evidente de redução. A formação de pastagens e a agricultura de corte e queima são as principais causas do desmatamento na região.
Dependendo da sustentabilidade dos agroecossistemas estabelecidos nessas áreas desmatadas, as áreas de capoeira podem continuar aumentando até se tornarem o ecossistema predominante na paisagem amazônica. Na microrregião Bragantina, norte do Estado do Pará, uma área de floresta tropical densa, após 100 anos de colonização com atividades agrícolas restaram menos de 15% de cobertura vegetal original e as capoeiras ocupam cerca de 53% dessas áreas (Alencar et al., 1996; Vieira, 1996). Da mesma forma, no município de Paragominas, nordeste do Pará, em pouco mais de duas décadas, 616 mil hectares de floresta foram derrubados para implantação de atividades agropecuárias e até 1988, 43% dessa área havia sido abandonada e transformada em áreas de capoeira (Watrin e Rocha, 1991). No município de Altamira, sudoeste do Pará, em uma área de assentamento de pequenos produtores, ao longo da rodovia Transamazônica, cerca de 47% da área de floresta primária foi desmatada para a implantação de pastagens e cultivos anuais e perenes entre 1971 e 1991 (Moran et al., 1994).
Em todas as áreas de fronteira agrícola na Amazônia, a capoeira é um ecossistema em expansão e ocupa de 20 a 50% das áreas ocupadas com agropecuária.
Aproveitamento das Capoeiras
No sistema de produção tradicional da Amazônia as capoeiras representam o pousio da vegetação na agricultura de corte e queima. Esse tipo de sistema de produção é a base de produção de alimentos de grande parte das 600 mil famílias de pequenos produtores que vivem na Amazônia (Homma et al., 1998). Na agricultura de corte e queima, o papel principal da capoeira é a "fertilização" da terra após o corte e queima da sua biomassa vegetal. As cinzas proporcionam a correção da acidez do solo e servem como um fertilizante natural para os cultivos agrícolas (Juo e Manu, 1996).
Além disso, o período de pousio da vegetação funciona como controlador de pragas e doenças dos cultivos agrícolas, além do controle de ervas daninhas que infestam as áreas cultivadas. No entanto, em regiões com alta densidade populacional e uso intensivo da terra, o período de pousio da vegetação tende a ser cada vez menor na agricultura de corte e queima. Nessa situação, não havendo tempo suficiente para o solo recuperar a sua fertilidade para o próximo ciclo de cultivo, ocorre o declínio da produtividade agrícola e a crise no sistema de produção tradicional (Brienza Junior et al., 1998).
Estudos etnobotânicos (Toledo et al., 1995; Chazdon e Goe, 1998) confirmam que as capoeiras também são fontes ricas de espécies úteis para as populações nativas e são intensamente usadas como fonte de produção de lenha, alimentos, remédios, corantes e material de construção (Denich, 1991), embora em geral, essas áreas secundárias sejam sub-avaliadas e pouco apreciadas, para fins comerciais e de manejo sustentado.
Estudos de Chazdon e Goe (1998) identificaram 313 espécies úteis em capoeiras de 15-25 anos na Costa Rica, destacando-se o uso medicinal, notado para 167 espécies. Na Amazônia oriental, pelo menos 100 espécies de plantas da capoeira são citadas como úteis para a população rural (Vieira et al., 1996). O enriquecimento das capoeiras, através do plantio de espécies arbóreas florestais e frutíferas de valor comercial, também se apresenta como uma alternativa de aproveitamento dessas áreas (Pereira e Uhl, 1998).
Mais recentemente estão sendo desenvolvidas alternativas de produção agrícola em que a capoeira é usada como fonte de nutrientes e matéria orgânica para o solo em sistemas de produção alternativos "agricultura sem queima" (Kanashiro e Denich, 1998). No manejo desses sistemas, as capoeiras são enriquecidas com espécies lenhosas de crescimento rápido, geralmente leguminosas, e após um curto período de pousio a vegetação é cortada e depositada sobre o solo usando-se um trator "tritucap". Em seguida é feito o plantio de culturas alimentares.
Do ponto de vista ambiental, o crescimento das capoeiras contribui para a absorção de carbono da atmosfera, restabelecimento das funções hidrológicas das florestas primárias, recuperação da biodiversidade, redução das perdas potenciais de nutrientes pela erosão e lixiviação e redução da inflamabilidade da paisagem (Nepstad et al., 2001).
Apesar da importância social, econômica e ecológica das áreas de capoeira na Amazônia, alguns autores argumentam que o aproveitamento dessas áreas, para a expansão das atividades agropecuárias pode ser a melhor estratégia para reduzir a pressão de desmatamento sobre a floresta primária na região (Serrão e Toledo, 1990; Serrão e Homma, 1990). Dentro dessa lógica, seria interessante que as áreas de vegetação secundária que já foram bastante alteradas e que apresentam dificuldades de regeneração natural e baixo potencial de aproveitamento pela população fossem priorizadas. Além disso, seria necessário que no aproveitamento dessas áreas fossem adotadas tecnologias de produção que garantissem o uso da terra de uma forma sustentável. Também seria importante considerar as cadeias produtivas como um todo, isto é, para efetivamente atender as demandas da sociedade por alimentos e para a elevação do nível de renda dos produtores e assegurar empregos na zona rural.
Mecanização Agrícola e as Capoeiras
O maior impacto, à curto prazo, do plantio mecanizado nas áreas de capoeira é a redução drástica da capacidade de regeneração natural da floresta. A remoção dos troncos e raízes, necessária para o preparo das áreas agrícolas mecanizadas, elimina o principal mecanismo de regeneração das capoeiras. A composição de espécies do banco de sementes e os propágulos remanescentes (tocos e raízes) no solo estão entre os principais fatores que interferem na sucessão florestal em capoeiras na Amazônia (Uhl et al., 1988, Nepstad et al., 1996; Vieira 1996). Estudos realizados na microrregião Bragantina, Estado do Pará mostraram que entre 70 e 80% das plantas que crescem nas áreas de capoeira são provenientes de brotações de troncos e raízes (Denich, 199; Vieira e Proctor, 1998). Estudos de Leal (1999) em Paragominas, Pará, mostraram que o banco de sementes de espécies lenhosas em áreas cultivadas com soja (57 sem/m2) é muito menor do que em pastagens abandonadas de 8 anos (257 sem/m2). Além disso, a quantidade de plantas invasoras presentes nas áreas com soja reduziu de 13 espécies/10m2 para 7 espécies/10m2 encontradas em pastagens degradadas. Desta forma, as áreas que sofrerem mecanização intensiva estarão condenadas a suportar vegetação herbácea por um longo período, caso ocorram problemas com a sustentabilidade do cultivo intensivo de grãos e essas áreas sejam abandonadas. Isto significa que se a soja falhar na região, as florestas secundárias regeneradas serão provavelmente muito mais empobrecidas em espécies do que as florestas secundárias advindas de pastos abandonados.
Além disso, outros serviços ecológicos das áreas de capoeira serão drasticamente reduzidos. Pode-se estimar que a taxa de recuperação natural de biomassa, após o abandono, de áreas com plantio mecanizado de grãos seja próxima ou até superior à encontrada por Uhl et al., (1988) em áreas de pastagens abandonadas após uso intensivo, ou seja, superior a 150 anos para recuperar a biomassa original da floresta primária. Na microrregião Bragantina, onde as práticas mais comuns de limpeza de área são a derruba e queima, as capoeiras de 40 anos conseguem recuperar até 35% da biomassa de uma floresta nativa (Vieira et al., 1996).
A flora futura de fronteiras agrícolas amazônicas, é constituída pelas espécies da floresta primária e outras espécies associadas com o mosaico de vegetação produzido pelo ciclo de derrubada, plantio e pousio ou abandono (Vieira et al., 1996). Em termos de biodiversidade, o número de espécies vegetais das capoeiras pode se aproximar e em alguns casos ser até superior ao encontrado nas florestas primárias, apesar de ocorrer uma redução no número de espécies nativas (Vieira 1996, Uhl et al., 1988, Morán et al., 1996).
Apesar disso, o ecossistema de capoeira funciona como o melhor sistema de recuperação de espécies vegetais e animais originais da floresta, após a atividade antrópica. Desta forma, a substituição acentuada de áreas de capoeira por áreas agrícolas em monocultivo contribuiria para acelerar os riscos de perda da biodiversidade da Amazônia.
Outra função importante do ecossistema de capoeira é a sua capacidade de recuperação do ciclo de água. O trabalho de Nobre et al., (1991) sugere que a estabilidade do clima da Amazônia pode ter uma relação com a manutenção da cobertura florestal da região e que a substituição da floresta amazônica por pastagens provocaria aumento na temperatura e redução na evapotranspiração e na precipitação. Nesse sentido, trabalhos realizados em Paragominas, Estado do Pará mostram que as capoeiras podem ter um papel de extrema importância na recuperação do ciclo hidrológico regional. Uma capoeira de 20 anos, formada em área de pastagem abandonada, já recuperou cerca de 95% da capacidade de evapotranspiração da floresta primária (Jipp et al., 1998).
Outro impacto ecológico importante da substituição das áreas de capoeira por plantios mecanizados seria as alterações no ciclo de nutrientes. As áreas de capoeira representam uma alternativa natural de recuperação de nutrientes após a atividade antrópica. Os estoques totais de carbono, nitrogênio, fósforo, potássio e magnésio na parte aérea de capoeiras de 40 anos variam de 40 a 100% dos valores encontrados em florestas primárias. Existe pouca diferença na concentração de nutrientes entre a fitomassa da floresta e da capoeira. Além disso, devido a maior biomassa foliar na capoeira, esse ecossistema apresenta maior estoque de nutrientes na folhagem em relação à floresta. No solo, a concentração de magnésio trocável é maior nas áreas de capoeira do que nas áreas de floresta primária (Johnson et al., 2001).
Outros Impactos da Expansão do Plantio Mecanizado de Grãos na Amazônia
Nas últimas décadas, a principal meta da comunidade científica, das agências de desenvolvimento e da sociedade amazônica em geral tem sido a busca de alternativas produtivas de aproveitamento dos recursos naturais da Amazônia. Nesse contexto, a lógica de buscar sistemas de produção agrícola mais intensivos, sem dúvida nenhuma, pode contribuir para reduzir os impactos sociais, econômicos e ambientais negativos dos sistemas de exploração de baixa produtividade que predominam na região.
À curto prazo, poderia-se pressupor que o plantio mecanizado de grãos, contribuiria para a redução desses problemas, principalmente na redução de uso do fogo para o preparo de área e desta forma, contribuindo para a redução dos problemas gerados com as queimadas acidentais.
Os resultados de pesquisas com cultivo intensivo grãos na Amazônia, realizados principalmente em estações experimentais, são bastante promissores, apresentando produtividades elevadas e em muitos casos acima das médias de produtividades nacionais (Galvão e Nogueira, 1983, Pereira et al., 1981, Oliveira et al., 1999, El-Husny et al., 1998, Souza et al., 1999). No entanto, a viabilidade econômica dessa nova atividade apresenta alta dependência de capital e uso de grandes áreas de cultivos e desta forma, aparentemente, mais adequada ao setor rural mais capitalizado e aos grandes proprietários de áreas. Pesquisas recentes realizadas nos municípios de Paragominas e Alenquer, no estado do Pará, mostraram que o plantio mecanizado de milho requer altos investimentos anuais (R$ 935,06/ha, no primeiro ano e R$ 757,17/ha, a partir do segundo ano), alta dependência de insumos artificiais e a renda líquida estimada varia de R$ 51,00/ha a R$ 196,12/ha. Vale ressaltar que essa renda líquida está baseada em produtividades extremamente altas para a realidade da região amazônica, ou seja, entre 4500 e 6000 Kg de grãos/ha (Souza et al., 1998; Almeida et al., 2000).
Desta forma, se essa nova tecnologia não for viável para os pequenos e médio produtores, provavelmente o impacto sobre a redução de queimadas será muito pequeno. As propriedades com mais de 1000ha, que usam fogo intencionalmente como uma ferramenta agrícola nas áreas já desmatadas, representaram, entre 1995 e 1996, apenas 28% da área total queimada em cinco regiões da Amazônia. O restante da área queimada (72%) pertenece á médios e pequenos produtores (Nepstad et al., 1999).
Em situações de agricultura empresarial a sustentabilidade agronômica (devido principalmente a pressões bióticas de doenças e pragas) e econômica (devido a saturação e/ou flutuação e outros problemas de mercado) apresentam alto nível de risco na Amazônia. Atualmente, o Banco do Brasil, Banco da Amazônia - BASA, Banco do Estado do Pará e outros bancos estatais e privados contribuem com a maior parte dos financiamentos envolvidos nos projetos de cultivo mecanizados de grãos na região amazônica. Embora, aparentemente, o plantio de grãos seja lucrativo para os agricultores, há preocupação com a sustentabilidade econômica do mesmo, a longo prazo, que vai depender do grau de autonomia dos agricultores aos financiamentos bancários. A situação dos agricultores que plantam soja na região de Balsas, maior polo de plantio mecanizado de grãos no Estado do Maranhão, ilustra bem essa preocupação. Em menos de uma década dessa atividade na região, o grau de endividamento dos agricultores com os bancos financiadores já começa a atingir níveis preocupantes.
Outro possível impacto indireto da expansão descontrolada da agricultura intensiva seria a imigração para a Amazônia, de produtores rurais especializados em plantios intensivos de grãos das regiões Sudeste e Centro-sul do Brasil. Nessas condições, a expansão desordenada da agroindústria poderia incentivar a aquisição de terras, próximo aos locais de melhor infra-estrutura e proporcionar o deslocamento dos produtores menos capitalizados para a área de fronteira agrícola e desta forma, contribuindo para a manutenção do ciclo vicioso que predomina na Amazônia e que tem contribuído para a degradação sócio-econômica e ambiental da região.
Com a intensificação do plantio mecanizado, possivelmente ocorrerá o uso de grandes quantidades de adubos químicos, agrotóxicos e herbicidas para aumentar a produtividade e mantê-la ao longo dos anos. Essa possibilidade de uso intensivo de agrotóxicos para combater as pragas, doenças e ervas daninhas, que são comuns em plantios em monocultivo, podem agir eficazmente durante algum tempo, mas podem acabar por multiplicar as pragas e doenças a longo prazo. Isso freqüentemente acontece porque os agrotóxicos eliminam também os inimigos naturais das pragas. Também, com o passar do tempo, as pragas dos cultivos acabam passando por um processo de seleção natural e adquirem imunidade aos produtos utilizados.
Outro problema que precisa ser melhor estudado é o efeito da mecanização sobre as propriedades físicas e químicas dos solos. Na região amazônica, a exposição do solo à radiação solar e às chuvas intensas pode interferir na manutenção da vida dos microrganismos do solo, além de facilitar a erosão pelas águas das chuvas (Almeida et al., 2000). Assim, os projetos de desenvolvimento agrícola devem ser acompanhados de medidas de controle da erosão dos solos.
Considerações Finais
Esta breve análise demonstra claramente que o uso, indiscriminado, do termo área degradada para dar uma conotação de inutilidade para as áreas de capoeira parece não ser adequado. Por outro lado, as capoeiras têm alto valor social e econômico para as populações amazônicas e do ponto de vista ecológico, esses ecossistemas são de grande importância para a paisagem da Amazônia. Desta forma, o aproveitamento das áreas de capoeira para o plantio mecanizado de grãos, em larga escala, merece o mesmo planejamento e cuidados que qualquer outro ecossistema natural da Amazônia.
O argumento de aproveitamento de áreas degradadas não justifica a expansão descontrolada da fronteira com agricultura mecanizada na Amazônia. A produção de grãos na Amazônia Legal aumentou de 6 milhões de toneladas, em 1980, para 13,5 milhões de toneladas em 1999 (CONAB, 1999). No Estado do Pará, o plantio mecanizado de grãos, praticamente inexistente até meados da década de 90, já alcançou cerca de 30000ha na safra 1999/2000 (SEMINÁRIO, 1999). Apenas no polo de produção de Paragominas, Pará se pretende cultivar 200000 ha de grãos nos próximos 10 anos (Sindicato Rural de Paragominas, 1999).
Além disso, a proposta de criação de infra-estrutura para escoamento da produção agrícola, através da construção e/ou expansão de ferrovias, hidrovias e novas estradas, previstas no Programa Avança Brasil, do Governo Federal, aliado ao aumento no interesse do setor de agroindústria na aquisição de terras na Amazônia parecem indicar que essa tendência pode ser acentuada.
Os inúmeros riscos ambientais impostos pela expansão do cultivo da soja na região amazônica devem ser acompanhados de medidas que intensifiquem as atividades dos órgãos de fiscalização e monitoramento, além de outras que regulem as atividades agrícolas.
É bom ressaltar que as florestas secundárias são importantes do ponto de vista social, econômico e ecológico, mas estas não substituem as florestas primárias. Dessa forma, o plantio de grãos na região, deve se restringir às áreas de vegetação secundária que sofreram alta pressão de uso da terra e que são dominadas por gramíneas e ervas invasoras. Nessas áreas, o processo de sucessão ocorre lentamente e não são encontradas espécies lenhosas secundárias ou primárias. Essas áreas, consideradas muito degradadas, podem vir a ser usadas para o plantio mecanizado de grãos ou para outras atividades, que demandam alto uso de insumos agrícolas. De qualquer modo, a expansão do plantio intensivo de soja, milho e arroz, proposto pela maior parte dos governos estaduais da Amazônia, deve ser baseada em resultados de pesquisas consistentes e em uma profunda análise dos seus impactos sociais e ambientais.
AGRADECIMENTOS
A Alfredo Homma (Embrapa-CPATU), pelas leituras críticas e sugestões.
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