Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.33 n.5 Caracas mayo 2008
Contexto e Conceitos: História da ciência e "vulgarização científica" no Brasil do século XIX.
Moema de Rezende Vergara
Moema de Rezende Vergara. Doutora em História, Pontifícia Universidade de Rio de Janeiro. Pesquisadora, Museu de Astronomia e Ciências Afins/MCT, Brasil. Endereço: Rua Gal. Bruce 586, Rio de Janiero, RJ, Brasil. e-mail: moema@mast.br
RESUMO
Pretende- se analisar a história do termo vulgarização científica. Ao fazer uma reflexão sobre o conceito também analisa-se sua prática e quais os processos sociais que o construíram, notadamente a institucionalização da ciência, específicamente no século XIX no Brasil.
Context and ideas: History of science and public understanding of science in 19th century Brazil
SUMMARY
The history behind the Portuguese term "vulgarização científica", known in English as public understanding of science, is reconstructed. The study of the term helps to better analyze the social processes that have led to the construction, in particular the institutionalization of science all over the world, and more specifically the 19th century in Brazil.
Contexto y conceptos: Historia de la ciencia y la "vulgarización científica" en el brasil del siglo xix.
RESUMEN
Se pretende analizar la historia del término vulgarización científica. Al hacer una reflexión sobre el concepto también se analiza su práctica y los procesos sociales que lo construyeron, notadamente la institucionalización de la ciencia, específicamente en el siglo XIX en Brasil.
PALAVRAS CHAVE / História da Ciência/ Institucionalização da Ciência/ Vulgarização Científica/
Recebido: 05/03/2007. Modificado: 13/03/2008. Aceito: 14/03/2008.
Recentemente tem crescido na historiografia da ciência estudos sobre a prática da divulgação ou vulgarização da ciência. Procura-se aqui, relacionar alguns trabalhos produzidos nos últimos anos que norteiam as pesquisa sobre a relação entre público e ciência. A grande parte destes estudos encontrou no contexto mundial após 1945 um momento propício para seu desenvolvimento. Neste período testemunhamos uma maior ligação entre ciência e Estado e assistimos à consolidação do conceito de ciência como força produtiva e estratégica, repercutindo na maior preocupação da sociedade com os assuntos científicos.Em resposta a este quadro, a comunidade científica, inicialmente na Inglaterra, observou a necessidade de se colocar à disposição da sociedade um conhecimento que até então estava fora do alcance do público. Os métodos tradicionais de organização e controle da informação, existentes na época, não conseguiram resolver de forma competente o problema do enorme fluxo de informação. Ainda em 1949, reunidos na Royal Society, cientistas de áreas como física, química e biologia, resolveram assumir o desafio da organização e controle da informação (Braga, 1996).
No caso inglês, a popularização da ciência passou a ser analisada a partir da abordagem conhecida como public understanding of science. Estes estudos nasceram da preocupação dos próprios cientistas sobre o conhecimento do público acerca da ciência, e não constituiriam uma disciplina acadêmica convencional, mas um campo emergente de estudos interdisciplinares. Estes estudos não formariam um modelo universalmente aceito, muito menos um corpo estabelecido de seguras teorias. Ao invés disso, o que existe é "uma riqueza de práticas complementares, contrastantes e ocasionalmente conflitantes" (Durant, 1992: 1). Entre alguns dos mais conhecidos teóricos desta área, estariam Gerald Holton, autor de The Scientific Imagination: case studies (1978) e John Durant, editor da revista Public Understanding of Science, publicada pelo Museu de Ciência de Londres desde os anos de 1990. O processo de vulgarização científica nos Estados Unidos se assemelha em muito ao caso inglês, conforme demonstrou Steve Miller do University College, Londres. Contudo, Miller esclarece que, nos Estados Unidos, o público-alvo são as crianças e os adolescentes, diferindo da Inglaterra, que visa a atingir principalmente os adultos. Nos Estados Unidos há o National Science Board Indicator, fundado em Chicago no 1957, e que vem desenvolvendo pesquisas sobre as formas de apreensão do público sobre o processo científico, a compreensão dos termos e dos conceitos científicos e o impacto social de ciência e tecnologia. Os críticos do public understanding of science afirmam que o limite desta abordagem está em partir de um modelo que vê a ciência como algo "suficiente" e o público "deficiente" em termos de conhecimento (Gross, 1994). A vulgarização científica seria uma via de mão única com a missão de preencher a falta de saber dos leigos.
Paralelamente a esses estudos, nos anos 1945-60 foi inaugurada nos Estados Unidos a sociologia da ciência, com ênfase maior às condições culturais e históricas de cada sociedade. A partir destas considerações, os autores de estudos sobre público e ciência procuraram fugir de um modelo de mão única e enfatizaram uma compreensão mais dialógica da atividade científica com o contexto social que engendrou sua respectiva prática científica. Assim, observa-se o surgimento de um enfoque dos estudos da ciência influenciado por Robert Merton (Merton, 1974). Para ele, a ciência é "considerada uma instituição social, com um ethos característico, submetida a uma análise funcional" (Quevedo, 1997: 43). Nesse período constituiu-se uma tradição de investigação empírica específicamente sociológica, ocupada em decifrar o que faz com que a ciência seja considerada como a principal entre as instituições produtoras de cultura. Esta sociologia da ciência, mais histórica do que epistemológica, tem por principal objetivo explicar as origens da ciência moderna no séc. XVII, relacionando sua genealogia a sua ascensão a uma posição de monopólio cognitivo sobre certas esferas de decisão.
Por volta de 1970, a hegemonia mertoniana começou a ser desafiada por alternativas programáticas que propunham reverter o que consideravam uma dissociação exagerada dos aspectos sociais da atividade científica a respeito dos aspectos cognitivos. A virada anti-mertoniana neste período foi feita por David Bloor, "um filósofo e matemático, que afirmava que as regras de argumento e os critérios de verdade são internos ao sistema social ou mesmo de um conjunto de sistemas sociais" (Vessuri, 1991: 61). As considerações sobre uma nova definição sobre a prática científica desta sociologia da ciência influenciaram em muito os trabalhos dos que estarão preocupados com a sociodifusão da ciência, como nos casos de Turner (1980), Shapin e Shaffer (1985), e Stewart (1992).
Na França, os estudos sobre os processos de popularização da ciência são mais recentes. A interseção de todos os estudos franceses sobre a vulgarização está justamente na articulação das relações sociais com as práticas discursivas que as qualificam. Um ponto de convergência entre os autores franceses e ingleses estaria na afirmação de que não existiria tanto no public understanding of science ou na historiografia francesa, uma teoria da vulgarização, mas um conjunto de trabalhos convergentes que delimitam o campo. O livro Vulgariser la Science: le procès de lignorance (Schiele e Jacobi, 1988) seria um exemplo desse esforço de tratar a vulgarização científica como uma imbricação de fatores sociológicos e discursivos.
Na França pode-se observar que a preocupação seminal, além da análise de discurso, está em narrar a história do processo de formação da empresa vulgarizadora. Estas pesquisas teriam como objeto os vulgarizadores, a construção de contextos para a origem do termo, o rastreamento de importantes coleções como Bibliothèque des Merveilles, as revistas dedicadas à vulgarização científica, como a Cosmos e a Revue DAstronomie Populaire, os livros dedicados às crianças, só para citar alguns. Entre estes pesquisadores, há uma percepção de que existe um déficit de análise sobre o problema da vulgarização, isto é, a história das ciências deixou espaço por ocupar. Esta via francesa tem o problema de atribuir ao que é estritamente francês um primado universal, ou seja, conta esta história a partir da perspectiva francesa, ignorando o que aconteceu no resto do mundo. Esta tendência pode ser constatada no livro La Science pour Tous: 1850-1914 (Béguet, 1990). Nesta mesma linha interpretativa, pode-se citar a obra de Bensaude-Vicent e Rasmussen (1997), a que amplia o campo de investigação, analisando os processos de popularização científica em outros países, ao convidar especialistas de outras nacionalidades para participar desse projeto.
No Brasil do séc. XIX o termo "vulgarização científica" designava específicamente a ação de falar de ciência para os leigos. Contudo, no século seguinte aquele termo foi caindo em desuso em favor de outro, que se refere a várias instâncias da comunicação da ciência, ou seja, "divulgação científica". Gostaria de deixar claro para o leitor que não pretende-se "ressuscitar" o uso de "vulgarização científica". A proposta é simplesmente fazer algumas considerações sobre sua trajetória, para poder nuançar a compreensão da complexidade dos vários níveis de comunicação da ciência. Além disso, analisar os percursos deste termo mostra como ele recebeu uma carga semântica positiva e posteriormente negativa. Esta oscilação é indicativa do processo de crescimento da relação entre o conhecimento científico e a idéia de democracia, questão que nem sempre esteve presente nas preocupações da chamada "ciência moderna". Se em um determinado momento utilizar o termo vulgarização não trazia nenhum desconforto, a ampliação do conceito de cidadania pode ter acessado a lembrança de que o vulgus na Roma clássica era uma categoria inferior que não votava, diferente de populus, os cidadãos (Gallardo, 2005). Esta explicação pode dar pistas sobre a atual utilização de divulgação ou popularização da ciência, no Brasil e divulgación em outros países da América Latina. Zamboni afirma que em português empregam-se os termos popularização e vulgarização científica indistintamente, mas resolveu utilizar divulgação científica porque lhe pareceu mais adequado, "por estar imune à eventual crítica de carregar conotação pejorativa" (Zamboni, 2001: 49), mesmo assim, ao longo de seu livro ela utiliza todos aqueles termos como sinônimos. Cabe a ressalva de que na França até hoje a expressão vulgarisation scientifique é um consenso entre os especialistas da área. O objetivo deste trabalho é tentar uma aproximação entre a história da ciência e as reflexões historiográficas, ao reconhecer que o ofício do historiador consiste em enfrentar, quotidianamente, o problema da natureza dos conceitos, os que são tanto seus instrumentos, quanto o lugar do progresso da historiografia (Veyne, 1992). A busca pela precisão de um conceito não significa apenas aprofundar o conhecimento sobre um determinado objeto, mas também criar novas possibilidades de análise. A construção conceitual pode partir de uma experiência histórica concreta que permita a elaboração teórica e o recorte de objetos muitas vezes negligenciados até então.
Como indico-se, a expressão "vulgarização científica" é hoje tida como pejorativa, evitada pelos que trabalham com o tema da relação entre público e ciência. O seu sentido negativo já podia ser encontrado no início do séc. XIX, como demonstra o Dicionário da Língua Portuguesa de Morais Silva (1813); o substantivo vulgarização é definido como ato ou ação de vulgarizar, cuja definição se manteve durante as edições subseqüente no decorrer de todo séc. XIX, asim:
Reduzir ao estado do plebeu, e homem vulgar. Fazer comum, com abatimento da nobreza, gradação de apreço, respeito. Traduzir em vulgar, romancear. Publicar a todos, prostituir-se.
A questão da tradução é uma das características da vulgarização, presente em suas primeiras definições, mesmo em um momento em que o termo vulgarização científica, ainda não possuía uma definição dicionarizada. Contudo, a tradução inerente ao texto vulgarizado tem gerado inúmeras discussões: alguns teóricos percebem este aspecto como definidor da prática vulgarizadora, como por exemplo Jacqueline Authier, para quem o texto da vulgarização ou da divulgação seria sempre um discurso derivado de um original, ou seja, o da ciência (Zamboni, 2001). Neste sentido se justificaria o papel do vulgarizador como mediador, gerando a imagem do "terceiro homem". Para outros, como Jacobi, a vulgarização seria um continuum da comunicação da ciência, complementar à prática científica (Schiele e Jacobi, 1988).
Voltando a atenção para o verbete de 1813, pode-se perceber a idéia de que no ato de vulgarizar há uma perda da "aura" e deslocamento de valores, o que antes era nobre passa a ser agora plebeu, culminando com a corrupção máxima que seria a prostituição. Para melhor entender esta questão é importante ver o que significa "tradução", cujo sentido atual vem da Renascença, quando o verbo traducere foi introduzido pelos humanistas italianos, para designar a reprodução do original em outro código (Cachin e Bruyère, 2001). A missão do tradutor era então de transladar, de difundir as obras primas da antiguidade, de torná-las acessíveis a todos. Segundo George Steiner (Cachin e Bruyère, 2001:505), a arte da tradução consiste em produzir uma terceira linguagem, que seria a linguagem da humanidade, da compreensão: a tradução seria um instrumento de construção de algo universal (apud, idem).
A tradução está marcada tanto pelo limite da fidelidade a algo anterior a si mesma quanto pelo sentimento de impossibilidade de transmissão integral do sentido em questão. Segundo Paul De Man, "o tradutor, por definição, fracassa. O tradutor nunca pode fazer o que o texto original fez" (Penna, 2004: 362). Mas a tradução também é uma "sobrevida do original. (...) Ela atualiza e transforma o original. (...), o põe em movimento, retirando-o de sua imobilidade" (Penna, 2004: 364). O que Steiner e De Man estão discutindo é a possibilidade ou não de tradução entre todas as línguas, remetendo à imagem mítica da Torre de Babel, quando toda a humanidade perde a possibilidade de comunicação com o surgimento de vários idiomas, originando o caos. Assim temos na tradução a busca de uma língua universal que restauraria a harmonia entre os homens.
A vulgarização científica do séc. XIX trazia consigo vários dos elementos enunciados pela tradução: o limite na transmissão dos conteúdos; a preocupação de estar ao alcance de todos e assim conferir um efeito universal ao conhecimento; além de carregar consigo também a centelha do novo. Se isto é verdade, então pode-se afirmar que a vulgarização ou divulgação é uma atividade criadora, ou seja, faz surgir algo que não existia anteriormente. No caso da vulgarização do séc. XIX, ela estava anunciando as inovações do mundo da ciência que a partir daquele momento fariam parte da cultura letrada, como eletricidade, vacina, telefone, entre outros, mesmo que o seu princípio científico permanecesse pouco conhecido. Para ilustrar a questão dos limites de compreensão dos esforços de vulgarização, citamos um artigo anônimo intitulado "As Conferências Populares", de uma publicação satírica intitulada A Biblioteca dos Bonds: publicação diária por uns literatos desocupados de 1876, que narra a ida do Dr. Almondega às famosas conferências da Glória. Segue o autor:
O ilustrado (fórmula necessária) professor, o Sr. Dr. Almondega, disseram todos os jornais, sobe á cadeira da Escola da Glória, no domingo próximo, às 11 horas da manhã, a fazer uma conferência sobre esta sua tese: da patologia social dos seres mancos em relação às exterioridades negativas.
Que síntese bonita! Ninguém a entendeu; porém quanto mais sábio era apregoado o leitor, tanto mais entendido se presumia. Foi um verdadeiro reboliço em toda aquela aristocrática localidade!
A idéia de uma biblioteca dos bondes já é em si um traço de modernidade e remete para uma novidade da cidade: um novo tipo de transporte público no qual poder-se-ia ler durante a viagem. Esta passagem ironiza as conferências considerando-as mais como um evento social do que um local de atualização dos conhecimentos científicos. A sátira é um indicador de como estes artefatos de modernização eram assimilados pela sociedade. O esforço dos historiadores é ver a prática de vulgarização como algo construído socialmente, que permite incluir nas crônicas palavras antes restritas ao espaço da ciência institucionalizada, como o caso de "patologia" no trecho citado.
O projeto existente desde o séc. XIX até os nossos dias, de uma ciência passível de ser compreendida por todos é uma questão que deve ser vista com atenção, já que a entidade "público" é uma abstração necessária para a prática do vulgarizador, uma vez que o emissor sempre precisa de um receptor, mesmo que imaginado. A passagem acima leva a pensar que há vários níveis de compreensão da ciência pelo público, ou seja, a mensagem será entendida de forma diferenciada dependendo de uma série de fatores, como por exemplo, nível de escolaridade, classe social e interesses pessoais.
Para os historiadores, a análise dos textos de vulgarização é uma fonte de uma riqueza inesgotável, pois ele é mais permeável aos demais discursos da sociedade do que o texto científico strictu senso. Assim podem-se ver outras informações veiculadas juntamente com o conhecimento científico, contribuindo para entender vários aspectos do contexto da produção daquele texto. Isto também ajuda a ver até que ponto este esforço vulgarizador viabiliza a inclusão da ciência na cultura num sentido mais amplo. Como pode-se ver na revista Ilustração Brasileira, editada por Henrique Fleiuss, cujo perfil se enquadra nos vários periódicos científico-literários que circularam na cidade do Rio de Janeiro. Nesta revista há, em seus primeiros números, um artigo anônimo que define vulgarização asim: "A vulgarização dos conhecimentos gerais da ciência, em nosso tempo, não é só uma necessidade, é um dever imperioso para as nações que compreendem e acompanham os progressos reais da civilização" (Revista Científica, 1876: 56). A título de exemplo, o artigo cita um dos maiores problemas, que segundo os relatos da época era um empecilho para colocar o Brasil "ao nível de seu século": a febre amarela.
Passemos, portanto a tratar de uma das questões que infelizmente entre nós tem sempre uma certa oportunidade. Se bem que o flagelo da febre amarela tenha cessado neste momento os seus estragos, nem por isso nos parece fora de propósito, ou antes, julgamos bem cabido ocupar-nos ainda desta questão e tanto mais que o podemos fazer agora sem ser debaixo da pressão exercida pela presença desagradável do sinistro hóspede (Revista Científica, 1876: 56).
Desta passagem, depreende-se a noção de etiologia daquele momento, que via a forte determinação do meio ambiente como causadora das doenças. Além disso, também informa que naquele momento a febre amarela, um grave problema de saúde pública da Corte no final do séc. XIX, estava passando por um período de baixa ocorrência, sem que o autor deixe de mostrar a sua preocupação com relação a esta doença. Para ele a solução do problema estaria nos estudos da climatologia, pois o Rio de Janeiro seria mais vulnerável à doença devido à pouca circulação dos ventos por conta da Serra do Mar, dirá ele: "o clima aqui é enervador". O artigo conclui com uma afirmação da fé na ciência: "Em todos os ramos da ciência e em quase todos os países do mundo, os estudos profundos, as investigações sérias, atraem as atenções e dão mais largo e fecundo desenvolvimento à atividade da inteligência humana". E convoca o Brasil a seguir o mesmo rumo: "Acompanharemos este movimento, dando conta sucinta das nossas apreciações em tão vasto e varrido campo, ainda infelizmente entre nós tão pouco explorado"
Assim, por volta dos anos de 1870 o termo vulgarização científica já era utilizado no Brasil. Muito provavelmente este termo passou para o vocabulário dos brasileiros a partir dos livros franceses. Uma possibilidade de "contágio" estaria na obra do vulgarizador francês Camille Flammarion, autor de Astronomia Popular, que era bastante conhecido pelo público brasileiro. Um exemplo da presença de Flammarion em nossa imprensa é a tradução de um seu artigo "As terras do céu" publicado n´O Vulgarizador em 1877. A familiaridade deste autor entre nós pode ser vista também na crítica do astrônomo Luiz Cruls, que o censurou por seu estilo de poeta na Revista Brasileira, pois ao descrever uma "chuva de estrelas sob cores tão sedutoras" (Cruls, 1897) que, na verdade, o fenômeno não ocorreu como descrito por Flammarion fazendo com que o público atribuísse o malogro a algum engano dos astrônomos.
Segundo Béguet (1990) o termo "vulgarização" seria raro antes do séc. XIX, e foi apresentado como um neologismo no Dictionnaire de la Langue Française de Littré em 1881. Este dicionário, bastante usado por nossos intelectuais do final do séc. XIX, atribui sua origem a Mme. de Stäel, que no início do século utilizara a palavra vulgarité como algo que perde sua distinção e amplia seu uso e domínio (Raichvarg e Jacques, 1991). Já Bensaude-Vincent e Rasmussen (1997) assinalam que a "maioria dos dicionários data a aparição do verbo vulgariser de 1826 e o substantivo vulgarisation nos anos 1850-1870 a expressão vulgarisation scientifique foi utilizada por Zola em 1867".
No Dicionário da Língua Portuguesa (Morais Silva, 1891) nota-se um acréscimo àquela primeira definição de 1813: "tornar alguma coisa geralmente conhecida, sabida, tornar-se geral, vulgar, espalhar-se muito; divulgar-se". Somente na 10a edição, em 1945, entre os usos de vulgarização, consta "ato ou efeito de divulgar. Vulgarização de conhecimentos científicos especializados, pondo-se assim ao alcance do maior número possível de indivíduos, isto é, do vulgo; por definição". É próprio dos dicionários canonizarem as palavras após a ampla utilização das mesmas na sociedade. Desta forma, há alguns indícios do emprego da palavra "vulgarização" no intervalo 1850-1890, ou seja antes de sua entrada no dicionário, período caracterizado por uma intensificação da vulgarização cientifica tanto internacional quanto nacionalmente, quando ocorreu uma proliferação de veículos e ações a ela destinadas, tais como revistas, jornais, palestras públicas e exposições.
Cabe destacar que no Brasil, do séc. XIX até os anos de 1930, os cientistas e literatos utilizavam regularmente "vulgarização" para designar a atividade de comunicação com os leigos. Entre os literatos, Augusto Emílio Zaluar, tido como autor da primeira obra de ficção científica no Brasil, o Dr. Benignus de 1875, explicitava nessa obra o que entendia por vulgarização científica, que seria "vulgarizar os resultados da ciência e fazer subir por esse meio o nível intelectual do povo" (Zaluar, 1994: 295).
Dois anos mais tarde, Zaluar editou um periódico com o sugestivo nome de O Vulgarizador: jornal dos conhecimentos úteis, (1877-1880), que tinha por objetivo "estar ao alcance de todas as inteligências", entretendo o leitor com as novidades do mundo da ciência. Nessa publicação, ele manteve os mesmos ideais, já anunciados em seu livro, de que através da vulgarização científica estaria promovendo o desenvolvimento intelectual do povo brasileiro. Esse periódico contava com a colaboração de literatos convidados a escrever sobre ciência, como Afonso Celso, que traduziu um poema sobre Giordano Bruno. A convite de Zaluar, José de Alencar, romancista de grande prestígio na época, colaborou com um texto que comentava as recentes teorias sobre a origem do homem americano: "... associo-me cordialmente ao seu nobre intuito de vulgarizar a ciência" (Alencar, 1877). O crítico literário Rangel S. Paio publicou uma série de artigos intitulados "Cartas a uma senhora" com o objetivo de explicar o darwinismo para o público feminino. A publicação também abria suas páginas para a participação de importantes cientistas da época, brasileiros ou estrangeiros radicados em instituições científicas nacionais, como o botânico João Barbosa Rodrigues, o engenheiro F. Keller Leuzinger e os geólogos Charles F. Hartt e Orville Derby, membros da Comissão Geológica do Império.
Um dos textos emblemáticos da história da divulgação científica no Brasil é o texto do médico Luiz Couty (Couty, 1879) publicado na época em que trabalhava no Museu Nacional. Nesse artigo Couty defendia a necessidade de desenvolver uma ciência nacional para cuidar dos problemas do país, e sustentava a idéia de que, para obter apoio da sociedade para suas atividades, o cientista deveria comunicar os seus avanços para o público em geral. A respeito da vulgarização ele se pronuncia:
Além das revistas periódicas, das sociedades e congressos, possuem ainda os mais adiantados países da Europa meios inumeráveis de propaganda científica destinadas não já diretamente aos sábios, mas principalmente ao público ilustrado e culto. Há ali publicações especiais, jornais científicos, como La Nature, o Journal des Voyages... Há milhares de livros de vulgarização científica, cujo tipo é representado pelos trabalhos de Figuier; ou ainda romances, que, graças a escritores como Júlio Verne, Macé, Hetzel, vão incutir nas mais tenras inteligências o gosto de saber e indagar. (Couty, 1879).
Esta passagem é ilustrativa para perceber como aquela geração estava sintonizada com as publicações de caráter de "vulgarização" que já circulavam na Europa e Estados Unidos e que via a necessidade de se implementar esta prática no Brasil. Cabe chamar a atenção para o local de trabalho de Couty, o laboratório, que já existia em vários pontos do globo, principalmente a partir de 1860-1870, e significava uma nova organização do trabalho científico (Ben-David, 1974). O Laboratório de Fisiologia Experimental no Museu Nacional era um indício da inclusão do Brasil nas práticas de mundialização da ciência. Lá Couty e João Batista Lacerda pesquisaram a composição do curare e desenvolveram um contraveneno de cobras, utilizando o método experimental, inspirados em Claude Bernard (Benchimol, 1999).
A mesma idéia presente no texto de Couty pode ser vista, alguns anos mais tarde, no editorial de estréia da revista do Observatório do Rio de Janeiro de responsabilidade do astrônomo Luiz Cruls, que afirmava:
Na Europa e nos Estados Unidos não são poucas as publicações criadas para o mesmo fim, e é inegável a influência benéfica que tiveram para o desenvolvimento e vulgarização da mais atrativa das ciências. (Cruls, 1886).
No século seguinte, em 1931, o médico Miguel Ozório de Almeida lançou o livro A vulgarização do saber (Almeida, 1931) no qual fala da importância do público compreender, pelo menos em linhas gerais as bases dos desenvolvimentos científicos. Para Cahan (1995) em meados do séc. XIX houve o que ele chamou de "Iluminismo tardio", que promoveu uma grande mudança na estrutura social da ciência. Pode-se constatar que iniciativas de vulgarização científica se intensificaram a partir dos anos 70 do séc. XIX, quando surgem publicações especializadas e este termo começava a suplantar a expressão mais antiga de ciência popular. Neste contexto, o séc. XIX testemunhou também uma expansão enorme e sem precedente da educação formal, bem como o aumento de locais de leitura, como livrarias e bibliotecas. Como resultado, a produção literária aumentou e o acesso a livros e jornais tornou-se relativamente fácil. O mercado de leitores potenciais aumentou e paralelamente a este processo de expansão do número de leitores, a ciência também passou a ser considerada como essencial à industrialização, ao bem-estar e ao progresso. Assim, ciência e progresso tornaram-se práticamente sinônimos para quase todos, trabalhadores e industriais, funcionários públicos e estadistas, que estavam interessados em avanços políticos e econômicos.
A origem do termo vulgarização científica remete para aspectos extralingüísticos, como a mudança da relação entre ciência e público. Segundo Koselleck (2006) todos os elementos que podemos eleger como extralingüísticos dependem da mediação da linguagem, o que tornaria a afirmação anterior contraditória. Contudo, ele afirma também que cabe ao historiador discriminar o que considera fatores lingüísticos e extralingüísticos como forma de conhecimento do passado. Assim, para o nosso argumento é crucial entender a institucionalização da ciência como fator extralingüístico e analisar seu caráter de tradução no âmbito de um mesmo idioma como um dos aspectos lingüísticos da vulgarização.
A institucionalização da ciência se desenrolou ao longo do séc. XIX e visava a profissionalização dos cientistas e a garantia de sua autonomia e auto-regulamentação, frente ao Estado e à sociedade. Este processo postulava a instrução sistemática e a nítida separação entre leigos e especialistas, criando o ethos da comunidade científica (Merton, 1974). Outra característica deste processo foi a distinção entre as disciplinas acadêmicas, e não por acaso este é o momento em que a palavra "cientista" é cunhada por William Whewell, em 1834 (Cahan, 1995). Mesmo podendo ser vista como um fenômeno mundial, sendo seu aspecto internacional um dos elementos que a caracteriza, a institucionalização ocorreu de forma diferenciada localmente. O caso exemplar na Europa foi o alemão, que organizou a pesquisa científica nas universidades, principalmente após 1870, rompendo com o passado medieval destas instituições como o lugar da teologia e da filosofia. O surgimento de sociedades científicas especializadas, que muitas vezes concorriam com as academias científicas estabelecidas, pode ser visto como um indício deste grau de especialização.
No Brasil, este processo não ocorre nas universidades, que só surgirão no séc. XX, mas em espaços como o Observatório Nacional, Museu Nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Comissão Geológica do Império, Jardim Botânico, entre outros (Dantes, 2001). Apesar da aparente pulverização destes lugares de ciência na sociedade brasileira, eles tinham em comum a produção de uma imagem de cientistas desinteressados, além de conferir um valor à ciência como algo intrinsecamente bom para a sociedade. Couty apontava a vulgarização como um meio de convencimento da sociedade para legitimar a prática científica:
Foi com esses meios de vulgarização que pouco a pouco se estabeleceu na Europa a geral corrente científica, que eu desejava ver no Brasil. Foram tais sociedades e sobretudos aqueles diferentes jornais e revistas que levaram a toda a parte o gosto pelos estudos científicos e o conhecimento de sua utilidade. Deve-se, pois, evidentemente recorrer a iguais meios para conduzir o Brasil ao mesmo fim. (Couty, 1879: 237).
A vulgarização científica e a especialização das disciplinas são processos correlatos ao longo dos oitocentos, erigindo fronteiras entre o que era ciência ou não. Assim, surgiu a necessidade da figura do vulgarizador, cujo papel de tradutor viabilizou a construção de uma forte confiança na ciência junto ao público. Na medida em que a sociedade aceitasse a idéia geral de que o trabalho do cientista é desinteressado e que este está sempre em busca do bem comum, o apoio da sociedade para a atividade científica deveria ser incondicional e a ciência se desenvolveria, segundo seus critérios de auto-regulamentação, independente da opinião pública, justificada por seu aspecto utilitário.
As raízes do caráter aplicado da ciência estão em um momento ainda mais remoto, o da Enciclopédia. Este era um projeto de universalização do saber que lutava contra a ignorância, "principal abrigo das superstições" (Andrade et al., 1989: 13) e tinha na utilidade do conhecimento seu principal aliado. O aspecto utilitário e prático da Enciclopédia pode ser entendido como um programa político e científico amplo, "de valorização da ação transformadora do homem sobre a natureza, em que a técnica é quase um prolongamento do mundo natural, uma conseqüência necessária do conhecimento" (Kury, 2001: 131). Kury defende que, no final do séc. XVIII, a prática científica passava por transformações. A atividade científica deveria incluir naturalmente a questão da utilidade e não ser um conhecimento meramente livresco. O compromisso com a utilidade e a especialização crescente dos diversos ramos do saber formarão as características principais da prática científica no séc. XIX.
Sem dúvida, a ciência começou a apresentar um aspecto de maior apelo para o público, na medida em que as conseqüências práticas deste conhecimento que se ampliava e das técnicas mais elaboradas se tornavam mais evidentes na vida diária (Roman, 1983). Simmel (1971) mostra que há um descompasso na modernidade entre uma cultura objetiva que produz coisas que incorporavam um estado de alta elaboração e desenvolvimento, e uma cultura subjetiva no sentido de bildung. A complexidade e a extensa divisão do trabalho fazem com que essa cultura objetiva se transforme em um domínio autônomo. As coisas se tornam mais perfeitas e de alguma maneira mais controladas por uma lógica objetiva e interna ligada à sua instrumentalidade; mas o cultivo do sujeito não aumenta na mesma proporção. Em vista do enorme aumento da cultura objetiva, na qual o mundo das coisas é dividido entre incontáveis trabalhadores, a cultura subjetiva não pode ser aumentada da mesma forma. Assim, o mundo moderno está cindido entre os produtos da cultura objetiva e o nível cultural dos indivíduos. Na modernidade há uma dissociação entre o progresso técnico em todas as áreas e o aprofundamento de uma insatisfação devida ao fato de que as técnicas estão se tornando cada vez mais complexas e elaboradas, enquanto os homens são menos hábeis diante da perfeição dos objetos (Simmel, 1971). Para ilustrar esta questão basta lembrar a passagem da conferência proferida por Max Weber em 1918:
Aquele, dentre nós, que entra em um trem não tem noção alguma do mecanismo que permite ao veículo pôr-se em marcha exceto se for físico de profissão. Aliás, não temos necessidade de conhecer aquele mecanismo. Basta-nos poder "contar" com o trem e orientar, conseqüentemente, nosso comportamento; mas não sabemos como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. O selvagem, ao contrário, conhece, de maneira incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. (Weber, 1997: 199).
Para apaziguar esta insatisfação com o progresso científico e tecnológico surge o vulgarizador, buscando traduzir a linguagem utilizada pelos cientistas para a do homem comum, de um nível da mesma língua a outro. Como já foi dito anteriormente, a vulgarização passa a ser, desta maneira, o meio pelo qual a ciência, escrita em uma linguagem específica, pode ser expressa em uma linguagem comum (Pradal apud, Scheile e Jacobi, 1988:18).
A necessidade de tradução da ciência é resultado da divisão do trabalho cientifico na sociedade. Os críticos da vulgarização científica a têm por superficial justamente em sua incapacidade de transmitir o rigor do conhecimento científico. No movimento de translação dos conhecimentos, estes são progressivamente descontextualizados. A vulgarização não é capaz de difundir integralmente o conhecimento. Traduzir a ciência para um grande número de pessoas é uma tarefa complexa, nem sempre cumprida à risca. Contudo, os esforços de vulgarização fizeram com que a ciência passasse a existir na consciência do público, implantada na sua realidade quotidiana, mesmo sem dar atenção aos processos de construção deste conhecimento. Desta forma, estavam-se veiculando outros valores além dos puramente científicos. Assim, lemos n`O Vulgarizador uma notícia sobre uma fábrica de cerveja, tida como um os melhoramentos industriais da Corte do Rio de Janeiro:
... apraz-nos por esta ocasião o benévolo acolhimento que a idéia de vulgarizar pela publicidade esta forma utilíssima de atividade social tem encontrado entro os nossos produtores. O nosso fim principal é despertar por este modo a emulação no aperfeiçoamento das indústrias nacionais e criar novos elementos de progresso ao desenvolvimento moral e material do Brasil (Zaluar, 1878: 191).
Não pode-se esquecer que cerveja era um assunto da ciência no séc. XIX. Os estudos de Pasteur sobre fermentação alcoólica tiveram apoio parcial das cervejarias francesas e sua dissertação de 1860 sobre a fermentação alcoólica foi um divisor de águas no debate em torno das explicações biológicas versus químicas do fenômeno. Em 1873 Pasteur patenteou o processo de fermentação industrial da cerveja, no que pode ser visto como uma das aplicações do conhecimento de laboratório levada à indústria (Geison, 2002). Se os princípios de fermentação não estavam presentes no texto d´O Vulgarizador (o que poderia ser considerado uma falha do ponto de vista educativo da vulgarização), pode-se ver a preocupação com uma modernidade derivada da ciência que repercutiria também na esfera moral e de comportamento da sociedade, além do desenvolvimento de uma indústria nacional, lembrando que naquela época o Brasil ainda era escravista.
O estudo da vulgarização oitocentista abre inúmeras possibilidades para compreender a participação da ciência na cultura letrada, a organização da atividade científica e a contribuição da comunicação com os leigos para a institucionalização da ciência, ao fornecer espaço para a formulação de demandas de recursos e reconhecimento frente à sociedade. Para pensar a necessidade de se estudar a história da divulgação, há uma interessante citação atribuída a Goethe de que "a história da ciência é a própria ciência. Não podemos saber o que possuímos sem saber o que os outros possuíram antes de nós. Não podermos séria e honestamente apreciar as vantagens de nossa época enquanto não conhecermos as das épocas anteriores" (Lévy-Leblond, 2005: 48). Desta forma, analisar a história da vulgarização científica ajuda a compreender esta prática nos dias de hoje. Há idéias recorrentes, tais como ciência para todas as inteligências, divertir e ensinar, e não utilizar fórmulas matemáticas, que formam as balizas da vulgarização/divulgação até os dias atuais. Reconhecer estas permanências ajuda a ver a trajetória desta prática e suas marcas de origem. Ao debruçar-se sobre sua história, pode-se ter mais elementos para assumir uma posição no debate atual que questiona se a divulgação é uma mera tradução ou se possui uma instância epistemológica própria. Há um equívoco ao entender a dimensão de tradução como sendo produto de um discurso hierarquicamente inferior, desqualificando o trabalho do divulgador e não considerando sua atividade como criadora. Assim, ao considerar o discurso divulgador como mais permeável a outros discursos, se comparado ao texto científico tout court, admite-se que existe um continuum entre público e cientistas, pois estes teriam acesso às demandas e expectativas sociais, influenciando as diretrizes da pesquisa científica.
Contudo, os desafios da vulgarização científica se renovaram, já não são os mesmo do momento em que estava intimamente ligada à institucionalização da ciência. Hoje a vulgarização ou divulgação científica se instituiu em um campo de estudos, com seus métodos e objetos próprios. A figura do literato vulgarizador, como Emílio Augusto Zaluar, no Brasil, e Camile Flammarion, na França, desapareceu de cena, dando lugar para outros profissionais. Para utilizar um termo mais contemporâneo, a percepção pública da ciência passa a ser um problema para os "divulgadores" que trabalham em museus e instituições científicas ou jornalistas responsáveis pelos editoriais de ciência. Não obstante, também os estudos sociais da ciência devem estar atentos às características próprias desta prática.
Devido à divisão do trabalho intelectual e ao alto grau de especialização das disciplinas atuais, a atividade de divulgação é essencial para toda a sociedade. Para físico Lévy-Leblond uma das características de nosso tempo é justamente o questionamento de uma suposta dicotomia entre o público, completamente desprovido de conhecimento e o cientista e ele utiliza a própria experiência pessoal que se sente inseguro quando os assuntos provêm de outro campo que não a física, ou seja, é por meio da divulgação que parte da comunidade científica se intera da atividade dos demais cientistas (Lévy-Leblond, 2006). Segundo ele a divulgação é um paradoxo, sendo ao mesmo tempo necessária e carregando em si algo de impossível, uma vez que há instâncias da ciência que seriam intraduzíveis para todos.
Do ponto de vista da prática social, observa-se uma crescente preocupação em relacionar a divulgação do conhecimento científico à cidadania. Esta premissa alimenta a idéia de que o cidadão ideal é aquele que possui as informações necessárias para atuar na polis moderna, uma democracia composta por cidadãos conscientes e responsáveis por suas decisões. Neste sentimento difuso identifica-se uma politização da divulgação, remetendo a um aspecto utópico que imagina uma sociedade melhor, cujo projeto seria o acesso de todos ao conhecimento que agora poucos partilham. Assim, ao invés de atribuir à divulgação algo de impossível, seria melhor vê-la como uma utopia, ou seja, um projeto que busca incessantemente novas formas de aumentar a compreensão de todos do mundo da ciência, tanto de seu modus operandi, quanto de seus resultados.
AGRADECIMENTOS
A autora agradeçe o apoio do CNPq para realização desta pesquisa.
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