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Paradígma

versión impresa ISSN 1011-2251

Paradìgma v.28 n.1 Maracay jun. 2007

 

As concepções dos alunos sobre resolução de problemas ao utilizarem o computador no estudo de funções

 

Norma Suely  Gomes Allevato 

 normallev@uol.com.br

UNESP- Rio Claro/SP/Brasil

 

Resumo

 

O objetivo deste trabalho é apresentar e analisar um conjunto de dados em que os alunos manifestaram suas concepções sobre resolução de problemas ao utilizarem o software Winplot na resolução de problemas fechados relacionados ao estudo de funções. A pesquisa foi realizada com alunos da disciplina Matemática, ministrada no primeiro ano de um curso superior de Administração de Empresas. Foi desenvolvida seguindo a abordagem qualitativa e a coleta de dados foi feita, essencialmente, por observação-participante em aula. Os dados mostram que os alunos possuem a concepção de que para resolver um problema é preciso calcular, desenvolver e registrar algébrica ou numericamente um raciocínio, não considerando a observação e interpretação de gráficos como processos legítimos de resolução de problemas. A partir daí é desenvolvida uma reflexão acerca da importância da visualização e das representações múltiplas nos ambientes de ensino e aprendizagem de Matemática em que são utilizadas Tecnologias Informáticas.

 

Palavras-chave: Resolução de problemas, Computadores, Funções.

 

 Abstract

The aim of this paper is to present and analyze a set of data in which the students express their conceptions regarding problem solving when using the software Winplot to solve closed-ended problems related to the study of functions. The research was conducted with first-year Business Administration students enrolled in a mathematics course. It was developed using a qualitative approach, with the data collection consisting mainly of participant-observation in the classroom.  Students’ conceptions, as revealed in the data, is that to resolve a problem, it is necessary to calculate, develop, and record one’s reasoning algebraically or numerically, without considering observation and interpretation of graphs as legitimate processes in problem-solving. A reflection is developed regarding the importance of visualization and multiple representations in mathematics teaching and learning environments where information technology is used.

 

Key words: Problem-solving, Computers, Functions.

 

Resumen

 

El objetivo de este trabajo es presentar y analizar un conjunto de datos a través de los cuales los alumnos manifestaron sus concepciones sobre la resolución de problemas cuando utilizan el software Winplot en la solución  de problemas cerrados relacionados  con el  estudio de funciones. La investigación fue realizada con alumnos que cursan la disciplina  Matemática, impartida en el primer año de un curso superior de Administración de Empresas.  Este estudio fue desarrollado  siguiendo un procedimiento cualitativo y la recopilación de datos fue realizada esencialmente a través de la observación de los participantes en las clases. Los datos muestran que los alumnos tienen la concepción de que para resolver un problema es necesario calcular, desarrollar y registrar algebraica o numéricamente un raciocinio, ellos no consideran la observación y la interpretación de gráficos como procesos legítimos de solución de problemas. A partir de este hecho se desarrollada una reflexión sobre la importancia de la visualización y de las representaciones múltiplas en  ambientes de enseñanza y aprendizaje de Matemática en los cuales son utilizadas Tecnologías de Informática.  

 

Palabras claves: Resolución de problemas, computadoras,  funciones.

 

Recibido: 02/12/2006  Aceptado: 06/03/2007

 

Introdução

            Este trabalho pretende apresentar alguns resultados de uma pesquisa de doutorado (ALLEVATO; 2005) que analisou de que forma os alunos relacionam o que fazem na sala de aula, quando utilizam lápis e papel, com o que fazem no laboratório de informática, quando estão utilizando o computador na resolução de problemas fechados sobre funções.

            A pesquisa foi desenvolvida com alunos da disciplina Matemática, ministrada no primeiro ano de um curso superior de Administração de Empresas.

            Inicialmente é feita uma breve apresentação do contexto em que se desenvolveu a pesquisa e dos procedimentos metodológicos adotados. Na seção 3 são explicitadas brevemente algumas idéias de autores que foram referência para o presente estudo. Em seguida é apresentado um conjunto de dados em que os alunos manifestaram suas concepções sobre resolução de problemas ao utilizarem o software Winplot[1] na resolução de problemas fechados relacionados ao estudo de funções. Então, na seção 5, é feito um aprofundamento das idéias de alguns autores apresentados na seção 3, ou seja, os dados são analisados à luz de estudos relacionados à resolução de problemas e à utilização dos computadores na Educação Matemática. Finalmente são tecidas algumas considerações finais.

 O Contexto e Alguns Aspectos Metodológicos

            A pesquisa foi realizada, através de observação-participante, em sala de aula. O professor responsável pela turma fundamenta seu ensino em resolução de problemas e, para atender aos propósitos da pesquisa, propôs-se a dividir suas aulas realizando metade delas na sala de aula convencional e a outra metade no laboratório de informática.

            No laboratório, os alunos resolveram problemas fechados, utilizando o software Winplot1. Um problema é fechado quando tanto a situação inicial como o objetivo final (resposta) do problema são pré-determinados (PEHKONEN; 2003). Em contrapartida, abertos são aqueles em que o processo ou o final ou a formulação de novos problemas são abertos (VAN DE WALLE; 2001). O Winplot é um software gráfico, gratuito, disponível em português e voltado ao estudo de funções de uma ou duas variáveis, derivadas, integrais, equações diferenciais e outros assuntos.

            O registro dos dados foi feito por meio de gravações, documentos elaborados pelos alunos e diário de campo. As gravações contêm os diálogos realizados entre os alunos e o pesquisador nas aulas de laboratório, durante as atividades de resolução de problemas, com a utilização do computador. Isso foi possível porque nestas aulas a pesquisadora, autora deste artigo, era também uma auxiliar do professor da turma e o ajudava a atender os alunos em suas dúvidas relacionadas à Matemática ou à utilização do software. Os problemas resolvidos eram entregues pelos alunos, ao professor, por escrito, constituindo-se em documentos que também foram fonte de dados. Um diário de campo foi elaborado após cada observação, constituindo-se num relato escrito do que o investigador ouve, vê e pensa durante e após a coleta de dados. Segundo Bogdan e Biklen (1994) "as notas de campo são fundamentais para a observação participante" (p.150). Elas contém idéias, reflexões, impressões e percepções, bem como padrões que emergem dos dados.

 

Aporte Teórico

            Na Educação Matemática, várias pesquisas já foram e outras estão sendo realizadas, que tratam da inserção das tecnologias de informáticas (TI) nos ambientes de ensino e aprendizagem. É bastante extensa e variada a produção científica nesta linha. No presente trabalho, o foco será colocado, particularmente, em uma dessas tecnologias: o computador. A literatura mostra que a maneira de utilizá-lo no ensino de Matemática foi gradualmente modificada ao longo do tempo, à medida que os estudos forneciam novos subsídios à sua utilização por alunos e professores. Também os enfoques pedagógicos estão se modificando e os professores têm experimentado momentos de instabilidade em suas práticas (BORBA; PENTEADO, 2001). Assim, torna-se premente discutir refletir sobre alguns aspectos como: finalidades e formas de utilização; aspectos emergentes; vantagens e limitações; atitudes dos alunos e professores em situações de ensino de Matemática em que é utilizado o computador.

            De qualquer modo, as observações feitas nos estudos já realizados são quase unânimes na percepção de que o comportamento dos estudantes que usam essa tecnologia informática (TI) parecia diferente dos demais, ou seja, daqueles que não tinham contato com ela. Em linhas gerais, essas pesquisas trazem evidências de que a utilização dos computadores nos ambientes de ensino de Matemática conduz os estudantes a modos de pensar e de construir conhecimento que são típicos do ambiente informático e, por vezes, favoráveis à aprendizagem de conteúdos ou à compreensão de conceitos matemáticos. Tais pesquisas destacam aspectos como o uso regular de representações múltiplas, a manifestação de concepções acerca da Matemática e dos conteúdos matemáticos, a ênfase na visualização, entre outros.

            Tall (1989) comenta que, em geral, os matemáticos acreditam que a natureza dos objetos com que trabalham é determinada por conceitos imutáveis, cuja realidade independe de fatores culturais. Em Matemática, historicamente, elementos conceituais têm conquistado supremacia sobre os observáveis. Entretanto, o caráter observável dos objetos produzidos ou processados pelas TI está, cada vez mais, ganhando destaque.

             Relacionam-se a isso as percepções de Villarreal (1999) e Borba e Villarreal (2005) no que se refere aos estilos de abordar os conteúdos matemáticos. Mesmo na presença do computador, há alunos que se mostram claramente mais propensos a pensar algebricamente, demonstrando que conservam traços de um ensino que, tradicionalmente, enfatiza aspectos algébricos. Essa ênfase no algébrico pode ser associada às compreensões de Tall (1989): elas representam "velhas" forças que coexistem com as "novas", nesse particular, representadas pelas possibilidades visuais que as TI oferecem.

            Certamente, este aspecto está relacionado, também, com a possibilidade de "fazer Matemática à mão ou com uma tecnologia informática". Os estilos, de saber e pensar, característicos da cultura informática, podem ser condenados, ignorados ou não ser percebidos por não satisfazerem aos critérios e definições característicos de um tempo em que prevalecia a escrita. É o caso da imagem, recurso fundamental das tecnologias informáticas, das quais o computador ocupa, neste trabalho, posição de destaque. A abordagem visual de um conceito ou objeto, em Matemática ou em qualquer outra área do conhecimento, pode ser considerada, hoje, como um dos elementos que caracterizam novos estilos de construção do conhecimento. (BORBA; VILLARREAL, 2005).

            Na pesquisa desenvolvida por Villarreal (1999), há um extenso estudo sobre visualização que, embora seja um processo bastante privilegiado pelo ambiente computacional, é, muitas vezes, menosprezado dentro da Educação Matemática. Ela apresenta episódios em que duplas de alunas utilizavam o software Derive, uma tecnologia CAS[2] que possibilita manipulação simbólica, construção de gráficos e tabelas com facilidade. Os relatos e análises desenvolvidos sugerem que a abordagem visual proporcionada pelo computador não era natural para as alunas, que recorriam, com freqüência, ao lápis e papel para resolver alguns conflitos. Entretanto, as imagens fornecidas pelo computador permitiram questionar suas concepções e, a partir daí, foi possível pensar nos conceitos de maneira mais ampla.

 

            A seguir a autora apresenta critérios para caracterizar as abordagens algébrica e geométrica:

 

Abordagem algébrica

Abordagem visual

Preferencia por resoluções analíticas quando resoluções gráficas também são possíveis.

Emprego de informações gráficas para resolver uma questão matemática que tambem poderia ser abordada algebraicamente.

Dificuldade para estabelecer interpretações gráficas das resoluções analíticas.

Dificuldade para estabelecer interpretações algébricas das resoluções gráficas.

Quando uma resolução gráfica é pedida, há necessidade de uma passagem prévia pelo algébrico.

Quando resoluções gráficas são solicitadas, não há necessidade de uma passagem prévia pelo algébrico.

Facilidade para formular conjecturas e refutações ou gerar explicações a partir de fórmulas e equações.

Facilidade para formular conjecturas e refutações ou dar explicações a partir de informações gráficas.

(VILLAREAL, 1999; p.337)

(VILLAREAL, 1999; p.339)

 

            A possibilidade de coordenar representações múltiplas (gráficas, numéricas e algébricas), que é favorecida pelo computador, foi assinalada por Borba (1995), que afirma que a Matemática visual ou discreta pode ser utilizada como recurso para atrair aqueles estudantes que rejeitam, explicita ou implicitamente, a hegemonia da Álgebra. O autor apresenta um episódio em que o aluno desenvolveu um determinado raciocínio dentro dos domínios da representação algébrica que o levou a supor que a equação y = (x+5)2 + 3(x+5) + 5 representava uma translação, do gráfico de y = x2 + 3x + 5, de 5 unidades para a direita. Entretanto, a representação gráfica e a tabela, fornecidas pelo Function Probe©[3], chocou-se com sua suposição, que parecia tão certa na representação algébrica, olhada isoladamente. O desenrolar do episódio mostra como essa tensão, oferecida pelos recursos do computador, gerou no aluno, atitudes favoráveis de busca e investigação.

 

            Também as representações múltiplas foram destaque nos experimentos conduzidos por Villarreal (1999), onde se percebe claramente quanto as conexões entre representações ajudaram as estudantes a esclarecer as noções de função derivada e reta tangente.

            Esses exemplos, entre outros encontrados na literatura (ALLEVATO, 2005; BENEDETTI, 2003), mostram a importância do trabalho com as representações múltiplas, proporcionadas pelo computador, e com as relações que as vinculam. Pode-se, através delas, conectar domínios que, de outra forma, permaneceriam separados, porém, se conectados, geram compreensões mais amplas e completas.

            Acrescente-se a estes o fato de que, nos ambientes em que o computador está disponível, ele pode ser empregado na análise da validade ou mesmo da correção de concepções que os alunos possuem a respeito de determinados conceitos matemáticos uma vez que, na presença do computador, os alunos freqüentemente manifestam suas compreensões acerca de determinados conceitos. Villarreal (1999) percebeu, por exemplo, a presença, em várias estudantes, da concepção de que uma reta tangente é uma reta que toca a curva em um só ponto. Talvez essa concepção seja a manifestação da presença de uma imagem conceitual demasiadamente simplificada (Tall; 1989), e que pode ser ampliada com o auxilio do computador.

            Mais especificamente sobre a resolução de problemas e as várias representações de um objeto matemático, Pierce e Stacey (2001) advogam que sua exploração a partir de várias perspectivas, aumenta a profundidade da compreensão de conceitos por parte dos alunos. Soma-se a isso o fato de que, na busca pela solução de um problema, a combinação de diversas abordagens possibilitada pelos CAS, exige muito menos esforço. Os estudantes devem ser encorajados a moverem-se entre as representações a fim de encontrar a informação procurada.

            Deste modo, cabe ao professor elaborar atividades desafiadoras, problemas que possibilitem ao estudante não somente utilizar, mas de fato tirar proveito das possibilidades que o computador oferece. Os problemas devem estimular a exploração e a investigação, bem como a elaboração de conjecturas por parte do aluno. A concepção de Schoenfeld (1989) sobre a atividade matemática é a de que os matemáticos gastam seu tempo dando sentido4 às coisas. Ele acredita que fazer Matemática é "dar sentido[4] e inclui internalizar a estética da Matemática, analisar e compreender,  perceber as estruturas e as relações estruturais, ou seja, perceber como as coisas se combinam.

            No contexto da utilização das TI no ensino, têm sido fortemente recomendadas as atividades de natureza investigativa bem como a proposição de problemas abertos.

            Pehkonen (2003) considera dois tipos de problemas, apresentando a seguinte caracterização: nos problemas fechados tanto a situação inicial como o objetivo final (resposta) do problema são pré-determinados. Se a situação inicial ou o objetivo final (ou ambos) deixam "espaço" para o resolvedor fazer escolhas, então se tem um problema aberto.

            Van de Walle (2001) considera que os problemas abertos devem ser utilizados quando o objetivo é realizar explorações matemáticas. Ele apresenta o seguinte critério: os problemas são abertos quando o processo é aberto (são explorados múltiplos caminhos para a solução), o final é aberto (há múltiplas respostas corretas a serem descobertas), a formulação de novos problemas é aberta (os alunos exploram novos problemas relacionados ao problema dado).

            Emergem, então, idéias sobre a possibilidade de considerar a resolução de problemas como um meio de ensinar Matemática. Elas estão associadas às idéias do construtivismo, segundo as quais os estudantes não mais são considerados como recipientes vazios a serem preenchidos, através da aprendizagem, com informações fragmentadas e desconexas. Antes, são seres pensantes aos quais deve-se proporcionar, através do ensino, oportunidades de interpretar situações ou problemas e de relembrar conhecimentos anteriores a fim de construir novos conhecimentos. (ONUCHIC,1999, 2003; ONUCHIC; ALLEVATO, 2005; SANTOS, 2002)

 Apresentação e análise dos dados

            Nesta seção são apresentados alguns momentos em que os alunos manifestaram suas concepções sobre resolução de problemas. Especificamente, são mostrados alguns diálogos, em que os alunos expressaram compreensões sobre resolver os problemas, no tocante às duas formas que estavam vivenciando: sem computador e com computador. Estas concepções nortearam fortemente as atividades realizadas pelos alunos durante as aulas no laboratório e embora, na maior parte do tempo, elas se fizessem presentes apenas sutil e tacitamente, são apresentados aqui alguns momentos em que elas foram explicitadas pelos alunos.

            Os fatos a seguir ocorreram numa aula que foi dedicada a problemas envolvendo função exponencial. Na sala de aula, ou seja, antes de se dirigirem ao laboratório de informática, o professor colocou na lousa as seguintes funções de receita total (Rt) e custo total (Ct)[5]:

 

Problema 1: Envolvendo funções exponenciais; resolvido em sala de aula.

 

            O professor relembrou rapidamente algumas características básicas das funções exponenciais simples, como o fato de serem crescentes ou decrescentes se a base for um número maior que 1 ou entre 0 e 1, respectivamente; falou das interseções com os eixos, da concavidade, e fez os esboços na lousa:

 

 

Figura 1. Escoços dos gráficos das funções exponenciais.

 

            Então retornou ao problema proposto dizendo que a primeira coisa que fariam seria determinar o ponto de nivelamento e, para isso, teriam que igualar as expressões das funções. Ele ia falando e resolvendo algebricamente, na lousa:

 

 

            Neste ponto o professor chamou a atenção dos alunos para a possibilidade de transformar o termo da esquerda da equação em um trinômio do 2o grau, e continuou:

 

 

Fazendo 2= y obteve 4y2 - 9.y + 2 = 0.

            Deu um tempo para os alunos copiarem e seguiu com a resolução do problema, agora encaminhando-se à equação do 2o grau:

e calculou os valores de q:

 

 

            O professor lembrou aos alunos que a solução q2 = -2 deveria ser descartada uma vez que q significa quantidade e não poderia ser um número negativo. Então concluiu que o ponto de nivelamento é obtido de   

q1 = 1. Escreveu na lousa: P = (1, 12) e continuou:

            Pr: - Agora vamos para o gráfico.

            Dizendo isso, seguiu montando duas tabelas auxiliares:

 

            Antes de esboçar o gráfico disse aos alunos que para desenhar um gráfico "direitinho" era preciso "conhecer a curva". O professor sempre requisitava a participação de um ou outro aluno ou da turma em geral. Os alunos respondiam às suas perguntas opinando e sugerindo procedimentos e resultados.

            Partiram, então, para analisar como ficaria o gráfico se a função receita fosse dada apenas por R1 = 4q+1. O professor perguntou como seria o gráfico se q assumisse valores muito grandes (positivos), ou muito pequenos (negativos).

            Concluíram que, para valores de q "cada vez maiores" a função Rt também seria um número positivo "cada vez maior". Ou seja, que a função quando.

            Para valores negativos de q os alunos tiveram dificuldade; apresentaram respostas erradas sugerindo que a função R1 = 4q+1 iria para -¥. O professor retomou o gráfico da função exponencial esboçado no início da aula, indicou com uma seta o lugar do gráfico que estavam analisando:

Figura 2. Esboço do gráfico da funcão exponencial crescente (a>1).

 

 

            O professor explicou que, quando q assume valores "cada vez menores" (negativos) na função R1 = 4q+1, o resultado é equivalente ao obtido quando q cresce indefinidamente na função. E este quociente, obtido da divisão do número 1 por valores positivos que crescem indefinidamente, formariam uma seqüência de números que se aproxima de 0 (zero). Ou seja, que a função quando.

            Então, professor e alunos, concluíram que o gráfico da função R1 = 4q+1 fica muito próximo do eixo das abscissas para valores negativos de q, e que o gráfico da função Rt = 4q+1- 4 "desce" quatro unidades em relação àquele.

            Partindo da função C1=9.2q, professor e alunos desenvolveram raciocínio semelhante para compreenderem como se comporta a função.

            Então o professor esboçou o gráfico, reforçou que a situação em estudo, envolvendo funções de receita e custo, exigia que considerassem a representação no primeiro quadrante e complementou seus comentários destacando que algumas regiões determinadas por essas curvas representavam situações de lucro e outras de prejuízo:

Gráfico 1. Gráfico das funções Ct = 9.2q - 6 e Rt = 4q+1-4; feito na lousa, pelo professor.

 

            Para esclarecer melhor suas conclusões sobre lucro e prejuízo, o professor sugeriu aos alunos que estimassem quais seriam os valores das funções Rt e Ct para  q = 2,  q = 3, q = 4, etc. Embora sem escrever na lousa, estas estimativas foram feitas. Em conjunto, o professor e os alunos foram calculando mentalmente os valores dessas funções para alguns valores de q. E para cada um deles o professor ia perguntando:

            Pr: - Qual é maior: Rt ou Ct ?

            Com isso encerrou a resolução deste problema.

            Na segunda parte da aula, agora no laboratório de informática, o problema proposto para ser resolvido utilizando o Winplot foi:

Problema do mercado de ações

Fernanda diz a Pedro que, no mercado de ações, sabe-se que a rentabilidade das ações da empresa A é descrita pela lei RA = 4t e da empresa B pela lei RB = 10.2t - 16, onde t é o tempo em meses a partir de 1° da Janeiro de 2001. Pede-se:

a.      Os pontos onde as rentabilidades são iguais.

b.     Escoçar o gráfico de RA e RB.

c.      Qual a melhor escolha da rentabilidade se o dinheiro fircar disponible até o 10° mes?       

            Como de costume, a orientação era a de que fizessem "tudo" no computador e registrassem apenas as respostas na folha que seria entregue para o professor. Os alunos partiram logo para o desenho do gráfico das funções (item (b) do problema) e para a determinação de seus pontos de interseção, necessários para responder ao item (a).

            O gráfico obtido foi:

 

 

            Uma vez que o contexto de aplicação a que se refere este problema - rentabilidade - é diferente daquele do problema resolvido anteriormente na sala de aula, as dúvidas levantadas estavam relacionadas ao item (c): qual a melhor escolha da rentabilidade se o dinheiro ficar disponível até o 10o mês? O diálogo a seguir está relacionado a essa questão. Nele a sílaba Pe representa o pesquisador e as letras A, B, C... são utilizadas para os alunos:

            A: - Nesse item (c), na verdade, eu vou ter que fazer o quê? Eu vou ter que substituir [valores], não é?

            Pe: - Há duas maneiras de fazer.

            A: - É? 

            Pe: - Você pode calcular qual é a rentabilidade até o 10o mês com a empresa A, depois calcular com a empresa B e verificar onde rende mais.

            A pesquisadora confirmou que poderiam resolver por substituição: escolheriam valores para t e com eles calculariam os valores das funções  RA e RB para compará-los. Mas indiquei também a possibilidade de interpretarem o gráfico:

             Pe: - E outro jeito é, como vocês já têm o gráfico pronto, simplesmente olhar no gráfico. Também dá, sem calcular mais nada.

            A: - Tá, mas aí... Aí eu não estou entendendo!

            Então os alunos foram questionados para que, a partir de suposições feitas sobre valores específicos de tempo, observassem e interpretassem o gráfico que tinham obtido com o Winplot:

            Pe: - Suponham que vocês tivessem dois meses para aplicar o dinheiro; daqui a dois meses vocês têm que pagar uma dívida. Em qual empresa você colocaria: na empresa A ou na empresa B?

            A: - Na B.

            Pe: - Por que? Por que você acha que é a empresa B?

            A: - Porque ela está pra cima do... do... da empresa A.

            Pe: - Exatamente. Porque ela [a curva] está pra cima da A. E se você tivesse que, daqui a 15 dias, pagar sua dívida...? Você deixaria o dinheiro aplicado durante meio mês; em qual empresa você colocaria, na A ou na B?

            A: - Hummm... Ah! Meio?

            B: - Ah, sim, seria na...

            A e B: - ...na A.

            Pe: - Seria na empresa A. E vocês precisaram calcular pra saber isso?

            B: - Ah! Entendi!!

            Pe: - E se você tivesse 4 meses, em qual você deixaria: na A ou na B?

            B: - Na A. Porque na A rende mais.

            A: - [Eu deixaria] na B.

            Neste momento houve uma discordância entre os dois alunos participantes da dupla. A forma como o gráfico, da função RB, se apresentava na tela gerou dúvida. Ele se mostrava à direita do gráfico da função RA na parte em que x > 3, e a aluna A achou que, por isso, o valor de RB  era maior que o de RA:

 

            Pe: - Olhem qual está pra cima daqui pra cá [para x>3].

            A: - Ah, é o vermelho [RA]! É verdade.

            Pe: - Você está vendo? Vai mudar o comportamento à direita de t=3. De 3 pra lá, o A está pra cima do B.

            A: - E, no caso, entre esses dois pontos aqui, você coloca na empresa      B. [A aluna mostrava os pontos de abscissas x = 1 e x = 3]

            Pe: - Isso! É só entre esses dois que o B está pra cima do A.

            Mas o aluno B ainda estava reticente:

            B: - Tá, mas...

            E perguntou:

            B: - Então é só responder se é RA ou RB? E o cálculo?

            Pe: - Se o problema está perguntando qual é a melhor escolha, a partir da observação do gráfico... é a empresa tal. Não precisa calcular, entendeu? Vocês podem calcular, mas não precisam.

            É notório como em vários momentos daquela aula os alunos questionaram a "validade" da interpretação gráfica como recurso para responder ao item (c) do problema. Não sem razão. Haviam tido um considerável trabalho, naquele caso essencialmente algébrico, para resolver um problema semelhante (Problema 1) na sala de aula, alguns minutos antes. Na ocasião, também chegaram ao gráfico, mas a interpretação não foi feita a partir dele. As razões para isso não são óbvias ou explícitas. Uma justificativa possível seria a falta de precisão e, conseqüentemente, de confiabilidade dos gráficos que fazemos à mão.

            Mas é fato que, na ausência de recursos informáticos, o ensino de Matemática e, especificamente, a resolução de problemas matemáticos têm sido feitos por caminhos essencialmente algébricos e/ou numéricos. E, em geral, os problemas não envolvem questões para interpretar gráficos. Lembremos que, ao final da resolução do problema 1, para tratar de questões relativas ao lucro ou prejuízo, o professor sugeriu que os alunos calculassem, por substituição, os valores das funções Rt e Ct para alguns valores de q (variável independente). E a relação desses resultados obtidos com os gráficos, ou a relação desses resultados com as posições relativas das curvas que representam as funções consideradas, não foram destacadas, embora já estivessem de posse dos gráficos.

            Esta prática reforça a idéia de que é preciso "calcular" para resolver um problema matemático. O diálogo apresentado é um exemplo, escolhido entre tantos outros, em que os alunos manifestaram estranheza diante da possibilidade de apresentar a solução de um problema sem ter "calculado nada".

            No diálogo com uma outra dupla, esta idéia de que é preciso calcular também se manifestou, embora de um modo um pouquinho diferente:

            C: - Professora, nossa dúvida é assim: quando ele pede "qual é a melhor escolha da rentabilidade se o dinheiro ficar disponível até o 10o mês", isso vai ser substituído aqui? Ou a gente tem que substituir no traço...?

            Pe: - Qual é a diferença entre substituir aqui ou no traço? Tem diferença?

            C: - Não, acho que não.

            A aluna estava perguntando se devia substituir valores de t nas expressões das funções e calcular à mão ou utilizando o software. No Winplot há uma janela chamada traço que possibilita, movendo a barra de rolagem, que vejamos, acompanhando um cursor que se movimenta sobre o gráfico, o percurso descrito pelos pontos ao percorrermos alguns valores da variável independente:

 

  

 

 

 

             Utilizando esta janela, também podemos calcular a imagem de valores específicos da variável independente; basta digitar este valor na linha de comando de x e o Winplot retorna o valor da função y correspondente:

 

 

 

            Esta era a outra possibilidade que a aluna via, além de substituir e calcular à mão, para determinar a melhor rentabilidade ao longo dos 10 meses de que falava o problema. De qualquer modo, ela achava que tinha que calcular as imagens para legitimar sua resposta à questão. A interpretação do gráfico não era cogitada.

            Uma outra aluna, após um diálogo bastante semelhante ao primeiro aqui apresentado, em que lhe expliquei como interpretar o gráfico, disse:

            D: - Então, aqui no computador eu entendi. Aqui tudo bem! Mas como que você confirma isso...?

            E não muito diferente foi a indagação do aluno que participou de um outro diálogo, também sobre o mesmo problema. Após entender como responder à questão analisando o gráfico ele perguntou em tom de exclamação:

            E: - Mas como é que eu vou... como é que eu vou demonstrar que é a empresa B?

            Ou seja, para estes alunos "ler e interpretar" o gráfico não era considerado um processo seguro, tanto que eles queriam algum modo de confirmar o que haviam obtido pela observação do gráfico. Além disso, quanto trabalho tinham feito para resolver o primeiro problema proposto naquele dia de aula, em que estavam sem o software!

            Outros episódios ocorreram em que os alunos se manifestavam neste sentido, isto é, sugerindo que estavam achando que tinham que fazer algo mais, além de "olhar para o computador para encontrar a resposta".

Quando uma aluna tentava ajustar a área de gráfico para as funções do problema 3:

 

 

foi orientada para que consultasse a tabela de valores da função que o próprio software fornecia. Então a aluna perguntou em tom de exclamação:

            F: - Eu posso pegar esses números?

            Pe: - Sim; a tabela faz você ver porque o gráfico não está aparecendo. Porque ele precisava desses números, e olha o seu onde está!

            E na seqüência do diálogo a aluna disse: 

            F: - Mas ... não é melhor fazer na mão e depois passar para cá [para o computador]? Ou não?

            Em outro diálogo desta mesma aula um aluno perguntou:

            G: - Aqui não precisa fazer conta? É só localizar no gráfico e responder?

            Outras respostas dadas pelos alunos, em outros momentos, ao serem orientados a obter as respostas pelo Winplot, foram:

            I: - Só isso [que é para fazer]?

e

            J: - Então, mas eu quero saber sem o Winplot!

            Conforme se tem salientado em muitos trabalhos, relacionar aspectos algébricos e gráficos é uma prática recomendável, que pode auxiliar os alunos a ampliar suas compreensões a respeito de determinados conceitos relacionados a funções. Entretanto, é procedente destacar que a aluna que proferiu esta última fala não tinha, ainda, resolvido o problema no computador. Ela queria não só, saber como fazer "sem o Winplot", mas queria fazer primeiro sem ele.

            Nestes episódios apresentados, e em muitos outros momentos, os alunos expressaram sua concepção de que para resolver um problema é preciso "fazer contas". Eles se mostraram bastante receosos em responder às solicitações dos problemas apresentando apenas as conclusões obtidas pela observação e interpretação de gráficos. E não só isso. Em geral achavam que isso era muito pouco trabalho para resolver um problema. Mostraram-se admirados pelo fato de terem obtido a resposta somente a partir do gráfico e de sua interpretação. As expressões: - Só isso [que é para fazer]? e - Não precisa fazer conta? e - Então é só responder se é RA ou RB? E o cálculo? e outras desta natureza estiveram muito presentes. Na afirmação: - Mas eu quero saber sem o Winplot! o tom da aluna sugere, inclusive, uma certa falta de confiança nos resultados ou conclusões obtidas somente a partir da análise dos gráficos. Esta aluna, também em outras ocasiões, demonstrou que se sente insegura em não realizar algum cálculo, ou algum trabalho algébrico adicional, que desse sustentação e confirmasse o que obtivera pelo Winplot.

            É procedente considerar que a falta de confiança manifestada pelos alunos pode estar relacionada, também, à sua pouca familiaridade com a utilização do computador como mediador em atividades de resolução de problemas matemáticos. Estou considerando esta pouca familiaridade no sentido de que a experiência que estes alunos vivenciaram naquele semestre em que realizei a pesquisa era a primeira em que tinham um software em aulas de Matemática.

            É certo que o problema 3, cujo objetivo era esboçar os gráficos da funções e determinar os pontos de intersecção, é consideravelmente limitado para o contexto do laboratório de Informática, isto é, para ser resolvido com a utilização do software, no sentido de que exigiu muito pouco trabalho matemático, por parte dos alunos. Contas, procedimentos algébricos, raciocínio matemático ou interpretação de resultados, foram elementos praticamente ausentes nas atividades dos alunos.

            O mesmo já não ocorreu com o problema 2. A presença do item (c), solicitando que os alunos analisassem "qual a melhor escolha da rentabilidade se o dinheiro ficar disponível até o 10o mês", levou os alunos, apoiados pelas intervenções feitas pela pesquisadora e pelo professor, a praticar um procedimento ao qual não estavam habituados: a interpretação de gráficos. E destaque-se que muitas intervenções e diálogos, tais como os apresentados aqui, foram realizados naquele dia, durante a resolução daquele problema.

            Ele se constituiu numa evidente oportunidade de os alunos experimentarem mais uma forma de resolver problemas, qual seja, pensando matematicamente. Os ambientes informáticos favorecem atividades de natureza interpretativa, uma vez que desobrigam os alunos de realizarem tarefas essencialmente mecânicas e/ou operacionais. Neste caso, a interpretação teve forte apoio na visualização, aspecto que também tem sido destacado no contexto da utilização de computadores no estudo de funções.

            O raciocínio desenvolvido pelos alunos ao interpretarem os gráficos para responder ao problema não se materializa na forma de registro escrito das seqüências de expressões algébricas ou numéricas. Entretanto, embora pareça que os próprios alunos não os considerem como tal, as reflexões e o raciocínio conduzidos na interpretação dos gráficos pertencem não somente a uma importante, mas fundamental, vertente da atividade matemática que deve ser, tanto quanto possível, desenvolvida nos alunos: a habilidade de pensar matematicamente.

            Se um ensino historicamente realizado sob a hegemonia da Álgebra conduz os alunos a considerá-la como único instrumento na resolução de problemas e, se é desejo modificar isso, uma possibilidade seria propor problemas solicitando que os alunos realizassem um trabalho mais analítico e interpretativo. Assim, é salutar que se considere a possibilidade de propor problemas com questões solicitando análise de gráficos e, possivelmente, questões que somente possam ser respondidas a partir deles.

 

Análise dos dados em relação à literatura

            Na pesquisa desenvolvida por Villarreal (1999), ao estudar o pensamento matemático dos estudantes quando utilizam tecnologias informáticas (TI), também foram destacadas algumas concepções sobre determinados conceitos ou conteúdos matemáticos que repetidamente os alunos manifestaram enquanto utilizavam o computador em atividades visando o estudo de derivadas. Foram explicitadas concepções sobre retas tangentes, sinal da derivada e extremos de funções. Nos dados que foram apresentados no presente estudo, porém, uma concepção que se mostrou bastante presente nos alunos refere-se aos processos, ou seja, é a de que para resolver um problema é preciso calcular, desenvolver e registrar algébrica ou numericamente um raciocínio. E isso se mostrou através da surpresa que os alunos manifestavam quando lhes era apresentada a possibilidade de responder às questões dos problemas a partir da visualização, compreensão e interpretação dos gráficos de funções. A surpresa dos alunos é causada pelo que se têm chamado na literatura de "confronto" entre crenças e concepções típicas de um ensino feito nos moldes ditos tradicionais e as que se apresentam com a chegada das tecnologias informáticas (TI). Tal confronto foi analisado por alguns autores, sob variadas perspectivas.

            Retomemos as idéias de Tall (1989), segundo as quais isso ocorre porque, historicamente, os elementos conceituais têm ganhado supremacia sobre os observáveis, porém estes últimos são os que têm ganhado destaque com a presença das TI. O caráter observável dos objetos produzidos ou processados pelo computador foi destacado, também, nas análises dos episódios apresentados por Villarreal (1999). Em seu estudo sobre visualização, a autora verificou que, de fato, a abordagem visual proporcionada pelo computador não é natural para os alunos que, nos experimentos que realizou, recorriam com freqüência ao lápis e papel para resolver alguns conflitos. Estes conflitos eram causados pelo confronto entre (a) suas concepções anteriores a respeito de determinado objeto matemático e as imagens fornecidas pelo computador, ou entre (b) sua vivência com um ensino de Matemática essencialmente algébrico, e as possibilidades visuais de apresentar tais objetos utilizando o computador, ou mesmo entre (c) a utilização do lápis e papel e a do computador. No tocante à visualização Borba (1995) ressalta que deva ser encarada como um modo particular de conhecer, dentre outros, que fazem parte da atividade matemática.

            É possível perceber nestes estudos uma característica comum: eles consideram a visualização como uma forma de abordar, especificamente, os objetos matemáticos, e analisam como esta abordagem pode ser aproveitada para complementar as demais abordagens possíveis (algébrica, numérica, ou outra) e, deste modo, promover uma compreensão matemática mais abrangente dos conteúdos matemáticos. (BORBA; VILLARREAL, 2005).

            No presente artigo são trazidas as concepções manifestadas pelos alunos a respeito da resolução de problemas. A legitimidade do processo de visualização é que foi, de certa forma, questionada pelos alunos. Os alunos demonstraram estranheza quanto à validade de considerar a interpretação obtida pela análise dos gráficos como processo suficiente para a resolução dos problemas. E esteve presente, nos episódios aqui apresentados, um conflito gerado pela não necessidade do registro escrito deste processo, ou seja, de como foram obtidas as soluções.

            Não sem razão os alunos apresentaram estas concepções. E, somando-se às anteriores, uma justificativa pode ser encontrada nas análises que Schoenfeld (1989) desenvolve sobre os aspectos culturais e cognitivos nos ambientes de ensino. Ele afirma que as salas de aula são meios sociais, são microcosmos culturais, onde conjuntos de crenças e valores são perpetuados pelas práticas e rituais do dia-a dia. Assim, a percepção que os estudantes têm, sobre a que se refere a Matemática, é determinado pela cultura da Matemática escolar, pelo ambiente de aprendizagem. Particularize-se estas considerações sobre "a que se refere a Matemática" para "a que se refere a resolução de problemas". A experiência que os alunos desta pesquisa tinham com resolução de problemas foi que os levou às concepções que manifestavam: a exclusividade do lápis e papel; a ênfase nos processos algébricos de resolução e na manipulação de técnicas operatórias, os escassos momentos dedicados à interpretação gráfica; entre outros fatores que em geral configuram o ensino, podem tê-los levado a abraçar essas concepções.

            A de se considerar, também, conforme salienta Tall (1989), que alguns novos elementos que nos foram trazidos pela chegada das TI já foram incorporados e rapidamente se tornaram parte de uma nova cultura. Outros, tais como o uso do computador para auxiliar ou mesmo promover a aprendizagem, estão sujeitos à lacuna cultural, isto é, eles levam algum tempo para se tornar parte da cultura. Os alunos, neste estudo, estavam sendo introduzidos ao uso do computador naquele momento. É natural que possuam concepções que trouxeram de suas experiências anteriores e que ocorram momentos de instabilidade gerados, por vezes, por uma mistura que resulta da "fusão do velho com o novo", conforme diz Tall (1989).

            De qualquer modo, quanto a este aspecto da interpretação de gráficos, os fatos aqui analisados estão, novamente, em sintonia com as idéias de Schoenfeld (1989), segundo as quais dominar os procedimentos formais da Matemática é diferente de aprender Matemática que, por sua vez, é diferente de pensar matematicamente. Da forma como entende, os alunos devem ser levados a essa terceira atitude, ou seja, a de pensar matematicamente. Neste estudo, ao analisarem e interpretarem os gráficos para chegarem às soluções das questões propostas nos problemas, os alunos praticaram uma forma de pensamento matemático. A de se reafirmar que, neste caso, as interpretações tiveram forte apoio na visualização, aspecto de relevância nos ambientes em que há a utilização do computador.

            Onuchic (1999) assevera que se deve proporcionar aos alunos, através do ensino, oportunidades de interpretar situações ou problemas e de relembrar conhecimentos anteriores a fim de construir novos conhecimentos (ONUCHIC,1999, 2003; ONUCHIC; ALLEVATO, 2005; SANTOS, 2002). Suas afirmações também explicitam a crença de que a verdadeira força da resolução de problemas não se restringe ao domínio de particularidades técnicas ou de conceitos, mas visa ao entendimento de como se relacionam e dos princípios que os unifica.

 Considerações finais

            Este trabalho contém uma pequena parte das reflexões que foram desenvolvidas durante a pesquisa de doutorado realizada pela autora; uma melhor compreensão desses resultados pode ser obtida recorrendo-se ao texto original (ALLEVATO; 2005). As questões analisadas e discutidas aqui podem interessar a pesquisadores que investigam sobre tecnologias informáticas ou sobre resolução de problemas, tanto quanto de professores que almejam repensar e, quem sabe, renovar sua prática.

            Os episódios e aspectos analisados neste artigo refletem uma experiência inicial de utilização de software em aula, tanto para o professor como para os alunos. Isso pode ser observado no fato de o professor propor problemas, no laboratório, semelhantes ao de sala de aula. Isso é o que geralmente ocorre em experiências iniciais desse tipo. Os professores transferem suas práticas já cristalizadas para o novo contexto (BORBA; PENTEADO, 2001).

            No tocante à inserção de tecnologias informáticas no ensino, muito se tem falado da necessidade de propor, aos alunos, atividades especialmente preparadas para este contexto. A proposição de problemas abertos (VAN DE WALLE, 2001; PEHKONEN, 2003) é a mais recente corrente no tocante à resolução de problemas, e as tecnologias informáticas têm sido apontadas como favoráveis à exploração de conteúdos e idéias matemáticas a partir deste tipo de problemas. Esta seria a configuração ideal para promover o desenvolvimento de habilidades na utilização de novas formas de resolução de problemas e possibilitar um melhor aproveitamento dos recursos informáticos disponíveis. Porém, ela nem sempre corresponde à realidade, ou seja, nem sempre professores e alunos estão habilitados para isto. Este estudo retrata, portanto, a realidade de sala de aula, trazendo circunstâncias em que se vêem alunos e professores nos momentos de transição, em que se tenta implementar inovações às práticas.

            E, quanto aos aspectos analisados nas atividades dos alunos, também são típicos de quem está se familiarizando com o novo recurso, no caso, o software Winplot. São aspectos, porém, que precisam ser considerados por interferirem na resolução dos problemas, pelos alunos. Os fatos ocorridos nesta pesquisa sugerem, no entanto, que a experiência possibilitou criar novas relações, aprofundar compreensões dos alunos sobre os conteúdos estudados, e repensar suas concepções sobre resolução de problemas matemáticos.

            Finalmente, vale salientar que, embora a resolução de problemas seja uma constante no dia-a-dia de pesquisadores, professores e alunos de Matemática, é preciso refletir melhor sobre seus objetivos e formas de implementação; estenda-se isto às tecnologias informáticas nos ambientes de ensino. Este trabalho é uma tentativa de contribuir para esta reflexão.

 

Referências

 

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A autora

Norma Suely Gomes Allevato

Licenciada e Bacharel em Matemática, Mestre em Matemática Pura pela UEL - Universidade Estadual de Londrina/PR/Brasil; Doutora em Educação Matemática pela UNESP - Universidade Estadual Julio de Mesquita Filho de Rio Claro/SP/Brasil. Professora, pesquisadora e membro do GREMAP - Grupo de Estudos em Matemática Aplicada do Centro Universitário Salesiano - UNISAL, Campinas/SP/Brasil. Membro do GTERP - Grupo de Trabalho e Estudo em Resolução de Problemas e do GPIMEM - Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática da UNESP- Rio Claro/SP/Brasil.

Linhas de investigação: Resolução de Problemas e Tecnologias Informáticas na Educação Matemática.

 normallev@uol.com.br

 


[1] http://math.exeter.edu/rparris/winplot.html.

[2] CAS (computer algebra system) - Sistemas de computação algébrica são programas que, em contraste com  os programas de computação numérica, permitem cálculos matemáticos com expressões simbólicas ou, como

são também chamadas, expressões algébricas.

[3] Programa do tipo CAS, idealizado para ser utilizado em computadores Macintosh.

[4] Sentido: razão de ser, cabimento, lógica. Fazer sentido: ser compreensível, ser lógico. Ter sentido: ser concebível, ser aceitável. (FERREIRA, 1986).

[5] O professor sempre propunha problemas aplicados à área de negócios. Funções de receita, custo, lucro, oferta e demanda eram muito utilizadas.