Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.33 n.8 Caracas ago. 2008
Biosseguridade e biossegurança: Aplicabilidades da segurança biológica
Telma Abdalla de Oliveira Cardoso, Marli B. M. de Albuquerque Navarro, Bernardo Elias Correa Soares e Ana Maria Tapajós
Telma Abdalla de Oliveira Cardoso. Médica Veterinária e doutoranda em Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública/Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), Brasil. Professora, Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, IPEC/Fiocruz, Brasil. Pesquisadora, Fiocruz, Brasil. Endereço: Av. Brasil 4036, sala 715, Manguinhos, Rio de Janeiro, R.J., 21040-361, Brasil. e-mail: abdalla@fiocruz.br
Marli B. M. de Albuquerque Navarro. Doutora em História Contemporânea, Université Paris X, Francia. Professora, IPEC/Fiocruz e Pesquisadora, Fiocruz, Brasil.
Bernardo Elias Correa Soares. Doutor em Saúde Pública, ENSP/Fiocruz, Brasil. Professor, IPEC/Fiocruz e Pesquisador, Fiocruz, Brasil.
Ana Maria Tapajós. Economista e Doutoranda em Bioética, Universidade de Brasília, Brasil. Assessoria de Assuntos Internacionais, Ministério da Saúde, Brasil.
RESUMO
O artigo contextualiza o estabelecimento de programa institucional de Biosseguridade com interfaces claras com o programa de Biossegurança, considerando fatores que contribuem para configurar riscos globais, entre eles, o risco biológico, traduzido especialmente, nas preocupações relativas às possibilidades de pandemias e/ou a rápida expansão das doenças infecciosas associadas ou não ao bioterrorismo. Sugere, através da revisão da literatura sobre o tema, a discussão sobre monitoramento do risco, enfatizando as intercessões entre a Biossegurança e a Biosseguridade, como campos integrados e amplamente voltados para controlar várias possibilidades de risco, tais como o bioterrorismo relacionado com as questões de saúde pública. Tem também como objetivo contribuir de forma positiva para essa discussão no interesse da segurança da população, da preservação da imagem do país e do prestígio de suas instituições gerando condições de confiança para a ampliação e aprimoramento da produção científica no país.
Biosafety and Biosecurity: Applicabilities of the biological security
SUMMARY
The present paper brings up to the health promotion arena the setting of institutional programs on biosecurity that hold clear interactions with biosafety programs, considering factors that contribute to shape global risks, including biological risks that translate in the menace of pandemics or the quick spread of infectious diseases, whether linked or not to bioterrorism. The authors suggest, in a thorough literature review, the debate on risk monitoring and the interrelationships between biosafety and biosecurity as integrated fields of knowledge related to risk control, such as with regard to bioterrorism and public health issues. It also aims at approaching the subject on a positive basis, addressing public concern issues and helping to keep the countrys good image as well as the prestige of their institutions. This measure may create conditions for public trust in order to foster the improvement of scientific production within the country.
Bioseguridad y Seguridad: Aplicabilidad de la seguridad biológica
RESUMEN
El artículo contextualiza el establecimiento del programa institucional de bioseguridad con interfaces claras con el programa de bioaseguramiento, considerando los factores que contribuyen a los riesgos globales, entre ellos, el riesgo biológico, traducido en preocupación por la amenaza de pandemias y/o la extensión rápida de enfermedades infecciosas, ligado o no al bioterrorismo. Los autores sugieren, en una revisión cuidadosa de la literatura, la discusión sobre monitoreo del riesgo y las interrelaciones entre bioseguridad y bioaseguramiento, como campos integrados del conocimiento pertinentes al control del riesgo, por ejemplo el bioterrorismo, y a la salud pública. Este trabajo también tiene como objetivo el mirar del tema desde una base positiva, dirigido a la preocupación pública y a ayudar a cuidar la buena imagen del país, así como el prestigio de sus instituciones. Esta medida puede dar origen a condiciones para la confianza pública necesaria para fomentar la mejora de la producción científica dentro del país.
PALAVRAS CHAVE / Biossegurança / Biosseguridade / Risco Biológico / Saúde Pública /
Recebido: 30/11/2007. Modificado: 04/02/2008. Aceito: 07/07/2008.
A história da humanidade registra o constante enfrentamento do homem com a ocorrência de devastadoras epidemias. Grande parte da busca humana tem sido a de explicar e equacionar as grandes calamidades traduzidas na expansão das doenças e na configuração das epidemias e das pandemias. Desde a antiguidade, relata-se o drama humano diante dos flagelos causados pelas doenças. Estudos e relatos costumam enfatizar a associação entre eventos epidêmicos e pandêmicos e as transformações ambientais e sociais, considerando o enfoque da qualidade ambiental.
A complexidade da relação homem/natureza favorece profundos desequilíbrios, contribuindo para a ocorrência de flagelos epidêmicos, gerando condições importantes para a conformação de contextos de risco, tais como: a degradação ambiental, as guerras, a fome e a pobreza em larga escala, entre outras. A história também registra a utilização de agentes infecciosos como armas biológicas. O uso de substâncias químicas e de agentes biológicos como estratégia militar de dominação não é artifício bélico recente. Estudos históricos afirmam e/ou sugerem várias situações de uso de cadáveres de doentes como fonte de contaminação de águas, visando a dizimação de populações. Outras abordagens relatam, que a partir dos. XVI, os projetos coloniais europeus se beneficiaram da introdução da sífilis, da gripe, da varíola, do tifo e da tularemia, para aniquilar as populações nativas do Novo Mundo. Na sociedade industrial, alguns paises investiram no aperfeiçoamento estratégico dos arsenais biológicos como instrumento de políticas de dominação em termos globais, através da criação de programas oficiais para a exploração do uso de armas biológicas.
A partir da Segunda Guerra Mundial o uso de agentes biológicos em armas ganhou um impulso entre dois focos de interesse: o das armas químicas e nucleares e o conceito da pertinência da eliminação de populações civis que forneciam suporte ao esforço de guerra inimigo. A idéia das armas biológicas permanecia latente, embora durante o período, apenas dois países tenham feito uso efetivo dessa estratégia de guerra: a Alemanha em operação secreta para infectar animais e o Japão em suas ações sobre a população chinesa da Manchúria, no período 1934-1945 (Barenblatt, 2005).
Estudos mais recentes consideram as circunstâncias que geraram preocupações com estratégias militares, relacionadas ao uso de armas biológicas. Uma delas está associada ao acidente ocorrido em 1979, na antiga USSR, em Sverdlovsk, na Biopreparat (empreendimento militar destinado à pesquisa, teste e produção de armamento biológico), com o escape de esporos de Bacillus anthracis, ocasionando 69 mortes (Meselson et al., 1994). Outro diz respeito ao conflito entre os EEUU e o Iraque, revelando a existência de plantas produtoras de agentes biológicos infecciosos (B. anthracis, rotavírus, aflatoxina, micotoxinas e toxina botulínica) para serem utilizados como armas de destruição em massa (Zilinskas, 1997). Além de indicativos da permanência de programas ofensivos de guerra biológica, tais eventos demonstraram a possibilidade de seu emprego por países com menor capacidade militar, considerando a crescente sofisticação tecnológica bélica dos países dominantes.
Analisando o processo histórico dos eventos bélicos mais recentes, sublinha-se que os contextos dos grandes conflitos motivaram a formulação de regras internacionais vinculadas ao direito internacional humanitário, já delineado na Convenção de Genebra de 1864. Preocupações mais pontuais relativas ao controle do uso de armas consideradas não convencionais passaram a integrar os tratados e convenções, especialmente após a I Grande Guerra, quando foi concluído o Protocolo de Genebra de 1925, firmado por 132 Estados, que estabelecia a proibição do "uso de métodos bacteriológicos de guerra". Em 1972 foi negociada e aberta à assinatura a Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (biológicas) e à base de Toxinas e sua Destruição (CPAB; também denominada de Biological Weapons Convention -BWC), da Organização das Nações Unidas (Guimarães, 2002). A CPAB, em vigor desde 1975, foi o primeiro tratado internacional que estabelece a eliminação de toda uma classe de armas. Isso não impediu que diversos países, incluindo seus depositários (RU, EEUU e USSR) constituíssem ou ampliassem programas de armamentos biológicos.
Guillemin (2005) classifica a história das armas biológicas em três fases. A primeira, chamada fase ofensiva, quando seu desenvolvimento e produção eram considerados legítimos; a segunda foi dominada por tratados e proibições e a fase atual (defensiva) caracterizada por tensões entre interesses nacionais e objetivos de segurança internacional envolvendo confiança das populações em seus governos e o controle de atividades científicas.
Hoje, as ferramentas biotecnológicas e sua acessibilidade, combinadas com as complexas situações de desequilíbrio político, que por sua vez expressam as disparidades econômicas e sociais em termos globais colocam em risco a população mundial, frente à possibilidade de permitir a criação de organismos que combinem alta transmissibilidade, elevada letalidade e ausência de tratamento eficaz. Devemos ainda salientar a facilidade em se produzir alguns destes agentes, cuja tecnologia está facilmente acessível (Cole, 1996).
O gerenciamento político do uso de recursos científicos e tecnológicos voltados para produção de ferramentas bélicas apresenta-se como ponto basilar da BWC, que estabelece a fundamentalidade das interlocuções dos países membros no sentido fazer vigorar as medidas requeridas para validar os dispositivos da convenção, delegando ao Conselho de Segurança da ONU, a avaliação de qualquer indício de violação contida nos princípios da mesma (ONU, 2008).
Os eventos de 11/09/2001, associados aos relatos do uso do antrax, sugerem a possibilidade da consolidação do bioterrorismo como estratégia de correlação de forças no enfrentamento de interesses globais. O contexto que configura e promove tais ameaças, estimula a criação de mecanismos e estratégias de saúde pública, em termos mundiais, visando a elaboração de planos preventivos para lidar com tais riscos.
A perspectiva preventiva estabelece como necessidade, entre outras medidas, o fortalecimento de sistema de vigilância epidemiológica que proporcione informações em tempo real, além da educação dos profissionais de saúde, em especial na área de Biossegurança, valorizando uma dinâmica informacional que atenda a população em geral. A identificação de possíveis focos de doenças infecciosas e o desenvolvimento de planos de emergência são medidas importantes na estratégia preventiva. É importante sublinhar que o Centers for Disease Control (CDC) classifica os agentes biológicos, que podem ser utilizados na produção de armas de destruição em massa, de acordo com o seu grau de transmissibilidade, letalidade, impacto à saúde, impactos econômicos e requisitos de contenção (CDC, 2000).
A crescente dimensão da problemática articulou a vigência cada vez mais abrangente do termo biodefesa, que é empregado no contexto das políticas mais amplas e refere-se às estratégias arquitetadas para a efetiva prevenção, detecção e mitigação das conseqüências do uso de armas biológicas, incluindo investimentos em tecnologias voltadas para a saúde pública, abrangendo os campos da medicina veterinária e da agricultura. Integrada a esta perspectiva, inserida no quadro da logística de defesa nacional, na política de monitoramento das armas de destruição em massa, a Biosseguridade (biosecurity) foi delimitada.
Para Chaimovich (2005), a Biosseguridade, além de tratar as questões relacionadas ao bioterrorismo, apresenta-se como uma forma de aumentar e fortalecer os esforços nacionais e internacionais para investigar se há, ou não, alguma doença que possa alterar o sistema social.
A Biosseguridade abrange medidas, que visam impedir a introdução deliberada no ambiente natural de agentes biológicos, patógenos, que possam comprometer a segurança das pessoas e dos ecossistemas, articulando esforços para impedir este uso, além da utilização indevida seja de habilidades científicas, das tecnologias ou do conhecimento (Fischer, 2004).
No Brasil, o Ministério do Meio Ambiente define Biosseguridade como "o estabelecimento de um nível de segurança dos seres vivos por intermédio da diminuição do risco de ocorrência de qualquer ameaça a uma determinada população. A Biosseguridade inclui tanto os riscos biológicos como também questões relacionadas à saúde pública ou ainda à segurança nacional. Um programa de biosseguridade é composto por um conjunto de princípios, normas, medidas e procedimentos de cuidados com a saúde e o bem estar de uma população, o que inclui, naturalmente, o meio ambiente" (MMAB, 2006).
Trabalhos publicados nos EEUU demonstram que os programas de Biosseguridade em laboratórios assumem um caráter da extensão lógica dos programas de Biossegurança, enfatizando as boas práticas (Sewell, 2003). O objetivo fundamental da Biosseguridade em laboratórios é a redução do risco relativo aos materiais biológicos, descrevendo princípios, técnicas e práticas que devem ser implementadas a fim de prevenir a perda, roubo, emprego incorreto, desvio ou liberação intencional de material biológico viável. A Biossegurança em laboratórios, de forma similar a Biosseguridade, busca reduzir o risco, descrevendo princípios de contenção, técnicas e práticas que devem ser implementadas a fim de prevenir a exposição acidental a agentes biológicos ou à sua liberação acidental.
Algumas proposições relativas ao controle do risco biológico, afirmam que o diferencial entre Biossegurança e Biosseguridade, reside na amplitude das ações que a Biosseguridade deve observar frente à perspectiva de integração da noção de defesa, de estabilidade, de proteção, abrangendo possibilidades de ações de grande mobilização frente ao risco, podendo envolver, de acordo com a gravidade do evento, além das instituições científicas, as instituições de defesa que possam atuar no monitoramento de fronteiras, na elaboração de planos de contingência, etc, especialmente quando a magnitude do risco se relaciona com o volume quantitativo de populações. A discussão conceitual indica, no entanto, que a Biosseguridade, tal como a Biossegurança, se estrutura sobre a base da prevenção.
No plano das preocupações mais pontuais da Biosseguridade desenvolvida no Brasil, encontram-se as doenças que podem alcançar proporções de calamidade, especialmente considerando a realidade da população menos favorecida e sua condição de vida em termos de moradia, saneamento básico e nutrição. Como campo específico de sua aplicação, a maioria dos estudos a situa no âmbito do controle de risco e do monitoramento das doenças de origem animal com ocorrências no processo de produção de alimentos, especialmente de suínos e aves, o que implica no controle dos riscos advindos especialmente, do aumento na densidade animal em uma determinada área geográfica, situação que favorece a multiplicação e a disseminação de patógenos. Atualmente, esta discussão alcança relevância, devido ao fato de que há a configuração da ameaça de uma devastadora pandemia, que inclui as aves e os suínos como facilitadores da adaptação do vírus da Influenza aviária para o organismo humano e a transmissão da doença homem a homem (Grotto e Tucker, 2006).
Darsie et al. (2006) ressaltam que neste cenário, toda a infra-estrutura disponível mundialmente, representada pelos laboratórios de diagnóstico, investigações, bancos de agentes biológicos e outras instalações laboratoriais autorizadas para exercer atividades científicas, se tornam fundamentais, uma vez que dispõem de amostras viáveis de agentes biológicos, que em geral estão bem caracterizadas e purificadas.
Agentes biológicos encontrados na natureza são menos conhecidos e estão disponíveis de forma dispersa. Freqüentemente, os mesmos não reúnem as características necessárias para seu uso imediato, não devendo, no entanto, esta hipótese ser descartada. Agentes pouco estudados, de grande virulência, alta letalidade e para os quais não se conhecem tratamentos adequados, são focos de grande risco à segurança das populações e alvo de interesse para emprego em armas biológicas. Estas situações expressam a complementaridade entre as ações da Biossegurança e da Biosseguridade (WHO, 2006), em especial quando ambas voltam-se para as preocupações situadas no âmbito da saúde pública e de sua infra-estrutura relativa à capacidade e as potencialidades dos laboratórios em oferecer suporte.
Algumas discussões que tratam do tema com tal complementaridade mostram que "há diferenças tênues entre a proteção à exposição ou à liberação acidental no laboratório (biosafety) ou a perda com o acidente, o descuido ou a intenção (biosecurity). Biossegurança e Biosseguridade devem articular atividades complementares funcionando o mais próximo possível uma da outra" (Roffey, 2005). Sendo assim, situações que se configuram como risco estão tanto no domínio da Biosseguridade, quanto no da Biossegurança, campos estes que devem implementar estratégias comuns de proteção baseadas na avaliação de risco e aplicando-se o diferencial e a complementaridade entre os domínios.
Este trabalho tem como objetivo discutir alguns aspectos conceituais e práticos que diferenciam a Biossegurança da Biosseguridade, descrevendo os componentes de um programa institucional de Biosseguridade para os laboratórios de saúde pública, dando destaque aos aspectos relacionados à saúde humana.
Avaliação de Risco como Princípio Básico
Segundo Rocha e Cardoso (2004) o fator risco é um dos principais argumentos que fundamentam os programas e as políticas de prevenção. É a análise da extensão e da potencialidade do risco que determina as estratégias da ação preventiva.
A avaliação de risco é um conjunto de ações que objetivam o reconhecimento ou a identificação dos agentes de risco, a probabilidade do dano proveniente da exposição acidental, da liberação acidental e uso indevido destes agentes; levando em consideração, também, a severidade de suas conseqüências. Portanto, tal análise será orientada por vários parâmetros e critérios. A Figura 1 apresenta, de forma sintética, alguns destes parâmetros.
Os critérios utilizados para a avaliação de risco na Biossegurança, referem-se não só ao agente biológico manipulado, mas também ao tipo de ensaio realizado, ao próprio trabalhador, e, quando pertinente, à espécie animal utilizada no ensaio.
A avaliação de risco do agente biológico determina a classe de risco deste agente. No Brasil, os agentes são classificados em quatro classes, crescentes no seu grau de contenção e complexidade do nível de proteção (MSB, 2006).
Os tipos, subtipos e variantes dos agentes infecciosos envolvendo vetores diferentes ou raros, a dificuldade de avaliar as medidas do potencial de amplificação do agente, a resistência a drogas e as considerações dos recombinantes genéticos, são alguns dos vários desafios na condução segura de um ensaio. Diante de tal complexidade, no processo de avaliação de risco dos agentes biológicos considera-se, conforme Cardoso e Navarro (2002), uma série de critérios, dos quais destaca-se:
Virulência. Uma das formas de mensurá-la é a taxa de severidade do agravo causado pelo agente patogênico. Segundo esse critério, a tuberculose, as encefalites virais e a coriomeningite linfocítica (LCM) são bons exemplos de doenças cujos agentes causadores possuem alta virulência e, portanto, alto risco. Em contra partida, o Staphilococcus aureus que é um agente que raramente provoca uma doença grave ou fatal em um indivíduo contaminado, é classificado como sendo da classe de risco 2.
Modo de transmissão. é de fundamental importância para a aplicação de medidas que visem conter a disseminação de doenças, pois cada uma terá uma forma diferente de controle. Os agentes de transmissão aérea são os principais responsáveis pela grande parte das infecções ocupacionais.
Estabilidade do agente. Capacidade de sobrevivência de um agente no meio ambiente: à exposição à luz solar ou à luz ultravioleta, a determinadas temperaturas e teores de umidade; ou exposições a desinfetantes químicos ou à dissecação.
Origem do material potencialmente infeccioso. Este dado está associado não só à origem do hospedeiro do microorganismo (humano ou animal, infectado ou não) como também à localização geográfica (áreas endêmicas, etc.).
Disponibilidade de medidas profiláticas de tratamento eficazes. Quando estão disponíveis, o risco é drasticamente reduzido, pois são capazes de proporcionar imunidade, cura ou contenção do agravamento da doença causada pela exposição ao agente.
O tipo de ensaio também pode potencializar o risco, como por exemplo: a amplificação, sonificação ou centrifugação, que são atividades que podem concentrar microrganismos ou formar aerossóis. A concentração (número de organismos infecciosos por unidade de volume) e o volume de material manipulado são outros fatores que podem amplificar o risco.
Os riscos envolvidos nos ensaios que utilizam animais em inoculações experimentais podem variar de acordo com as espécies manipuladas e com a natureza da pesquisa desenvolvida. Os próprios animais podem introduzir novos agentes de risco biológico, como por exemplo: animais capturados no campo ou em animais provenientes de criações não selecionadas podem apresentar, com maior freqüência infecções latentes. Além disto, é importante também, que seja considerada na avaliação de risco a via de eliminação do microrganismo nos animais. A eliminação de alguns agentes, em altos títulos, em especial os que são transmitidos por via respiratória, em excreções ou secreções, pode exigir um nível de contingenciamento acima do indicado. Existe, ainda, uma série de outros critérios que devem ser observados durante a manipulação de animais infectados, como por exemplo: o grau de agressividade, parasitas naturais e zoonoses susceptíveis.
Além dos aspectos relacionados anteriormente existem alguns fatores referentes ao trabalhador como: idade, sexo, fatores genéticos, susceptibilidade individual, estado imunológico, exposição prévia, gravidez, lactação, consumo de álcool; consumo de medicamentos, hábitos de higiene pessoal, uso de equipamentos de proteção, experiência e a qualificação que devem ser considerados durante a avaliação de risco.
Pelos parâmetros de Biosseguridade, uma avaliação de risco envolve, além das considerações relacionadas a compromissos internacionais e políticas nacionais associadas, o perfil do trabalho que as instituições desenvolvem. Estes parâmetros devem ser analisados sob a perspectiva do uso indevido de agentes biológicos, abordando os aspectos referentes (Salerno et al., 2003; CDC, 2000):
1- Potencial de conseqüências à saúde pública. Está diretamente relacionado à virulência, morbidade, mortalidade, letalidade, existência de tratamento e medidas profiláticas eficazes e potencial da infecção de se tornar endêmica.
2- Impacto econômico na produtividade. Considera aspectos relacionados à disseminação dos agentes, pois quanto maior for a facilidade de disseminar, maior será o número de sistemas de produção envolvidos no episódio. Cabe ressaltar que agentes que não sejam patógenos de importância para o homem, podem gerar graves perdas econômicas na produção de alimentos e na atividade industrial, incluindo, nesse caso, os impactos sobre produtos de exportação ou danos a marcas comerciais de grande participação no mercado.
3- Potencial de uso dos agentes na fabricação de armas de destruição em massa, que é determinado pela facilidade ou dificuldade no qual o agente possa vir a ser utilizado ilicitamente. Considera aspectos referentes a capacidade de sobrevivência de um agente no meio ambiente e ao modo de transmissão, pois isto determinará a forma de controle. Deve observar também a facilidade na aquisição de materiais, equipamentos e agentes patogênicos, por meio de distribuidores comerciais, transferências informais ou na sua obtenção na natureza; além da facilidade de manipulação, de estocagem e de crescimento.
Atualmente, essas considerações abrangem o contexto político vinculado ao risco da propagação de epidemias que podem surgir repentinamente, expondo o próprio país e/ou o mundo a conseqüências indesejáveis e/ou dramáticas.
A escolha do agente dependerá do propósito do uso ilícito, da facilidade de acesso às informações, equipamentos e agentes e das condições de Biossegurança que envolvem a produção e a estocagem destes agentes.
Nos EEUU, o CDC utiliza uma classificação dos agentes patogênicos, em grupos de risco, para auxiliar a política de Biosseguridade, em similaridade à classificação em classes de risco, utilizada pela Biossegurança (CDC, 2000). Esta classificação é baseada nas preocupações específicas das instâncias de defesa norte-americanas, como pode ser observado a seguir:
Agentes de baixo risco para o uso ilícito. São aqueles de difícil disseminação e/ou cujo uso ilícito possa causar pouco impacto sobre a saúde pública. Pode-se exemplificar com a Mycobacterium leprae:
. A Hanseníase não é virulenta (nem todos os indivíduos expostos desenvolvem a doença); não é altamente contagiosa; possui tratamento conhecido e eficaz e há casos de recuperação sem tratamento.Conseqüências
Potencial de uso na fabricação de arma de destruição em massa. Agente de difícil produção e não resistente no meio ambiente.
Avaliação. Baixas conseqüências à saúde pública e baixo impacto para ataque em função do lento desenvolvimento da infecção e manifestação de sintomas concorrem para um baixo potencial no uso para fabricação de armas.
Agentes de risco moderado para o uso ilícito. São aqueles relativamente de difícil disseminação e o uso ilícito pode causar relativo impacto sobre a saúde pública e/ou pouco impacto econômico. Exemplifica-se com o Coccidioides immitis:
Conseqüências. A Coccidioidomicose é geralmente assintomática (apenas cerca de 30-40% dos infectados adoecem); não é contagiosa; de 5 a 10 em 1000 infectados desenvolvem a infecção com potencial letal.
Potencial de uso na fabricação de arma de destruição em massa. O manuseio do agente requer habilidade técnica; facilidade na obtenção de cepa virulenta; facilidade de colonizar e de produzir esporos.
Avaliação. Impacto relativo sobre a saúde pública e moderado potencial no uso para fabricação de armas.
Agentes de alto risco para o uso ilícito. São aqueles de fácil disseminação e cujo uso possa causar conseqüências ao país e a outros países. Estas conseqüências podem ter natureza de moderada a séria e/ou englobar impactos econômicos. Exemplifica-se com o Bacillus anthracis:
Conseqüências. A forma pulmonar da infecção por inalação de esporos possui alta taxa de letalidade; não é transmissível de pessoa a pessoa e requer uma dose infectante relativamente alta e apresenta dificuldade para o diagnóstico precoce.
Potencial de uso na fabricação de arma de destruição em massa. Possui histórico de uso em armas de destruição e em atos terroristas; largas áreas endêmicas, mas poucas cepas virulentas; facilidade no crescimento de colônias e na produção de esporos; muito estável no ambiente e em condições de armazenamento.
Avaliação. O impacto sobre a saúde pública é de moderado a alto e o potencial no uso para fabricação de armas é relativamente alto.
Agentes de risco extremo para o uso ilícito. São aqueles erradicados ou que são exóticos, ou seja, os agentes conhecidos como emergentes, ou que ainda não tenham sido identificados. Pode incluir agentes conhecidos geneticamente modificados, associados a mutações naturais ou produzidas por engenharia genética quando se suspeite que possam ocasionar impacto alto para a saúde pública. Exemplifica-se com o Vírus da Varíola:
. A Varíola possui elevada taxa de letalidade, é altamente contagiosa e há hoje muito poucos indivíduos vacinados.Conseqüências
Potencial de uso na fabricação de arma de destruição em massa. Histórico de uso em armas de destruição; muito estável em aerossóis; supostamente difícil de se obter.
Avaliação. Alto impacto sobre a saúde pública e potencial moderado para o uso na fabricação de armas.
O uso de agentes incapacitantes com diferentes focos de dispersão e com grau de contágio muito elevado pode gerar uma sobrecarga nos sistemas de saúde, abastecimento, transporte e produção em países com pouco preparo, gerando descrédito do poder público, crise e instabilidade política com conseqüências ainda mais sérias para a população.
A falta de capacidade de detecção ou controle de surtos de doenças por uso ilícito ou deliberado de agentes biológicos, ainda que passíveis de remediação, por parte de muitos países em desenvolvimento, podem levar à sua disseminação em caráter mundial, fenômeno este considerado grave tendo-se em conta a indisponibilidade de quantidade suficiente de vacinas e/ou medicamentos.
Faz parte, ainda, da preocupação destes países, onde há a possibilidade de surgimento de novos vírus, o fato de que sua pouca experiência em lidar com surtos de novas doenças e as eventuais negligências com relação ao cumprimento dos parâmetros elementares de Biossegurança, possam vir a ser confundidos com atos ilícitos, levando a conseqüências imprevisíveis.
Componentes de um Programa Institucional de Biosseguridade
O programa institucional de Biosseguridade para os laboratórios de saúde pública deve estar inserido em um programa nacional que envolva uma série de leis e regulamentações, medidas e procedimentos.
Este programa compreende um conjunto de medidas que visa controlar ou impedir a entrada e saída de agentes biológicos patogênicos, equipamentos, materiais e informações, em uma instituição; facilitar a detecção precoce de doenças e infecções; promover a profilaxia para a eliminação dessas doenças em seu contexto de trabalho; promover medidas defensivas visando contribuir para manter a população humana e/ou animal passível de ser afetada pelas atividades ali desenvolvidas, livres de doenças endêmicas e proteger o país das doenças que já foram controladas. Atualmente, essas considerações de proteção abrangem não apenas o contexto nacional, mas a preocupação com a segurança do resto do mundo, dado o caráter potencialmente global de surtos localmente originados.
Para o estabelecimento do programa, diferentes aspectos da questão devem ser considerados, que vão desde a proximidade de potenciais interessados na apropriação ilícita de ativos institucionais (agentes de risco, equipamentos, informação, etc.) até as conseqüências para a população em geral e para o país em particular de acidentes provocados pela negligência ou pela falta de segurança. Há, portanto, a necessidade de se avaliar quais serão as medidas compatíveis com a instituição, de modo a garantir o nível mais elevado de Biosseguridade. Para tanto, a observação dos itens a seguir são de importância para a instituição envolvida:
I- Traçar uma política institucional de Biosseguridade com o envolvimento de todos os atores. Este procedimento é iniciado pela definição do perfil da instituição e do levantamento das rotinas de trabalho que impliquem na necessidade de medidas específicas de Biosseguridade. Desse diagnóstico farão parte os seguintes itens:
a) Identificação dos ativos disponíveis, incluindo sua distribuição por edificação ou grupo de edificações, abrangendo: prédio(s), equipamentos de automação predial; suprimento de energia; equipamentos laboratoriais ou de produção; recursos humanos; agentes biológicos e toxinas; informação.
b) Estruturas de manutenção e de segurança (reparos, calibração, câmeras e alarmes internos, back up externo de informações, etc.) e verificação da eficácia dos sistemas instalados.
c) Grau de conscientização dos trabalhadores, incluindo treinamento específico. Existência de manuais e de procedimentos de contenção e contingência em caso de acidentes.
A política a ser implementada deve compreender a identificação de pontos de vulnerabilidade a serem superados e o estabelecimento de plano de trabalho incluindo diretrizes e medidas específicas para fortalecimento de ações de Biosseguridade.
II- Avaliar potenciais conseqüências da perda de bens suscetíveis a furto ou danos por ações de sabotagem; em função da eventual finalidade de apropriação indevida de bens ou destruição de ativos. A avaliação pode estabelecer as seguintes categorias:
a) Conseqüências altas - perda de bens ligados diretamente à segurança nacional ou internacional (por ex: altos danos à saúde humana ou animal, prejuízos à atividade econômica).
b) Conseqüências moderadas perda de bens indiretamente ligados à segurança nacional ou internacional (por ex: equipamentos de alto custo e de aquisição controlada, informações sobre estoques de agentes ou métodos de recombinação).
c) Conseqüências baixas - perda de bens que afetam operações em princípio pontuais, de uma única instituição e que não se enquadrem nas categorias anteriores.
III- Priorizar a segurança dos bens com base nas conseqüências de suas perdas. No caso de agentes biológicos é importante reconhecer que não caberia conceder a todos o mesmo nível de proteção, portanto, as prioridades de proteção deverão ser estabelecidas pelas conseqüências de suas perdas ou desvios ou de sua atratividade para usos ilícitos como, por exemplo, risco de doenças infecciosas e probabilidade de serem usadas na fabricação de arma de destruição em massa. Raciocínio semelhante deve ser aplicado a outras classes de bens como equipamentos, informações ou dados sobre as atividades desenvolvidas. Conforme a priorização, define-se os níveis de Biosseguridade a serem trabalhados conforme o plano de ação.
IV- Identificar indivíduos que circulam na instituição ou identificar ameaças conhecidas e/ou potenciais de sabotagem ou roubo. Algumas destas categorias são exemplificadas a seguir, geralmente são pessoas ligadas ao acesso a áreas ou recursos da instituição. Dirigentes, pesquisadores, técnicos, pessoal de segurança ligados internamente à instituição. Pessoas externas à instituição com autorização de entrada por período determinado, como por exemplo, os pesquisadores visitantes. Pessoas externas à instituição com acesso limitado ou com conhecimento do sistema, como por exemplo, os profissionais de apoio. Um sistema de credenciamento dos indivíduos eventualmente envolvidos com as atividades da instituição, conforme seu grau de acesso, deve ser criado a fim de facilitar a investigação, quando esta apontar para a ação de pessoas internas ou externas à instituição, essas últimas envolvendo pessoas sem acesso, com pouco conhecimento do sistema (ativistas políticos).
V- Avaliar eventuais motivos e possíveis métodos para a prática de atos que ameacem a Biosseguridade. Inventariar, a priori, os bens presentes na instituição, observando sua utilidade para a prática de atos ilícitos. Entre estas podem estar o roubo visando liberação e a dispersão de patógenos; a apropriação e a destruição de informação e de equipamentos; a destruição ou prejuízo a sistemas operacionais e instalações; a incapacitação ou assassinato de indivíduos. É importante prever como tais atos poderiam ser concretizados e quais as vulnerabilidades da instituição e de seu corpo técnico.
VI- Avaliar o risco, probabilidades e conseqüências, de eventos indesejáveis em função da ausência ou falha no sistema de Biosseguridade.
O programa de Biosseguridade é elaborado, portanto, através da observância de itens diferenciados, tais como: segurança predial, segurança dos profissionais/pessoal, segurança dos materiais, segurança na transferência e transporte de agentes de risco, medidas para a manipulação e controle destes agentes e programa de controle e acesso à informação e comunicação. A Figura 2 mostra os componentes de um programa de Biosseguridade. São eles:
1 Segurança dos profissionais/pessoal. Relacionado à proteção dos profissionais que participam das rotinas de trabalho de uma instituição ou que possuam acesso eventual às instalações ou bases de dados. Nesse último caso, a proteção se refere aos aspectos jurídicos relacionados à divulgação de informações classificadas como reservadas ou sigilosas. A preocupação prioritária consiste na proteção à saúde do trabalhador e sua extensão à comunidade. Ela envolve a segurança das instalações, os níveis de contenção e a adequação dos acessos e da circulação aos ambientes de trabalho da instituição, procedimentos de descontaminação, imunização de rotina, medidas profiláticas de emergência, instalações (próprias ou em articulação com unidades de saúde aparelhadas para tanto) para tratamento e isolamento de profissionais contaminados. A instituição deve estabelecer procedimentos adequados para o acesso e a identificação dos profissionais; acesso, manipulação e transporte de agentes de risco. Deve manter os registros sobre a origem dos agentes manipulados, desenvolvimento e resultados parciais e finais da pesquisa/ensaio, uso de áreas laboratoriais, acidentes, incidentes e condições dos equipamentos de segurança, pois são instrumentos imprescindíveis para assegurar a qualidade do programa de Biosseguridade. Existem outros procedimentos voltados para a proteção do pessoal, dentre os quais destacamos: o controle de visitantes, controle dos recursos humanos disponíveis através do registro das informações profissionais, histórico médico com avaliação psicológica, etc.
2 Segurança predial e níveis de acesso. Implantar e implementar sistemas de detecção e resposta a tentativas de acesso aos agentes patogênicos com potencial de risco de uso ilícito. Estabelecer áreas de proteção, graduadas para detecção de intrusos; controlar e monitorar o acesso através de sistemas de monitoramento com alarmes e barreiras físicas e elaborar relatórios deste monitoramento. Está também relacionado ao acesso dos profissionais da instituição às instalações, aos materiais, aos equipamentos, aos agentes biológicos e as informações consideradas estratégicas. Este acesso só deve ser permitido aos profissionais autorizados a manipular agentes patogênicos considerados pelas normas da instituição como sendo de alto risco para uso ilícito. Devem possuir treinamento adequado em Biossegurança, contenção laboratorial e procedimentos de segurança e conhecimento de procedimentos a serem seguidos em caso de acidentes ou incidentes.
3 Segurança dos materiais. É de primordial importância para a proteção dos profissionais e da comunidade, o conhecimento dos materiais existentes na instituição, sua localização, níveis hierárquicos de responsabilidade e acesso, aliados a um sistema de controle qualitativo e quantitativo, seguindo os princípios de inventário, que favoreça o controle de entrada e de saída de materiais, com sistema centralizado de autorização para essas atividades. No âmbito desse sistema regras e registro de eventuais transferências de materiais entre áreas da instituição ou entre instituições constituem-se em salvaguardas importantes à integridade da instituição e legitimidade de suas ações.
4 Segurança no transporte de agentes de risco. A instituição deve investir no controle quantitativo e qualitativo e no registro de eventuais transferências de agentes de risco e de outros materiais com atratividade para uso ilícito. O acompanhamento e o monitoramento da movimentação entre áreas protegidas dentro da instituição e entre instituições fazem parte das medidas institucionais de Biosseguridade. No caso do controle da transferência e transporte entre instituições nacionais ou entre países é útil dispor de contrato padrão restringindo o uso ou transferência a terceiros, bem como, quando for o caso, manutenção de parte do material na instituição de origem para contraprova.
5 Programa de informação e comunicação. A instituição deve manter, como já foi mencionado, o controle do acesso às informações relacionadas aos agentes patogênicos ou aos equipamentos, suprimentos e informações que avalie como de alto risco para uso ilícito. Faz parte dessa preocupação o estabelecimento de políticas e implementação de tecnologias para o controle, uso e armazenamento de informações telefônicas, fotográficas, em papel e em meio eletrônico. A instituição poderá, ainda, se julgar conveniente perseguir uma política de comunicação e de informação para o público em geral, com métodos para a comunicação e definição de tipos de informações a serem disponibilizadas.
6 Medidas de controle de manipulação e uso de agentes de risco. A instituição deve dispor de um programa de controle da manipulação e uso de agentes de risco. Manutenção de documentação a respeito do: plano de segurança, plano de contingência e de emergência, registro de acidentes e incidentes, programa de educação e de treinamento, programa de monitoramento de risco e de auditorias, em harmonia com o perfil da instituição, mas também em harmonia com as regras e procedimentos de Biosseguridade estabelecidos.
Como relatado acima, um programa institucional de Biosseguridade possui vários componentes que funcionam como elos de uma corrente, que só alcançará pleno sucesso quando todos os elos estiverem firmemente unidos. Cada um destes elos necessita permanente manutenção e revisão, a fim de evitar o surgimento de pontos de enfraquecimentos e conseqüente falha, além de incorporar novas necessidades decorrentes de mudanças no perfil de trabalho. Ou seja, a efetividade de um programa de Biosseguridade será sempre igual à resistência do elo (componente) mais fraco da corrente (Figura 3).
Considerações finais
A idéia do estabelecimento de um programa institucional de Biosseguridade não vem de uma concepção isolada de segurança e tampouco pode ser vista sob esta perspectiva. Diferentes fatores contribuem para a relevância deste programa como parte de um esforço global de redução de riscos, sobretudo quando consideramos as condições peculiares que afetam a atividade científica nos países em desenvolvimento.
Um desses fatores é a rapidez com que, atualmente, eventos como as pandemias com impactos imediatos sobre a vida das populações e sobre a economia dos países podem ampliar seu escopo de incidência. Países de menor desenvolvimento e com grandes segmentos humanos vivendo em condições precárias, não dispõem de sistemas de saúde capazes de arcar com impactos significativos desses eventos. Ainda que existam condições para remediação dos agravos provocados, o acesso a vacinas e medicamentos não é garantido aos países com capacidade de inovação e produção limitadas ou inexistentes, ainda que possam contornar as restrições colocadas por problemas de propriedade industrial. A esse respeito, cabe lembrar Chaimovich (2005), "uma pandemia não se resume a um assunto específico de interesse exclusivo para os especialistas em doenças infecciosas. Há problemas como: que fazer na cidade de São Paulo com cem mil doentes que precisam ser internados de uma semana para a outra? Qual é a velocidade da propagação da pandemia? Como fazer com o serviço de correio quando 30% do pessoal está doente? São problemas que a reflexão acadêmica não pode dispensar".
Um outro fator importante é a proeminência que adquiriram na atualidade os métodos não convencionais de ações de conflito, com a emergência do terrorismo em nível mundial e a mobilidade de grupos ou indivíduos que deles fazem uso. Instituições de pesquisa do terceiro mundo, que recorrem em grande parte à cooperação com o mundo desenvolvido para implementação de suas agendas de interesse, dependem fortemente de uma reputação incontestável de competência, correção, transparência e honestidade. Eventual suposição ou alegação de negligência e/ou incapacidade no controle de risco biológico deve ser respondida com fatos e medidas concretas e comprováveis.
A vulnerabilidade dos países em desenvolvimento se acentua diante de uma série de regras internacionais que se aplicam a condições de Biosseguridade, tanto no que se refere a instrumentos diretamente ligados a desarmamento como aqueles negociados no âmbito da saúde. O recém adotado Regulamento Sanitário Internacional, por exemplo, incorpora um sistema de notificação e verificação de surtos que pode fornecer a base para acusações ao país envolvido no âmbito do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
A Biosseguridade e a participação dos órgãos de saúde pública na sua construção são mais do que compromisso obrigatório em relação à sua sociedade, mas uma garantia da soberania e integridade do país.
Diante da constatação da importância e da urgência que o tema requer, torna-se mais do que oportuno iniciar uma discussão séria sobre suas implicações no Brasil envolvendo a comunidade científica, as autoridades nacionais e a sociedade.
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