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Archivos Latinoamericanos de Nutrición

versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806

ALAN v.51 n.4 Caracas dic. 2001

 

Obesidade mórbida em mulheres - Estilos alimentares e qualidade de vida

Graziela Aparecida Nogueira de Almeida, Sonia Regina Loureir0, José Ernesto dos Santos

Universidade de São Paulo

 

RESUMO.

A obesidade mórbida tem sido amplamente estudada em função de sua incidência e por suas conseqüências à saúde. Estudos têm destacado como variáveis relevantes os estilos alimentares e a qualidade de vida. Objetiva-se investigar os estilos alimentares e a qualidade de vida de mulheres com obesidade mórbida, pacientes do Ambulatório de Distúrbios de Conduta Alimentar do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Foram sujeitos 60 mulheres, sendo 30 obesas (Índice de Massa Corporal - IMC>40 kg/m²) e 30 não-obesas (IMC entre 20 e 25 kg/m²). Procedeu-se à aplicação de uma entrevista semi-estruturada, do Questionário Holandês de Comportamento Alimentar e do Exame de Saúde após tradução para a língua portuguesa e adaptação dos mesmos. Os dados foram cotados e quantificados, procedendo-se à comparação dos grupos através do Teste de Mann-Whitney. Os grupos diferiram significativamente quanto às subescalas alimentação restrita (p<0.001) com valores inferiores para o grupo de obesas, e alimentação emocional (p<0.01) com valores superiores para o grupo de obesas, não tendo se diferenciado quanto à alimentação externa. Também diferiram quanto às limitações físicas e sociais (p<0.001), à presença de indicadores emocionais (p<0.001) e ao estado geral de saúde (p<0.001), em todas as categorias com valores superiores para o grupo de obesas, caracterizando maior dificuldade. Conclui-se que: a) os três estilos alimentares parecem contribuir para explicar a dificuldade quanto ao controle alimentar, sem contudo terem um caráter exclusivo na caracterização da obesidade; b) as mulheres morbidamente obesas apresentaram maior comprometimento na qualidade de vida, bem como percepção adequada quanto aos prejuízos relativos às condições de saúde, podendo ser este um indicador favorável à abordagem terapêutica.

Palavras-chaves: Obesidade, alimentação, qualidade de vida.

 

SUMMARY.

Morbid obesity in women - Eating style end quality of life. Morbid obesity has been widely studied due to its high incidence and its bad consequences to health. Studies about obesity have been emphasived some important aspects such as eating styles and quality of life. This study aim to investigate the eating styles and the quality of life of women with morbid obesity, patients in treatment at the Ambulatory of Eating Disorders, University Hospital of the Faculty of Medicine of Ribeirão Preto, University of São Paulo. Sixty women were assessed, 30 obese (Body Mass Index - BMI > 40 kg/m²) and 30 nonobese (BMI 20 to 25 kg/m²). A semi-structured interview, the Dutch Eating Behaviour Questionnaire and the Short-form Health Survey: Medical Outcomes Study were used for the assessment, after translate to portuguese and adapted. The data were rated and quantified and the groups were statistically analyzed through the Tests of Mann-Whitney. The groups differed significantly as for restrained (p<0.001) and emotional eating (p<0.01), and did not differ as for external eating. The groups also differed in quality of life, concerning physical and social limitations (p<0.001), the presence of emotional indicators (p<0.001) and general health condition (p<0.001). Findings suggest that eating styles contribute to explain the difficult of eating control - but are not only factor in the obesity characterization. Moreover, morbidly obese women presented a quality of life more compromised and have an adequate perception of their physical, social and emotional limitations. That might favor a therapeutic approach to them.

 

Key words: Morbid obesity, eating styles, quality of life.

 

 

Recibido: 26-10-2000

Aceptado: 02-10-2001

 

INTRODUÇÃO

A obesidade mórbida, mais recentemente, tem sido objeto de muitos estudos em função de sua incidência na sociedade e também por suas sérias conseqüências à saúde (1). Os efeitos da obesidade na saúde física têm sido amplamente documentados, contudo os correlatos psicológicos do excesso de peso necessitam ainda de mais estudos (2,3).

Neste contexto, tem aumentado o reconhecimento de que a obesidade é heterogênea no que diz respeito à etiologia, aos efeitos do excesso de peso em variáveis clínicas, e às respostas a diferentes modalidades de tratamentos (2). Considerando a complexidade de fatores envolvidos na obesidade, faz-se necessário identificar aspectos diagnósticos que favoreçam o reconhecimento do estilo e da qualidade de vida destas pessoas.

A investigação acerca dos estilos alimentares tem conquistado um espaço importante em pesquisas com obesos. Wardle (4) aponta para a relevância dos três estilos alimentares - alimentação restrita, emocional e externa - no desenvolvimento da obesidade. Ao se conhecer mais sobre a forma como os estilos alimentares podem influenciar o peso corporal, pode-se facilitar as modificações no grau de obesidade (5).

Com relação à qualidade de vida, estudos têm mostrado que não apenas a obesidade, mas também o comportamento de emagrecimento por meio de restrição alimentar, podem estar associados a prejuízos (6,7). Estudos sobre qualidade de vida indicam que ela é freqüentemente comprometida em pessoas obesas, devido a prejuízos no funcionamento físico e psicossocial (1,8-13). Além do risco aumentado de morbidade e mortalidade associados ao excesso de gordura corporal, o excesso de peso também pode afetar condições diversas relacionada à saúde (10,14).

Em estudo realizado no Brasil com pacientes morbidamente obesos, Garrido Júnior (15) observou que a maioria destes pacientes sofriam de mais de uma doença associada à obesidade. Pacientes com obesidade mórbida, mais do que outros obesos, parecem sofrer de sérias conseqüências, estas relacionadas à comorbidade com doenças como hipertensão arterial, diabetes melito, entre outras, dificuldades para trabalhar e se divertir, além do impacto psicossocial relacionado ao estigma da obesidade, bem como à discriminação e desprezo social (7,13).

Neste contexto, o presente estudo objetiva investigar os estilos alimentares e os aspectos relativos à qualidade de vida de mulheres com obesidade mórbida, comparativamente a um grupo de mulheres não obesas .

METODOLOGIA

Sujeitos

Foram estudados 60 sujeitos do sexo feminino, com idade variando de 30 a 60 anos, os quais foram divididos em dois grupos, de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC). O primeiro - Grupo Experimental (GE) - foi formado por pacientes que estavam em tratamento baseado em reeducação de hábitos alimentares e dieta, no Ambulatório de Distúrbios de Conduta Alimentar (ADCA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), tendo diagnóstico médico de Obesidade Mórbida, ou seja, um IMC igual ou superior a 40 Kg/m². O segundo - Grupo Controle (GC) - foi formado por mulheres com IMC variando de 20 a 25 Kg/m², condição esta excludente para o diagnóstico de obesidade. Foram contatadas no Centro Médico, Social e Comunitário de Vila Lobato, em Ribeirão Preto, São Paulo, por ocasião de sua presença no serviço, buscando atendimento para si junto à Ginecologia, ou para seus filhos junto à Pediatria, ou ainda quando da participação em cursos profissionalizantes oferecidos à comunidade, quando então era solicitada a sua colaboração na pesquisa.

Quanto à caracterização dos sujeitos, observa-se que 50,0% das mulheres morbidamente obesas e 53,3% das mulheres não obesas apresentaram idade variando de 40 a 49 anos. A média de idade dos sujeitos obesos foi de 46,1 + 5,95 anos (Md = 45,5), e a dos não obesos foi de 42,6 + 8,11 anos (Md = 45,5). Quanto à escolaridade, 76,7% das obesas e 60,0% das mulheres com peso normal cursaram apenas o primeiro grau. No que diz respeito ao IMC, todas as obesas apresentaram índices maiores ou iguais a 40 kg/m², enquanto que todas as não obesas apresentaram índices que variaram de 20 a 25 kg/m². O perfil descrito mostra que os sujeitos dos dois grupos são comparáveis em termos de idade e escolaridade e significativamente diferentes em termos de índice de massa corporal.

Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos para a coleta dos dados:

a) uma entrevista semi - estruturada, desenvolvida de acordo com os objetivos da pesquisa, como fonte de dados complementares.

b) Questionário Holandês de Comportamento Alimentar (QHCA) - Dutch Eating Behaviour Questionnaire (4), para avaliar os estilos alimentares, composto de três subescalas abrangendo as seguintes áreas:

- alimentação restrita: estilo alimentar relativo ao conhecimento de hábitos nutricionais adequados;

- alimentação emocional: estilo alimentar relativo ao estado emocional do indivíduo;

- alimentação externa: estilo alimentar relativo aos atrativos de aroma e sabor dos alimentos, bem como com a alimentação associada às situações sociais.

c) Exame de Saúde (ES) - Short-form Health Survey: Medical Outcomes Study (16), como indicador de qualidade de vida.

 

Procedimento

Os questionários utilizados no estudo - QHCA e ES - primeiramente, foram submetidos a traduções independentes para a língua portuguesa realizadas pela primeira pesquisadora e por dois psicólogos que dominam a língua inglesa e que também usam escalas de avaliações psicológicas em suas rotinas de trabalho. As traduções foram comparadas e os pontos divergentes foram analisados, procedendo-se à avaliação destes, mantendo-se a forma consensual para dois avaliadores. Os instrumentos foram comparados aos originais de forma a manter-se a adequação do conteúdo. Em seguida, foi realizada uma testagem preliminar de tais escalas em um estudo piloto, com 10 sujeitos adultos, do sexo feminino, com diagnóstico médico de obesidade mórbida, atendidas no Ambulatório de Distúrbios de Conduta Alimentar do HCFMRP-USP. Tais aplicações foram individuais e, após as mesmas, a pesquisadora conversou com os sujeitos, solicitando sugestões quanto às formulações e esclarecimentos de pontos que não estivessem claros na apresentação das mesmas. Com base nestas etapas citadas, procedeu-se às reformulações necessárias e novamente os instrumentos traduzidos foram comparados aos originais de forma a garantir a preservação do conteúdo.

Os 30 sujeitos do GE foram contatados por carta ou durante o retorno médico. Os instrumentos foram aplicados individualmente pela primeira autora, em duas sessões de avaliação, em um consultório do ADCA do Hospital das Clínicas em condições ambientais adequadas.

Os 30 sujeitos do GC foram contatados no Centro Médico, Social e Comunitário de Vila Lobato. Os instrumentos foram aplicados individualmente pela primeira autora, em sessão única, em um consultório no próprio Centro Médico.

Tratamento dos dados

Para a cotação dos protocolos referentes aos dois instrumentos, estabeleceram-se critérios de avaliação.

Quanto ao QHCA, a pontuação máxima possível nesta escala é de 33 pontos. Considera-se que, quanto maior a pontuação, menor a capacidade de controle alimentar; e, quanto menor a pontuação, maior a capacidade de controle.

No que diz respeito ao ES, a pontuação máxima possível neste instrumento é de 84 pontos. Considera-se que, quanto maior a pontuação, maior o comprometimento da saúde; e, quanto menor a pontuação, menor o comprometimento da saúde.

Visando uma compreensão dos dados de avaliação do ES, procedeu-se a uma divisão do mesmo em três categorias, considerando-se a percepção que os pacientes apresentam com relação aos próprios limites ou dificuldades com a saúde. Para tal, considerou-se as seguintes categorias: 1) limitação ou incapacidade quanto à realização de atividades físicas e sociais; 2) referência a questões emocionais; 3) estado geral de saúde.

 

Com o objetivo de comparar os grupos foram calculados os valores relativos à média, desvio-padrão e mediana dos escores totais e parciais apresentados pelos sujeitos do GE e do GC nos dois instrumentos, bem como foram calculadas as proporções de respostas dos sujeitos nas subescalas e categorias. Em seguida foram feitos tratamentos estatísticos dos dados, utilizando-se para tal o teste não paramétrico de Mann-Whitney, considerando-se porcentagens significativas com valores de p< 0.01.

Visando a compreensão dos perfis dos sujeitos através dos dois instrumentos, foram feitas testagens de correlações, por meio do coeficiente de correlação de Spearman.

RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os dados relativos ao QHCA. Os valores relativos à média, desvio-padrão e mediana dos escores apresentados pelos sujeitos dos dois grupos são mostrados na Tabela 1.

 

TABELA 1

Valores relativos à média, desvio-padrão e mediana dos escores totais e parciais apresentados pelos sujeitos do GE - obesas, e GC - não obesas, no Questionário Holandês de Comportamento Alimentar (QHCA)

Instrumento/Subescalas

GE - obesas

GC – não obesas

 

QHCA/Escore Total

M

12.33

DP

6.0

Md

13

M

12.67

DP

4.4

Md

12

Alimentação Restrita

2.07

1.3

2

5.83

2.2

7**

Alimentação emocional

5.40

4.2

5

2.73

3.4

2*

Alimentação Externa

4.87

2.6

4

4.10

2.3

4.5

 

* p < 0.01 (Teste de Mann-Whitney)

** p < 0.001 (Teste de Mann-Whitney)

 

Quanto aos escores totais do QHCA, o grupo das mulheres morbidamente obesas não apresenta diferenças estatisticamente significativas, quando comparado ao grupo das não-obesas. Contudo, quanto aos escores nas subescalas do questionário analisados isoladamente, verifica-se diferenças significativas. As mulheres com peso normal apresentam escores significativamente mais elevados na subescala alimentação restrita quando comparadas às obesas. Visto que tal subescala avalia o estilo alimentar relacionado ao conhecimento de hábitos nutricionais adequados, os dados sugerem que as não-obesas não detêm estas informações ou não se preocupam de forma mais intensa com as mesmas. Na subescala alimentação emocional, que avalia o estilo alimentar relacionado ao estado emocional do indivíduo, as mulheres obesas apresentam escores mais elevados, sugerindo a presença de dificuldades quanto ao controle alimentar diante de sentimentos ou estados afetivos diversos. Quanto à subescala relativa à alimentação externa, não é observada diferença estatisticamente significativa entre os grupos, o que sugere que ambos lidam de forma semelhante com os atrativos de aroma e sabor dos alimentos, bem como com a alimentação associada às situações sociais.

 

Os dados relativos ao ES são apresentados na Tabela 2.

 

TABELA 2

Valores relativos à média, desvio-padrão e mediana dos escores totais e parciais apresentados pelos sujeitos do GE - obesas, e GC - não obesas, no Exame de Saúde (ES)

Instrumento/ Categorias

GE - obesas

GC – não obesas

 

ES/Escore Total

M

59.07

DP

11.6

Md

61

M

32.30

DP

10.82 2

Md

8.5**

Limitações físicas e sociais

18.47

5.4

17

10.43

2.4

9**

Aspectos emocionais

16.00

5.3

17

10.37

4.3

9.5**

Estado geral de saúde

24.60

5.9

27

11.50

5.7

10**

 

** p < 0.001 (Teste de Mann-Whitney)

 

Verifica-se que os sujeitos obesos e não-obesos se diferenciam significativamente em todas as comparações entre os escores totais e parciais relativos ao ES. Os resultados sugerem que as mulheres obesas apresentam maiores limitações quanto à realização de atividades físicas e sociais, maior prejuízo emocional, bem como percepção do estado geral de saúde mais prejudicado.

Os resultados relativos à proporção de respostas dos sujeitos em cada subescala do QHCA e em cada categoria do ES são mostrados na Tabela 3.

TABELA 3

Comparações entre as proporções de respostas de cada subescala do Questionário Holandês de Comportamento Alimentar (QHCA) e de cada categoria do Exame de Saúde, relativas ao GE - obesas e ao GC - não obesas, através do Teste de Mann-Whitney

 

Comparações

GE – obesas

GC - não obesas

QHCA

-AR X Aem

-AR X Aex

-AEm X Aex

0.006*

0.001**

0.76

0.001**

0.005*

0.01*

ES

-LFS X QE

-LFS X EGS

-EGS X QE

0.15

0.001**

0.001**

0.72

0.50

0.71

AR - alimentação restrita * p < 0.01

AEm - Alimentação emocional ** p < 0.001

AEx - Alimentação externa

LFS - Limitações físicas e sociais

QE - Questões emocionais

EGS - Estado geral de saúde

 

No grupo das mulheres obesas, o estilo alimentar predominante é o relativo à alimentação externa, com diferença estatisticamente significativa com relação à alimentação restrita (p<0.001). Quanto ao grupo das mulheres não-obesas, nota-se que o estilo alimentar predominante é o relativo à alimentação restrita, com diferença estatisticamente significativa com relação à alimentação emocional (p<0.001) e à alimentação externa (p< 0.005).

Ao se tratar do ES, verifica-se que o maior prejuízo encontrado no grupo das mulheres obesas parece se concentrar nas questões relativas ao estado geral de saúde, com diferença estatisticamente significativa com relação aos aspectos emocionais (p<0.001) e às limitações físicas e sociais (p<0.001). Com relação ao grupo das mulheres não obesas, nota-se que o maior prejuízo parece se concentrar nas questões relativas ao aspecto emocional, porém não se observam diferenças estatisticamente significativas nas comparações.

Por meio do coeficiente de correlação de Spearman não se observam correlações entre os perfis dos sujeitos obesos e não-obesos nos dois instrumentos, o que sugere que a avaliação realizada através dos mesmos aponta para resultados independentes.

DISCUSSÃO

Ao se analisar isoladamente cada subescala do QHCA, verifica-se que os escores referentes à subescala alimentação restrita foram maiores entre as mulheres com peso normal, enquanto que os referentes à alimentação emocional foram maiores entre as obesas. Quanto à alimentação externa não se observam diferenças entre os escores das obesas e não-obesas. Comparativamente ao estudo original com tal instrumento, desenvolvido por Wardle (4), observou-se diferença quanto à subescala alimentação restrita e semelhanças quanto aos escores referentes às subescalas alimentação emocional e externa. Os resultados obtidos aqui também foram diferentes com relação a outro estudo utilizando o mesmo instrumento, onde se verificou que o comportamento alimentar entre grupos de obesos e não obesos era semelhante nas três subescalas (17).

No estudo em questão, os dados sugerem que as pacientes obesas parecem deter mais conhecimentos acerca de hábitos nutricionais adequados do que as mulheres com peso normal. Considerando que as obesas eram pacientes em tratamento, o qual visava a reeducação de hábitos alimentares, possivelmente tal situação influenciou os resultados obtidos. É interessante notar que o estilo alimentar predominante no grupo de mulheres com peso normal foi o relativo à alimentação restrita, sugerindo novamente a falta de conhecimento acerca de hábitos nutricionais adequados por parte destas pessoas ou uma despreocupação com este aspecto.

Ao se tratar do comportamento alimentar diante de sentimentos ou estados afetivos diversos, as obesas se diferenciaram das não-obesas, apresentando escores mais elevados. Este dado é concordante com Campos (8) que afirma que pessoas obesas apresentam dificuldades de postergar seus desconfortos, quando, então, elas tendem a se alimentar, na tentativa de se sentirem aliviadas.

Quanto ao comportamento alimentar associado a fatores externos, não foi encontrada diferença entre os dois grupos. No entanto, este foi o estilo alimentar predominante no grupo das pacientes obesas. Estes dados parecem concordantes com um estudo relativo aos estilos alimentares, onde se observou que os sujeitos obesos foram mais responsivos à alimentação externa e menos responsivos à alimentação interna, como por exemplo, respostas às sensações de fome e saciedade (4). Concordando com Rodin et al. (5), pode-se supor que a externalidade seja uma característica geral e não comum de pessoas obesas, já que parece existir indivíduos em diferentes categorias de peso que respondem ao ambiente externo, alimentando-se. Ou seja, parecem existir outras variáveis que influenciam no comportamento psicossocial associado à obesidade, já que nem todos os sujeitos que respondem externamente tornam-se obesos. Supõe-se, assim, que os diferentes estilos alimentares apenas contribuem para explicar a dificuldade no que diz respeito ao controle alimentar - interno ou externo - sem, contudo, terem um caráter exclusivo no que diz respeito ao desenvolvimento ou manutenção da obesidade.

Destaca-se, assim, a presença de uma complexidade de questões que envolvem a obesidade. Nota-se, além disso, a dificuldade de isolar variáveis que possam interferir no funcionamento psicossocial de pessoas severamente obesas. Contudo, a presença de um conjunto de variáveis, como por exemplo, prejuízos nas condições de saúde física, social e psicológica, sugerem que a obesidade mórbida está interferindo na qualidade de vida destas pessoas.

A análise dos resultados relativos ao ES, aponta que as mulheres morbidamente obesas apresentaram maiores limitações quanto à realização de atividades físicas e sociais, maior prejuízo emocional, e estado geral de saúde mais prejudicado do que as pessoas com peso normal. Esses resultados vão ao encontro de outros estudos (3,11,12,15) que, avaliando a qualidade de vida de pessoas morbidamente obesas, verificaram a presença de prejuízos no funcionamento físico, emocional e social dessas pessoas. Os dados do presente estudo, de forma semelhante aos achados de estudos prévios, sugerem que a qualidade de vida é freqüentemente comprometida em pessoas obesas devido a prejuízos no funcionamento físico e psicossocial (7).

Ao se tratar de aspectos mais específicos da avaliação relativa à qualidade de vida, observa-se que as mulheres com obesidade mórbida referiram limitações relacionadas ao trabalho de uma forma geral, tendo sido observada, através de relatos, a incapacidade destas pacientes de realizar certas atividades - como por exemplo, serviço doméstico - relacionando tais limitações às condições de saúde. Verifica-se também que a saúde destas mulheres, segundo sua percepção, tem limitado a realização de atividades físicas diversas - desde aquelas que exigem muito esforço físico, como correr, até atividades mais simples, como se vestir, tomar banho ou usar o banheiro. Referiram ainda que a saúde tem limitado as suas atividades sociais, como visitar amigos ou parentes.

Resultados semelhantes a estes foram encontrados por Wadden e Stunkard (13) que verificaram que pessoas morbidamente obesas apresentavam diversas limitações físicas e sociais. Os referidos autores ainda observaram que os obesos estavam constantemente expostos a situações humilhantes em função de suas restrições. Ao se tratar do aspecto relativo ao trabalho, Sullivan et al. (3) consideraram que a obesidade mórbida parece estar associada com uma inabilidade para trabalhar, o que traz conseqüências sérias para o indivíduo obeso em um contexto bastante amplo, já que o trabalho está intimamente relacionado ao status sócio-econômico-cultural das pessoas.

 

Quanto aos aspectos emocionais associados à obesidade, as pacientes obesas relataram manifestações de nervosismo, desânimo, tristeza e infelicidade com freqüência significativamente maior do que as mulheres com peso normal. Estas mulheres não obesas, apesar de terem apresentado escores significativamente inferiores aos das obesas em todas as outras categorias, o maior prejuízo com relação à saúde foi o relativo ao aspecto emocional.

Supõe-se que o sofrimento psicológico encontrado em obesos possa estar relacionado à depreciação e à discriminação sofrida por estas pessoas14. Além disso, pelo fato das mulheres obesas estarem fazendo dieta no período referente à avaliação, esta também pode ter sido uma variável que interferiu no estado emocional das mesmas. Tal explicação fundamenta-se nos estudos de Sarlio-Lahteenkorva et al. (7) e Lopez (6), que constataram que pessoas obesas em tratamento para perda de peso com restrição de dieta manifestaram prejuízos na qualidade de vida e no funcionamento psicológico. Supõe-se, assim, que o sofrimento emocional dos obesos pode estar associado aos problemas físicos decorrentes do excesso de gordura corporal, bem como às suas tentativas - através de dietas - de se adaptar aos padrões de aparência. Como uma tentativa de suprir as necessidades psicológicas dos obesos, favorecendo uma melhora no bem-estar físico e emocional, parece importante a utilização de programas de tratamento para perda de peso que associem dieta e/ou atividade física a intervenções psicoterapêuticas.

O presente estudo objetivou investigar os estilos alimentares e a qualidade de vida de mulheres morbidamente obesas, não se propondo, portanto, avaliar, em profundidade, aspectos emocionais relativos às características de personalidade dessas pessoas. Nesse sentido, ao se tratar da avaliação da qualidade de vida relacionada aos aspectos psicológicos, foi possível apenas constatar a presença de comprometimento emocional por parte das obesas. Considerando que indivíduos obesos participando de tratamento para obesidade apresentam maior prevalência de psicopatologias (2), pode-se supor que a diferença entre os grupos encontrada neste estudo esteja fundamentada no fato de que as obesas estavam sob dieta e que esta variável pode ter influenciado os dados, interferindo negativamente no funcionamento psicológicos destas mulheres.

Ao se tratar do estado geral de saúde, as pacientes com obesidade mórbida se diferenciaram significativamente das mulheres com peso normal, relatando que a sua saúde não estava boa e referindo a presença de dor corporal durante as quatro semanas antecedentes à avaliação. As pacientes também se autodescreveram como pessoas doentes e que estavam se sentindo mal nos últimos tempos. Estes resultados parecem ir ao encontro dos achados de Sullivan et al. (3) e Fontaine et al. (1), onde se observou que indivíduos severamente obesos apresentaram importantes limitações físicas e sociais em conseqüência do excesso de peso, bem como em função de dores corporais comum entre estas pessoas.

Os dados empíricos aqui apresentados sugerem que as questões relativas aos três estilos alimentares - alimentação restrita, emocional e externa - parecem contribuir para explicar a dificuldade quanto ao controle alimentar interno ou externo. Porém, não parecem explicar por si só o desenvolvimento e/ou a manutenção da obesidade nas pacientes avaliadas. Ambos os grupos parecem ter dificuldades quanto ao controle alimentar externo, ou seja, diante dos atrativos relacionados ao aroma e sabor dos alimentos, bem como diante de situações sociais diversas, onde se tenha oferta de alimentos, parece difícil resistir à vontade de comer. Parece interessante apontar ainda que, mesmo detendo os conhecimentos necessários acerca de hábitos nutricionais adequados, isso não parece suficiente para impedir o desejo de alimentação por parte das mulheres obesas. Também não parece ser suficiente para o controle da obesidade, sugerindo, novamente, a forte influência do ambiente externo. Assim sendo, parece relevante considerar a importância do desenvolvimento do autocontrole – com maior ênfase ao controle externo – como um dos elementos de reeducação de hábitos alimentares na abordagem terapêutica de pacientes com obesidade mórbida. O controle de variáveis externas, bem como a ênfase na responsabilidade do próprio paciente frente ao seu tratamento, parecem fatores importantes para um provável sucesso no tratamento.

Os dados sugerem, ainda, que as mulheres morbidamente obesas apresentaram importantes prejuízos na qualidade de vida relacionada à saúde, sendo esta influenciada por uma diversidade de variáveis que parecem atuar de forma a prejudicá-la, como as dores corporais, as limitações físicas e sociais, bem como os problemas emocionais. No entanto, as mulheres obesas demostraram uma percepção adequada quanto às suas limitações físicas, sociais e emocionais, podendo ser este um indicador favorável à abordagem terapêutica dessas pessoas, como complementar aos programas de redução de peso.

Nota-se a importância de tratamentos que sejam voltados não somente para a redução de peso em si, mas também para as necessidades individuais de cada sujeito, como tentativa de melhorar a qualidade de vida relacionada à saúde física e mental. Supõe-se que as utilizações de programas baseados em redução de peso, podem ter seus resultados potencializados quando associados à abordagem psicoterapêutica. Nesse sentido, tais programas deveriam se ajustar às necessidades a aos valores individuais de cada paciente, encorajando-os a se autocontrolarem, a se tornarem independentes e autônomos, bem como a propiciarem seu crescimento pessoal.

Os instrumentos utilizados no presente estudo pareceram de grande relevância, já que permitiram diferenciar variáveis específicas dentro de cada grupo estudado. Do ponto de vista clínico, tanto o QHCA como o ES pareceram instrumentos importantes para a triagem e a seleção de pacientes para programas de tratamento da obesidade baseado em reeducação de hábitos alimentares. Pode-se destacar contribuições específicas dos mesmos, a saber: a) o uso do QHCA pode facilitar a compreensão de áreas específicas relativas aos estilos alimentares que necessitam de intervenção; b) o uso do ES pode facilitar a seleção de pacientes para programas psicoterapêuticos que levem em conta a homogeneidade de prejuízos na qualidade de vida relacionada à saúde física e mental, e c) o uso de instrumentos como estes favorece a sistematização de informações sobre os pacientes de modo a ampliar a compreensão sobre a obesidade mórbida e sobre o impacto dos programas terapêuticos.

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