Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.28 n.3 Caracas mar. 2003
ICTIOFAUNA DO RIO DO QUEBRA (ANTONINA, PR, BRASIL): OCUPAÇÃO ESPACIAL E HÁBITO ALIMENTAR
Fabio Nascimento Oliveira Fogaça, José Marcelo Rocha Aranha e Maria De Lourdes Pereira Esper
Fabio Nascimento Oliveira Fogaça. Biólogo e Mestre em Zoologia, Universidade Federal do Paraná (UFPR).
José Marcelo Rocha Aranha. Biólogo (UNESP). Mestre en Zoología (Museu Nacional/UFRJ). Doutor em Ecologia, Universidade Federal de San Carlos (UFSCar). Professor Adjunto, Departamento de Zoologia (UFPR). Endereço: Departamento de Zoologia, Setor Ciências Biológicas Universidade Federal do Parná, Caixa Postal 19020, CEP 81531, Curitiba, Paraná, Brasil. e-mail: jmaranha@ufpr.br
Maria De Lourdes Pereira Esper. História Natural e Mestre en Zoologia (UFPR). Professora Adjunta, Departamento de Zoologia (UFPR).
Resumo
O presente estudo avaliou a dieta, as táticas alimentares empregadas e a maneira como as espécies da ictiocenose do rio do Quebra ocupam seus respectivos microambientes. As amostragens foram feitas através de técnicas tradicionais de coleta (peneira, redes, puçá) e complementadas com observações subaquáticas através de mergulho livre (snorkel e máscara). Vinte e cinco espécies pertencentes a nove famílias foram identificadas. Quinze espécies foram observadas durante os mergulhos e nove foram registradas apenas nas coletas. Quinze espécies tiveram seu conteúdo estomacal analisado para determinação da dieta e foram agrupadas em cinco guildas tróficas. Seis microambientes distintos foram definidos e a maneira como as espécies os ocupavam determinada. No geral houve grande sobreposição tanto na dieta quanto na ocupação espacial. A guilda "insetívoros com predominância de insetos terrestres" foi a única a apresentar segregação espacial clara.
Summary
The present paper studied the feeding strategy and patterns of spatial occupation in Quebra stream fish assemblage. The samples were taken using traditional methods (fishing-nets and sieves) and complemented with underwater observations through snorkeling. Twenty five species belonging to nine families were identified. Fifteen species were observed during the underwater observations and nine were registered only by sampling. The diet of fifteen species was determined by the analysis of their stomach contents. Five trophic guilds were determined. Six microhabitats were defined and the patterns of spatial occupation were determined for each one. In general there was a great overlap both in the diet and spatial occupation. The guild "insectivorous with predominance of terrestrial insects" showed a clear segregation in the pattern of spatial occupation.
Resumen
El presente estudio evaluó la dieta, las tácticas alimenticias empleadas y la manera como las especies de peces del Río do Quebra ocupan sus respectivos microambientes. Las muestras fueron hechas con salabardos, redes y complementadas con observaciones subacuáticas con tubo respirador y máscara. Fueron identificadas 25 especies que pertenecen a nueve familias; 15 especies fueron observadas con máscara y 9 fueron certificadas solamente en las colectas. El contenido estomacal de 15 especies fue analizado para la determinación de su dieta y fueron agrupadas en 5 categorías tróficas. Seis microambientes distintos fueron definidos y la manera como las especies los ocupaban fueron determinadas. En general hubo una gran sobreposición en la dieta y en la ocupación del espacio. La categoría "insectívoro con predominio de insectos terrestres" fue la única con segregación clara del espacio.
Palavras chave / Dieta de Peixes / Estratégia Alimentar / Ocupação Espacial / Peixes de Riacho /
Recebido: 01/11/2002. Modificado: 18/02/2003. Aceito: 28/02/2003
Introdução
Ecossistemas são formados por uma complexa rede de interações entre fatores bióticos e abióticos. Esta complexidade é particularmente acentuada em comunidades ictiícas neotropicais devido a sua elevada riqueza. Böhlke et al. (1978) e Sabino e Castro (1990) ressaltam a necessidade de um maior número de estudos em rios da região neotropical, para que se possa entender melhor a dinâmica de suas comunidades.
A análise da dieta, complementada pela análise da utilização do habitat, proporciona uma ótima visualização do funcionamento das comunidades ictiícas, abrangendo tanto as dimensões tróficas quanto as dimensões espaciais da partilha de recursos.
O objetivo deste trabalho foi determinar a dieta, a ocupação espacial e as estratégias alimentares da comunidade ictiíca de um trecho do rio do Quebra (Antonina, PR).
Área do Estudo
O estudo foi realizado no rio do Quebra (25º13'S, 48º42'W), o qual pertence à bacia Atlântica, sub-bacia de Antonina (Maack, 1981), município de Antonina, Estado do Paraná, Brasil. O clima da região foi definido segundo Köeppen (in IAPAR, 1978), como clima tropical superúmido, sem estação seca e isento de geadas. As menores taxas de precipitação pluviométrica ocorrem no mês de julho e as maiores no mês de fevereiro. A temperatura média anual varia de 17 a 21ºC.
O trecho estudado do rio do Quebra é de 3a ordem, possuindo águas cristalinas com ótima visibilidade. No geral possui fundo arenoso, mas também possui poços com grandes rochas no fundo e locais rasos com fundo de cascalho. Na vegetação marginal predominam gramíneas e árvores de médio porte, muitas das quais exóticas.
Materiais e Métodos
Os peixes foram capturados sempre no período diurno, através de rede de arrasto (malha 2mm), peneira (malha 2mm) e rede de espera (malha 0,15 e 0,20). A fixação foi feita em formol a 10% e a conservação em álcool a 70%. Foram realizadas duas coletas, uma em abril e outra em agosto de 1999. Durante a primeira coleta, foi feito um croqui do trecho de estudo contendo informações sobre o tipo de fundo (cascalho, areia, argila), tipo de margem (barranco, praia), vegetação marginal (arbustiva, arbórea, herbácea), profundidade e largura do rio e velocidade da corrente (lenta ou rápida). A velocidade da corrente foi determinada medindo-se o tempo que um objeto levava para percorrer uma distância de 1m, delimitada por duas cordas transversais ao leito do rio. A correnteza foi considerada lenta quando a velocidade superficial da água era inferior a 0,25m/s e rápida quando esta velocidade era superior a 0,25m/s. No momento das coletas, foi assinalado nesse croqui o local onde os indivíduos foram coletados, para auxiliar a análise do habitat preferencial de cada espécie.
A área delimitada para a realização de observações subaquáticas compreendeu um trecho com aproximadamente 100m de extensão.
Os conteúdos estomacais de no mínimo 5 e no máximo 15 indivíduos de cada espécie foram analisados em lupa e microscópio, pelo método da freqüência de ocorrência (Windell, 1968). A análise da similaridade da frequência de ocorrência de cada item foi calculada pelo método de Morisita, modificado por Horn (Smith e Zaret, 1982) e os resultados agrupados pelo método UPGMA (Romesburg, 1990), a fim de determinar as guildas tróficas.
As observações subaquáticas foram realizadas nos meses de outubro e novembro, através de "snorkeling" e sempre no período matutino. Nesses mergulhos observou-se o comportamento dos peixes com relação ao seu ambiente preferencial e as táticas alimentares que utilizavam. Tomou-se cuidado para que todos os microambientes identificados fossem observados, sem contudo ser efetuada uma padronização do tempo de observação em cada microambiente.
Resultados
Composição específica
Foram observadas 25 espécies; 14 Siluriformes, 6 Characiformes, 3 Perciformes, 1 Symbranchiformes e 1 Cyprinodontiformes (Tabela I).
G. brasiliensis, S. marmoratus e P. pappenheimi foram apenas observadas, não sendo capturadas nas coletas, e 9 foram coletadas e não observadas diretamente.
Dentre as espécies coletadas D. langei, Astyanax sp., C. lanei e C. pterostictum foram as espécies mais comuns, enquanto Crenicichla sp., C. facetum, Ancistrus sp. e T. davisi foram as menos freqüentes.
Ocupação espacial
No total foram realizadas 5 horas de observação, distribuídas por todos os microambientes do rio. A partir destas observações, os microambientes existentes no rio do Quebra (Tabelas I e II) foram divididos em 6 categorias: Raso Lótico com Fundo de Areia (RLA), Raso Lótico com Fundo de Cascalho (RLC), Poço Lêntico (PLe), Poço Lótico (PLo), Margem (M) e Árvores Terrestres Parcialmente Submersas (ATS).
Durante as observações subaquáticas, a semelhança morfológica de determinados pares de espécies (D. langei e Astyanax sp., C. lanei e C. pterostictum, R. kronei e R. lima), tornou muitas vezes inviável a determinação da espécie a qual o indivíduo pertencia. Assim, quando esta identificação não foi possível, indivíduos pertencentes a estes pares de espécies foram tratados como "lambaris" (D. langei e Astyanax sp.), Characidium spp. (C. lanei e C. pterostictum) e Rineloricaria spp. (R. kronei e R. lima).
Nos microambientes RLA foram observadas poucas espécies; C. barbatus foi a mais abundante.
Nos microambientes RLC, Characidium spp e "lambaris" foram os mais freqüentes. Os "lambaris" permaneceram nadando ininterruptamente nas porções média e inferior da coluna dágua, enquanto os Characidium spp ocupavam o fundo e só realizavam deslocamentos curtos. Nos trechos de maior correnteza, Characidium spp procuravam se abrigar da corrente atrás de rochas. Neste ambiente foram coletados os únicos dois exemplares de T. davisi que se encontravam no meio das rochas, em um local bem raso. S. marmoratus é citado pela literatura como possuindo hábitos noturnos, porém os três exemplares observados neste microambiente do rio do Quebra estavam ativos durante o período diurno, nadando junto ao fundo por entre as pedras, em locais com profundidade em torno de 20cm.
Nos microambientes PLe, as espécies mais abundantes foram C. barbatus, M. microlepis e os "lambaris". C. barbatus permaneceu sempre junto ao fundo e demonstrou preferência por substrato arenoso. Os "lambaris" ocupavam as porções média e superior da coluna da água, enquanto M. microlepis ocupava apenas a porção superior. Tanto M. microlepis quanto os "lambaris" nadavam ininterruptamente contra a correnteza.
Os microambientes PLo apresentaram grande riqueza de espécies, sendo superados apenas pelo microambiente M. Neste ambiente houve predomínio dos "lambaris" que ocupavam tanto a coluna da água quanto o substrato pedregoso do fundo. Rineloricaria spp também foram freqüentes, permanecendo nos espaços entre as pedras ou quase totalmente enterrados no substrato arenoso. M. microlepis foi a segunda espécie mais abundante, ocupando a porção superior da coluna dágua. K. subteres, S. guntheri e P. obtusa também foram observados, o primeiro em pequenos grupos de dois ou três indivíduos aderidos as pedras do fundo, enquanto que S. guntheri e P. obtusa foram vistos individualmente aderidos a troncos caídos submersos.
O microambiente M apresentou a maior riqueza de espécies. Das 25 espécies capturadas no rio do Quebra, 19 ocorreram neste microambiente. P. obtusa, Rhamdia quelen, A. leptos, H. malabaricus, Pareiorhina sp, H. leucofrenatus e C. facetum só ocorreram nas coletas, não sendo observados durante os mergulhos. G. brasiliensis e Crenicichla sp foram vistos no meio de troncos e galhos caídos submersos; e P. caudimaculatus encontrava-se no meio da vegetação a exemplo de Characidium spp, C. barbatus e "lambaris".
O microambiente ATS é formado por galhos pertencentes as árvores marginais, que entram em contato com a água ficando parcialmente submersos, acumulando todo tipo de detrito que é carregado pela corrente. Neste local foram encontrados os únicos indivíduos de M. parahybae além de grande quantidade de A. leptos. M. microlepis foi observado com frequência nadando no terço superior da coluna dágua logo abaixo deste microambiente.
Dieta
Foi analisado o conteúdo estomacal de 184 exemplares pertencentes a 15 das 25 espécies encontradas no rio do Quebra. Os itens do conteúdo estomacal foram identificados até o menor nível taxonômico possível. No total, 45 itens foram identificados. Estes 45 itens foram agrupados em 16 categorias, de forma a permitir a análise de similaridade da dieta. O número de estômagos abertos por espécie, bem como os itens agrupados encontrados em cada uma das espécies encontram-se na Tabela III. A partir de uma matriz de similaridade de dieta foi feita a análise de agrupamento e construído o dendrograma (Figura 1).
Foram definidas 5 guildas tróficas para as 15 espécies estudadas (Tabela III e Figura1):
A. leptos, M. parahybae, D. langei, C. pterostictum e C. lanei foram consideradas insetívoras com predomínio em insetos aquáticos, visto que no mínimo 54% dos itens ocorrentes nestas espécies eram insetos aquáticos.
H. malabaricus foi classificada como carnívora por apresentar uma dieta constituída exclusivamente de itens animais que não insetos. Dentre as espécies estudadas, esta foi a única a consumir organismos de maior porte (camarão e peixe).
M. microlepis foi considerado insetívoro com predomínio em insetos terrestres. Esta espécie consumiu 19% de insetos terrestres e 51% de restos de artrópodos.
Pareorhina sp., R. kronei, S. guntheri, P. obtusa, K. subteres e P. caudimaculatus foram classificados como algívoros. Para estas espécies pelo menos 60% dos itens que ocorreram eram vegetais, principalmente algas (pelo menos 56%).
Astyanax sp e C. barbatus foram considerados onívoros, por apresentarem uma proporção de itens animais e vegetais muito próxima. Além disso, estas espécies aparentemente não apresentaram predomínio de determinada categoria de alimento, sugerindo uma dieta generalista.
Estratégia alimentar
Quanto a estratégia alimentar, as espécies foram incluídas nas 5 categorias já definidas em Aranha et al. (1998). Estas categorias são: catadoras na coluna dágua, predadoras de espreita, escavadoras, podadoras e raspadoras.
Espécies catadoras na coluna dágua capturam o alimento que é trazido pela correnteza. M. microlepis e "lambaris" encontram-se nesta categoria.
Espécies predadoras de espreita mantém-se junto ao fundo, ou à vegetação marginal, movendo-se pouco e esperando que a presa surja. Quando identificam uma presa em potencial, investem sobre a mesma no intuito de capturá-la. Characidium spp. e Crenicichla sp foram incluídas nesta categoria.
Espécies escavadoras revolvem o substrato (normalmente areia) em busca de alimento. C. barbatus e Rineloricaria spp. foram colocados nesta categoria.
Espécies podadoras apresentam um comportamento caracterizado por mordiscar na superfície do substrato, seguido de um brusco movimento lateral do corpo, permitindo cortar e arrancar parte do perifiton. Apenas os "lambaris" foram incluídos nesta categoria.
As espécies raspadoras permanecem junto ao fundo, raspando a vegetação e os microorganismos que se desenvolvem sobre as rochas. C. barbatus e P. obtusa foram vistos realizando esta estratégia.
Discussão
Apesar do pequeno número de coletas, a riqueza de espécies do rio do Quebra foi similar, ou até mesmo superior, a de outros estudos realizados em rios pertencentes a Bacia do Leste brasileira. Costa (1984) identificou 22 espécies em 19 locais de coleta na bacia do rio Ubatiba; Costa (1987) encontrou 17 espécies no rio Mato Grosso no Estado do Rio de Janeiro; Teixeira (1989) identificou 25 espécies em um rio costeiro no Estado do Rio Grande do Sul, enquanto Sabino e Castro (1990) identificaram apenas oito espécies trabalhando em um rio no Estado de São Paulo.
Com relação a representatividade, a ordem Siluriformes (56%) apresentou mais que o dobro do número de espécies pertencentes à ordem Characiformes (24%). Este predomínio de Siluriformes sobre Characiformes também foi encontrado no Estado do Paraná por Wosiacki (1990) e Aranha et al. (1998). Vale ressaltar que embora menos abundantes em número de espécies, os caraciformes foram bem mais abundantes em número de indivíduos.
As observações subaquáticas foram de grande valia, permitindo complementar os dados de dieta com dados de estratégia alimentar e ocupação espacial, fornecendo assim um panorama bem mais completo da dinâmica da comunidade. Alguns autores têm procurado aliar observações e coletas diretas através de mergulho livre aos métodos tradicionais (e.g. Sabino e Castro, 1990; Aranha et al., 1998). Além de permitir a observação da estratégia alimentar e ocupação espacial, outra vantagem dos métodos diretos é a obtenção de informações sobre aquelas espécies difíceis de serem coletadas, mas que podem ser observadas.
Com relação à ocupação espacial, o microambiente M apresentou a maior ocorrência de espécies. Entre os prováveis fatores que contribuem para a alta utilização deste microambiente, estão a proteção, oferecida pela vegetação e a grande disponibilidade de alimento para as espécies algívoras e insetívoras. De modo semelhante, algumas espécies predadoras, como H. malabaricus, ocupam este microambiente para espreitar possíveis presas. Já os microambientes RLAe ATS apresentaram o menor número de espécies. A dificuldade para ocupar um ambiente de forte correnteza, com pouca ou nenhuma área para abrigo deve ser responsável pela baixa utilização do microambiente RLA. Além disso, a forte correnteza aliada a ausência de rochas e vegetação tornam o substrato muito lavado e provavelmente com menor disponibilidade de alimentos, dificultando ainda mais a ocupação deste microambiente. O microambiente ATS é muito distinto e exige que as espécies utilizem basicamente as frestas entre folhas e outros materiais de origem orgânica depositados. Esta especialização na utilização do ambiente deve ser a principal causa da baixa ocorrência de espécies neste local (a menor entre todos os microambientes estudados). Os resultados obtidos na análise de ocupação espacial, no geral, são muito semelhantes aqueles obtidos por Teixeira (1989) e Aranha et al. (1998).
As dietas apresentadas pelas espécies estudadas corroboram a literatura existente. Pequenas diferenças nos resultados já eram esperadas, pois como Sabino e Castro (1990) e Lowe-McConnell (1999) ressaltaram, peixes em geral são euritróficos, mudando sua dieta junto com as mudanças estacionais ou em seu biótipo.
Os algívoros alimentaram-se principalmente de algas unicelulares e filamentosas, sendo as algas unicelulares constituídas, em sua maioria, por exemplares da classe Bacillariophyceae e, em número menor, por exemplares da classe Chlorophyceae. As filamentosas, na quase totalidade das vezes, não puderam ser identificadas ao nível de classe. Quando esta identificação foi possível eram, em geral, Bacillariophyceae.
A espécie K. subteres foi considerada algívora (Figura 1), a despeito de possuir 40% de itens animais em sua dieta (22% escamas de peixe e 14% ovos de invertebrados). A ingestão das escamas pode ter sido oportunista, também encontrada por Aranha et al. (1998), pois K. subteres não possui morfologia do aparelho bucal que permita arrancar escamas de outro peixe. Provavelmente estas escamas desprenderam-se de outros peixes, depositando-se no substrato e foram ingeridas junto com outros alimentos. O mesmo pode ser dito quanto à ingestão de ovos de invertebrados. Somente estudos mais extensos sobre a alimentação desta espécie poderão indicar com segurança a importância destes itens na dieta de K. subteres.
Os principais organismos ingeridos pelas espécies insetívoras com predomínio em insetos aquáticos foram larvas de Chironomidae (Diptera) e ninfas de Ephemeroptera. Isto corrobora informações da literatura para C. lanei e C. pterostictum (Aranha et al., 2000), mas diverge para D. langei que foi considerado como onívoro/algívoro por Aranha et al. (1998).
M. microlepis apresentou dieta com predominância em insetos terrestres. A denominação "com predominância em insetos terrestres" se deve ao fato da categoria restos de artrópodos ter sido constituída, em sua maioria, por restos de insetos terrestres, os quais não puderam ser identificados com precisão por estarem muito fragmentados. Este resultado é corroborado pela estratégia alimentar de M. microlepis, o qual captura o alimento na superfície, tendo, portanto, facilidade para ingerir organismos alóctones. Sabino e Castro (1990) e Aranha et al. (1998) encontraram resultados semelhantes para a espécie em seus estudos.
As espécies onívoras ingeriram, principalmente, insetos aquáticos imaturos entre os itens animais, e algas unicelulares da classe Bacillariophyceae entre os itens vegetais. Estes também foram, respectivamente, os principais itens ingeridos por insetívoros com predominância em insetos aquáticos e algívoros, fazendo supor que são os itens alimentares com maior disponibilidade no local.
H. malabaricus foi a única espécie com menos de cinco exemplares capturados a ter o conteúdo estomacal analisado. Na literatura a espécie é considerada piscívora. Sendo a única com esta dieta dentre as espécies capturadas, a análise de seu conteúdo estomacal era muito importante para a determinação da estrutura tróficas do rio do Quebra, onde apresentou dieta exclusivamente carnívora (Tabela III).
Vários estudos têm demonstrado que a sobreposição alimentar é comum em peixes de água doce. No entanto, esta sobreposição não implica, necessariamente, em competição pelo alimento. Diferenças na ocupação espacial e/ou nas estratégias alimentares podem evitar a competição, mesmo para recursos que não sejam abundantes (Esteves e Aranha, 1999). Além do mais, como Uieda (1983) ressaltou, os cálculos de similaridade de dieta com os itens alimentares agrupados em categorias taxonômicas mais amplas podem gerar uma superestimativa no grau de sobreposição alimentar.
No rio do Quebra as espécies algívoras apresentaram grande sobreposição na dieta, assim como as espécies insetívoras com predominância de insetos aquáticos. A elevada transparência da água no rio do Quebra deve favorecer o desenvolvimento da comunidade de algas e portanto manter elevada a disponibilidade deste recurso alimentar para os algívoros (Power, 1984). Já as espécies insetívoras com predominância em insetos aquáticos apresentaram, em geral, uma ocupação espacial diferenciada, observando-se que quando ocupavam o mesmo microambiente apresentavam estratégias alimentares diferentes. A exemplo disto D. langei e C. pterostictum foram as espécies com maior sobreposição de microambientes. No entanto, enquanto D. langei alimentava-se principalmente na coluna dágua, C. pterostictum buscava o alimento no fundo, garantindo a partilha de recursos através de diferentes estratégias alimentares.
Portanto, apesar dos dados não permitirem afirmar que haja escassez de recursos alimentares, se esta escassez existir, as estratégias adotadas pelas espécies devem ser suficientes para garantir a disponibilidade de recursos para todas.
Aranha et al. (1998) encontrou dieta bem mais generalista no rio Mergulhão, o qual é próximo ao rio do Quebra e pertence à mesma bacia (bacia do rio Cachoeira). Mesmo estando localizadas em rios próximos e possuindo composição específica muito semelhante, as comunidades ictiícas do rio do Quebra e do rio Mergulhão mostraram diferenças na dieta, definindo-se 5 guildas tróficas para o rio do Quebra e 7 guildas tróficas para o rio Mergulhão. Além disso, Aranha et al., (1998) concluíram que as guildas tróficas e espaciais tiveram diferentes composições específicas no rio Mergulhão, sugerindo que estas diferenças possam representar um mecanismo de segregação. No rio do Quebra, resultado semelhante pode ser visto para as espécies insetívoras, as quais apresentaram diferentes comportamentos alimentares e/ou de ocupação espacial. O mesmo não ocorreu com as espécies algívoras, que apresentaram elevada sobreposição tanto na dieta quanto na ocupação espacial.
A despeito do pequeno esforço de campo empregado neste trabalho, os dados corroboraram a literatura existente sobre as comunidades ictiícas em geral e mais especificamente em pequenos rios litorâneos. Nestes ambientes, os trabalhos realizados até o momento apontam para uma elevada variação no comportamento e estrutura dessas comunidades, o que pode ser fruto das experiências evolutivas únicas pelas quais estas comunidades passaram. Desta forma, a compreensão do funcionamento destes ecossistemas, embora ainda incipiente, só poderá ocorrer a partir da análise minuciosa do maior número possível dessas comunidades.
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