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EPISTEME
versión impresa ISSN 0798-4324
EPISTEME vol.31 no.1 caracas jun. 2011
Ciência básica e ciência especial: uma discussão sobre as leis causais psicológicas de Jerry Fodor
Kleber Bez Birolo Candiotto1
1 Pontifícia Universida de Católica do Paraná (PUCPR), Curitiba, PR Brasil. E-mail del autor: kleber.c@pucpr.br
Resumo: Compreender se os estados mentais de um organismo podem de fato apresentar os fatores causais que o levam a agir é, talvez, o escopo central de uma ciência da mente. Contudo, a identificação de causalidade entre eventos mentais e físicos ascende a discussão sobre as características das possíveis leis subjacentes a tal relação. Este trabalho procura apresentar as características das leis causais psicológicas identificadas por Fodor que, segundo este autor, fundamentam a psicologia como uma ciência especial e distinta da ciência básica. Discutimos também que a contribuição de Davidson pode ser vista como um apoio ao projeto antirreducionista de Fodor. Por fim, criticamos a sugestão de Fodor de incluir cláusulas ceteris paribus nas leis causais psicológicas, tendo como apoio os argumentos de Davidson e, sobretudo, os de Schiffer e seu debate com Fodor. Palavras-chave: Causalidade mental, ciência especial, leis psicológicas.
Basic science and special science: a discussion about Jerry Fodors psychological causal laws
Abstract: Understanding whether the mental states of an organism might, in fact, reveal the causal factors that lead that organism to action is, perhaps, the main focus of a science of the mind. However, the identification of causality between mental and physical events ignites the discussion about the characteristics of the possible laws underlying such relationship. The aim of this paper is to present the characteristics of the psychological causal laws identified by Fodor that, according to this author, serve as the basis for psychology as a special science, one distinctive from basic science. Furthermore, we discuss the fact that Davidsons contribution may support Fodors antireductionist project. Finally, we criticize Fodors suggestion to include ceteris paribus clauses in the psychological causal laws, based on Davidsons arguments and, above all, on Schiffers arguments and on his debate with Fodor.
Keywords: Mental causality, Special science, Psychological laws.
Recibido: 10-12-10 Aceptado: 11-01-11
Qualquer que seja a estratégia metodológica adotada em psicologia, é comum seu embate com a tese ontológica do fisicalismo. O termo fisicalismo aqui empregado condiz com a concepção de que a ciência da física possui uma linguagem privilegiada e redutora das demais ciências. Assim, essa doutrina se ampara em dois postulados2: a) qualquer coisa que exista no mundo espaço-temporal é algo físico; b) as coisas físicas possuem propriedades que são físicas ou estão de alguma forma diretamente relacionadas à natureza física, traduzíveis numa linguagem da física.
Comumente o fisicalismo é associado ao materialismo. De acordo com Stoljar3, o fisicalismo pode ser concebido como uma tese lingüística que foi introduzida no contexto filosófico por Neurath e Carnap na década de 1930. A tese em questão sustenta que todo enunciado é sinônimo (ou seja, é equivalente em termos de) algum enunciado físico. O materialismo, por sua vez, é uma tese metafísica que trata da natureza do mundo como tal. Como a doutrina oficial do neopositivis- mo compartilhada por Neurath e Carnap tinha por pressuposto que a metafísica é um contrasenso, fez-se necessária a distinção entre fisicalismo (tese lingüística) e materialismo (tese metafísica). Contudo, a distinção entre fisicalismo e materialismo também pode ser tomada numa acepção distinta daquela adotada pelo positivismo lógico vienense. Nesse outro sentido, Stoljar salienta que o materialismo não possui a mesma generalidade que o fisicismo. A noção central do materialismo é matéria. Para o materialista, tudo que existe é matéria, entendida como aquilo que ocupa lugar no espaço, sendo por isso inerte, insensível e impenetrável.
Contudo, a perspectiva do materialismo não é mais compartilhada pela ciência física recente, a qual afirma existir eventos e propriedades que não são materiais, nesse sentido de matéria atribuído pelo materialismo. Desse modo, o termo fisicismo recebe mais aderência, uma vez que sua noção central não é matéria mas física, e física inclui mais que simplesmente matéria.4
Se fisicismo é mais correto que materialismo, é ainda uma discussão aberta entre filósofos e cientistas. Da mesma forma, a palabra naturalismo também por vezes associa-se aos termos materialismo e fisicismo. Embora também não seja consensual seu emprego, naturalismo não corresponde propriamente à natureza do mundo (não é uma tese ontológica, nem lingüística), mas se apresenta como uma tese metodológica, a qual assume que a forma mais adequada de investigar o mundo é se valer dos métodos das ciências naturais, como a biologia, química e, em última instância, a física. Não obstante, parece que fisicalismo soa mais adequado aos propósitos da discussão sobre relação entre propriedades mentais e propriedades materiais (e não matéria apenas), dada a predominância de seu vocabulário sobre as pesquisas em psicologia5.
Parte significativa dos discursos da filosofia da mente contemporânea concebe as propriedades mentais como propriedades físicas de segunda ordem. Em sentido estrito6, as propriedades físicas são aquelas propriedades, relações, quantidades e magnitudes que aparecem em leis básicas da física. Portanto, de acordo com Kim, as propriedades mentais, bem como as propriedades biológicas e computacionais, são propriedades físicas de segunda ordem. Essa conclusão é debatida mediante duas posturas: uma sustenta que, se as propriedades psicológicas são de alguma forma propriedades físicas de segunda ordem, elas podem ser reduzidas a propriedades físicas; outra entende que nem todas as propriedades físicas de segunda ordem podem ser reduzidas a propriedades físicas básicas, sobretudo as propriedades mentais. A primeira postura compreende que a psicologia é uma ciência apenas se as propriedades mentais forem investigadas como propriedades físicas do cérebro. Tal concepção concebe a ciência apenas no âmbito fisicalista e, por isso, é rechaçada pela segunda postura, a qual sustenta a existência de um domínio irredutível de propriedades de segunda ordem. Nestas condições, a psicologia não seria uma ciência no sentido estrito, uma vez que sua investigação se reporta às conexões causais e nomológicas específicas das propriedades mentais, as quais se diferem daquelas presentes nas propriedades físicas. Uma ciência como a psicologia, segundo esta acepção, deve ter um caráter especial, uma vez que não se habilita a alcançar leis preditivas e explicativas de caráter exclusivamente físico que dêem conta da relação causal entre estados mentais e estados físicos.
Nesse aspecto, Fodor e Davidson compartilham da mesma intenção: defender uma postura antirreducionista dos estados mentais, procurando sustentar uma autonomia da psicologia como uma ciência, mesmo que distinta da física, mas como condições de alcançar as explicações e identificar as leis das propriedades mentais. Ou seja, para esses autores, uma explicação exclusivamente física do mundo não contemplaria o objeto próprio de compreensão da psicologia, a saber, os estados mentais. Há, com isso, a ascensão do problema da causalidade mental: a tese de que a ação intencional humana pode ser explicada por fatores causais procedentes de estados mentais. Por possuir fatores causais, a causalidade mental pressupõe leis ou generalizações causais, mas que não são como leis estritas (homonômicas) das ciências básicas. Fodor e Davidson procuraram investigar estas características próprias das leis causais psicológicas, não obstante existam diferenças entre si.
Seguindo seu projeto naturalista e procurando preservar a autonomia do mental, Fodor postula a existência de causalidade mental. Para Fodor, os estados mentais têm a capacidade de influenciar o comportamento humano e, conseqüentemente, o mundo. Da mesma forma, os estados mentais (o conteúdo das atitudes intencionais) de um sujeito são constitutivamente dependentes do ambiente externo deste sujeito.
Uma das principais teses defendidas por Fodor, e que muito lhe tem custado, é a existência da causalidade mental. Para ele, é o querer o responsável causal do alcançar, também a crença o responsável pelo dizer. Entretanto, continuando seu argumento, se estas relações forem literalmente falsas, nossa relação com o mundo não faz sentido, o que é inconcebível, como próprio autor alude7. A causalidade mental, de acordo com Fodor, é intuitivamente real, o que é atestado pela psicologia do senso comum, e a negação de que o mental influencia o comportamento foi um equívoco gerado pela visão científica de mundo concentrada tão somente nas ciências básicas. Negar a causalidade mental, para Fodor, é um erro que os estudos atuais sobre a cognição não devem cometer.
No entanto, se estados mentais influem sobre o mundo, quais são estas leis causais? Como é possível tratálas? Para responder estas questões, Fodor admite existir leis causais psicológicas.
Em Special Sciences8, Fodor se ocupa com as leis ou generalizações implícitas nas explicações da psicologia do senso comum e procura sustentar seu poder preditivo e explicativo. Para Fodor, as leis psicológicas determinam as relações causais entre eventos mentais e físicos, enquanto as leis físicas tratam das relações causais entre eventos exclusivamente físicos. Por isso, as leis causais físicas não possuem exceções, enquanto as psicológicas são com exceções. De acordo com Fodor9, deve haver leis não apenas estritas, mas talvez implicitamente qualificadas por cláusulas ceteris paribus10, ou seja, uma soma de efeitos individuais em relações causais que devem ser desconsideradas na relação causal11. Assim, as leis das ciências especiais são geralmente sustentadas com cláusulas ceteris paribus, de modo que, enquanto as leis físicas dizem o que tem que acontecer, haja o que houver, as leis da ciência especial apenas dizer o que tem que acontecer se todo o resto permanecer igual.12
Uma lei causal psicológica ceteris paribus pode ser traduzida esquematicamente pela fórmula M causa F em C, sendo M alguma ou algumas propriedades mentais, F alguma ou algumas propriedades físicas e C o indicador de que há uma ou mais cláusulas centeris paribus. Exemplo: desconsiderando os impedimentos de movimentos ou de visão de um indivíduo (C), seu desejo (M) de ler um livro é a causa de segurar este livro e folhá-lo (F). No entanto, esta fórmula, ao estipular a existência de cláusulas ceteris paribus para tratar da causalidade mental, indica certas dúvidas como, por exemplo, a quantidade de variáveis intervenientes que devem ser identificadas para que a lei causal psicológica possa se garantir.
Fundamentar as leis psicológicas é o caminho necessário pretendido por Fodor para sustentar simultaneamente a identidade do mental e uma explicação psicológica. O principal risco que uma explicação psicológica incorre, segundo Fodor, é com o reducionismo fisicalista: a visão de que todas as ciências especiais se reduzem à física13, ou às propriedades físicas. No caso da psicologia, esta redução à física pode se dar, por exemplo, via neurologia e bioquímica14, em que se estabelece a identidade entre eventos mentais e eventos físicos. Vale ressaltar que Fodor contraria o fisicalismo de tipos (type physicalism), porém admite existir uma relativa identidade entre os estados mentais e os físicos mediante um fisicismo de espécimes15 (token physicalism). Fodor rechaça a ideia de que tipos de estados mentais possuem correlatos idênticos a tipos de estados físicos neurológico ou bioquímico. A identidade de tipos, segundo Fodor, conduz à afirmação de que, se duas pessoas possuem o mesmo estado mental, necessariamente compartilham o mesmo estado neurológico ou bioquímico. Contudo, tal afirmação, ao atribuir a necessária correlação entre eventos mentais e físicos, permite conceber a possibilidade da psicologia dispensar os eventos mentais e se assentar exclusivamente nos correlatos físicos (neurológico ou bioquímico) como condição de explicação e predição das ações humanas. A identidade de tipos (type-to-type) apresenta ainda o problema de estabelecer a instanciação16 de um evento mental com seu correlato evento físico. O fisicalismo de espécimes e fisicalismo de tipos17 se distinguem pelo fato deste conceber que uma identidade contingente entre dois eventos não pressupõe a identidade das propriedades quando tais eventos são instanciados. Já o fisicalismo de espécimes (token) concebe que algum evento físico (cerebral) pode produzir um estado mental, todavia esse estado poderá ser provocado por diferen- tes eventos físicos.
A concepção funcionalista de Fodor, com inspiração em Putnam, sustenta que estados mentais podem ser realizados por estados físicos múltiplos, o que remete à tese da múltipla realizabilidade (multiple realizability thesis) de Putnam18, também conhecida por múltipla instanciação, que considera a possibilidade de um mesmo estado psicológico ser realizado em diferentes sistemas físicos. Assim, não há, para um estado mental19, um estado físico correlato, uma vez que, segundo tal tese, eventos físicos diferentes podem provocar um mesmo estado mental. A dor, por exemplo, pode ter realizações distintas entre os mecanismos neuronais de um homem e de um rato ou, quiçá, entre um homem e um organismo cibernético20. Em sua análise do funcionalismo, Block21 menciona que a dor torna-se de fato dor não por possuir uma natureza material em particular, mas devido sua apropriação do tipo adequado de papel causal. Assim, estados mentais e propriedades mentais são concebidos como sendo estados e propriedades funcionais, ao desempenhar um papel causal no sistema ao qual pertence.
A sugestão de Putnam22 e Fodor é de que o atributo físico, pelo qual o estado mental é instanciado, pode ser abstraído de suas propriedades funcionais. Logo, uma ciência da mente seria possível, pois seriam abordados exclusivamente os estados mentais a partir de suas possíveis relações, desconsiderando seu substrato físico. Para tanto, Fodor23 adotou a seguinte estratégia: considerar os estados mentais como proposições. Assim, o pensamento é um conjunto de propo- sições que se tornam sentenças nos cérebros humanos. Para entender a estrutura do pensamento, bastaria entender a forma pelas quais tais proposições se relacionam e identificar suas regras de organização. Foi com esse pressuposto que Fodor, em The Language of Thought, propôs entender a mente analogamente à linguagem natural24, que é constituída por um conjunto de símbolos que se combinam mediante regras sintáticas. Esta analogia com a linguagem natural fez com que Fodor concebesse o pensamento como o produto das computações oriundas da complexidade de nossa grande máquina sintática: a mente.
A ideia de Fodor, de que os pensamentos, concebidos como símbolos, são ao certo representações mentais, constitui sua notória Teoria Representacional da Mente, que define a mente como um manipulador de representações mentais sob a forma de sentenças não-interpretadas (sem um significado explícito) que estão na linguagem do pensamen- to. Cabe ressaltar que linguagem, na teoria de Fodor, é uma analogia às línguas naturais. Assim, a compreensão da estrutura do pensamento seria possível na condição de ser adotada como um dispositivo que manipula símbolos, semelhantemente a um falante de uma língua qualquer, porém sem a necessidade de abordar os significados de tais símbolos. Uma ciência da mente, segundo Fodor, só seria possível mediante sua abordagem sintática. A mente produz sentenças significativas tomando como base suas regras sintáticas e princípios formais de organização dos símbolos. Investigar estas regras e princípios é o objetivo da psicologia, bem como a condição que a torna científica. Para Fodor25, a psicologia deveria se limitar ao caráter sintático do pensamento, ao processamento das representações, uma vez que sua semântica, ou seja, o que torna a sentença significativa, é construída pela sintaxe26. O significado das representações, que estão na forma de sentenças, por ser constituído pela relação entre cérebro e o ambiente externo, é alterado na medida em que se altera o meio em que o organismo está in- serido. Assim, é o contexto determina a semântica da linguagem do pensamento. Se a psicologia tivesse que se preocupar com a semântica, ela deveria estudar todos os ambientes que o organismo pode estar situado. Tal missão demandaria um esforço tão amplo para identificar situações particulares possíveis que levaria a psicologia a simples e total casuística, distanciandose assim de uma pretensão científica.
Ao priorizar as relações sintáticas entre símbolos, e entre as sentenças da linguagem do pensamento, Fodor estabelece a independência dos símbolos perante seus intérpretes. Os símbolos são, de alguma forma, entidades físicas que se relacionam sintaticamente e suas propriedades sintáticas derivam de sua base física. Assim sendo, as sentenças da linguagem do pensamento, que podem ser tomadas como símbolos que se relacionam sinteticamente, são entidades concretas e exercem poderes causais que geram comportamento e cognição. A interface ou medium causal entre estímulos e respostas de um organismo se dá por um sistema de representações internas. Para Fodor27, faz-se necessário destacar, é um sistema e não o sistema de representações internas que media os estímulos e respostas, uma vez que os tipos e níveis de representação podem variar consideravelmente entre os organismos, tendo em vista a diversidade de variáveis tais como eventos ambientais e opções de comportamento de um organismo. O que determina a resposta de um organismo perante um estímulo é a representação interna que este organismo atribui ao estímulo. Já esta atribuição, por sua vez, vai depender do tipo do sistema representacional que realiza a mediação entre estímulo e resposta. Como a representação interna de um estímulo depende de vários fatores (a natureza do estímulo, a natureza do sistema representacional e as demandas características da tarefa do organismo), a forma adequada para entender cientificamente o com- portamento seria concebê-lo como resultante de um processo compu- tacional que é realizado pela mediação da linguagem do pensamento: a ação que o agente executa é a consequência de cálculos (computations) definidos sobre representações de ações possíveis. Sem representações, não há computações. Sem computação, não há modelo.28 Com a linguagem do pensamento, é possível uma teoria em psicologia29 sem incorrer, por um lado, em alguma teoria dualista (imaterialidade dos fenômenos mentais), por outro, em alguma teoria de identicidade entre estados mentais e estados físicos.
De acordo com a Teoria Representacional de Mente de Fodor, os processos mentais são sintáticos30. Mas o mesmo não ocorre com as leis psicológicas, pois se caracterizam por serem intencionais. As leis psicológicas são implementadas por mecanismos que são sintáticos, mas elas mesmas não são sintáticas. Embora intencionais, as leis psicológicas são implementadas por processos mentais sintáticos (computacionais), possibilitando uma ação do indivíduo sobre o mundo (uma resposta comportamental). Para Fodor, estados intencionais, como crenças e desejos, requerem símbolos para existirem. A razão disso é que os símbolos são os únicos portadores de significado31.
Sendo assim, o raciocínio é entendido como uma manipulação lógica, sintática, de símbolos. Entretanto, as representações que se seguem às manipulações sintáticas não são aleatórias, pois precisam de uma adequação com o mundo, que é sua condição de verdade (truth-maker). Neste sentido, a semântica, enquanto uma condição de verdade da representação, segue a sintaxe, a manipulação de símbolos que permite a representação.
É possível afirmar, então, que Fodor não reduz o pensamento a seu aspecto sintático. Os processos mentais, que são sintáticos, permitem a existência das leis psicológicas que têm uma relação causal com o mundo (geração de comportamento) e a especificidade do comportamento de cada organismo depende da atribuição de significado aos símbolos internos. Eis, portanto, o aspecto semântico dos estados mentais que o próprio Fodor reconhece existir, mas que cientificamente é muito pouco acessível à nossa compreensão. O que podemos compreender plenamente sobre os estados mentais é seu aspecto sintático, e não o semântico. Esta separação, para Fodor32, é metodológica, resultando no conhecido princípio do solipsismo metodológico. A psicologia cognitiva não possui condições de explicar a referência das representações ao mundo exterior. A crença na expiação de suas culpas, por exemplo, pode causar a ida de um sujeito até à igreja e confessar seu pecado à autoridade religiosa. Independente se houve ou não essa expiação, a crença, contudo, existe. É possível conceber que com portamento deste sujeito é resultado não da expiação, mas de sua crença de que seria perdoado (é a crença em si que causa o comportamento, mas não seu significado). Não é preciso algo externo ao sujeito para explicar seu comportamento, mas apenas as informações que ele obteve, assim como suas representações e as regras com que ele as manipula. Em suma, para Fodor33, o comportamento é causado pelas relações entre as representações internas do organismo, sendo que tais relações se dão por regras sintaticamente constituídas.
Esta perspectiva metodológica de Fodor estabelece uma separação entre semântica e sintaxe, cabendo aos estudos sobre a cognição apenas a sintaxe, pois é vedado o acesso objetivo aos significados das representações. Não se afirma com isso que as representações mentais sejam destituídas de propriedades semânticas, mas apenas que são inacessíveis à investigação científica em psicologia cognitiva. A solução deste problema do significado das representações, o problema propriamente semântico, constitui a principal meta da investigação mais recente de Fodor.
Em suas primeiras obras34, Fodor elaborou uma teoria sobre a mente que manteve uma posição marcadamente sintática. Entretanto, em face aos apelos de Putnam ao externalismo, inicia-se uma preocupação com a questão da semântica e que conduz Fodor a defender o solipsismo metodológico como estratégia de investigação para a teoria psicológica. A noção de solipsismo metodológico de Fodor é uma tentativa de resolver os problemas pertinentes ao conhecido experimento mental da Terra Gêmea de Putnam35 em relação ao externalismo. A estratégia metodológica é, por princípio, tomar os estados psicológicos de forma individualizada, sem levar em conta sua avaliação semântica, aproximando-se assim ao internalismo. Esta aproximação de Fodor ao internalismo é apenas na questão metodológica. A partir dos debates com Putnam, Fodor reconhece que os processos internos do cérebro não são suficientes para determinar o conteúdo mental, pois é preciso estabelecer uma relação entre mente e mundo. No entanto, em relação à pesquisa sobre a identidade do conteúdo mental, o mais prudente e adequado, segundo Fodor, é adotar esta postura metodologicamente solipsista.
Fodor, ao propor o solipsismo metodológico como uma estratégia de pesquisa dos estados mentais, não retira a importância da semântica para a explicação psicológica. No entanto, segundo Fodor, é possível admitir uma ciência especial que trate sintaticamente dos estados mentais mediante as regras de combinação dos símbolos da linguagem do pensamento e evitar, assim, o reducionismo36.O objetivo dessa ciência especial é explicar os estados mentais. Para isso, valoriza a psicologia Fodor do senso comum (folk psychology) e admite a existência de leis psicológicas causais37.
A ideia de que um evento físico influencia (causa) outro evento físico, é um pressuposto claro para as ciências básicas38. Ao contrário, em relação às leis psicológicas, a questão de um evento mental causar um evento físico soa como controverso à visão científica de caráter reducionista, uma vez que esta não admite a causalidade mental como real, mas como uma simples e equivocada imagem compartilhada pelo senso comum. Nesse sentido, Fodor39 salienta a necessidade de a ciência cognitiva levar em consideração a psicologia do senso comum (folk psychology) em nível científico.
Como já exposto, as leis causais psicológicas são consideradas por Fodor com exceção, ao contrário das leis da física que não possuem exceções. A psicologia constitui, portanto, uma ciência especial, sendo que suas leis possuem cláusulas ceteris paribus. A explicação psicológica é nomológica, ou seja, é uma explicação e não apenas uma descrição. Assim, na perspectiva de Fodor, mantém-se a identidade da psicologia como ciência, não sendo possível sua redução à neurologia ou a bioquímica, por exemplo, uma vez que, no que diz respeito às relações causais entre estados mentais, suas realizações físicas não são o mais importante. O que importa é sua forma, sua maneira de organização.
Fodor construiu um programa de pesquisa calcado fundamental- mente na intenção de apresentar as possíveis diretrizes científicas para uma investigação psicológica. Sua teoria representacional de mente trouxe contribuições para a pesquisa em psicologia, especialmente por apresentar uma alternativa frente à predominância do behaviorismo.40 No entanto, sua concepção de leis causais psicológicas com exceções foi alvo de críticas de filósofos como Davidson e Schiffer, como veremos a seguir.
Em Mental Events, assim como Fodor, Davidson levanta o seguinte problema: Eventos mentais [...] resistem à apreensão da rede nomológica da teoria física. Como esse fato pode ser conciliado com o papelcausal dos eventos mentais no mundo físico?41, ou seja, como é possível estabelecer relaçoes causais entre eventos físicos e eventos mentais, uma vez que estes carecem de caráter legiforme da teoria física? Com o intuito de entender o que é o mental, Davidson42 argumenta sobre a inexistência de leis estritas que ligam o mental ao físico. Do ponto de vista ontológico, Davidson sustenta uma tese monista, a saber, que os eventos mentais são idênticos a eventos físicos. Para ele, a existência da mente não pressupõe nada mais para além da matéria (monismo). Assim, para Davidson, o mental não é uma categoria ontológica, mas apenas uma categoria conceitual43, o que implica dizer que a investigação se realiza apenas sobre o mental (categoria conceitual) e não sobre a mente (categoria ontológica)44.
Sobre o caráter do mental, Davidson45 apresenta os princípios gerais da seguinte forma. O primeiro princípio é que todos os eventos mentais, em última instância, talvez por meio de relações causais com outros eventos mentais, possuem relações causais com eventos físicos. O segundo princípio, resgatando o enfoque humeniano de causalidade como regularidade nômica, pressupõe que onde não há nexo de causalidade, deve haver uma lei: eventos relacionados como causa e efeito se enquadram em leis deterministas estritas. Por fim, o terceiro postula que não há leis deterministas estritas com base nas quais os eventos mentais podem ser preditos e explicados. Com estes três princípios, Davidson conclui que o mental possui um caráter anômalo.
Para Davidson, todos os eventos são físicos, mas não significa que os eventos mentais possam ter explicações físicas, ou seja, todo evento mental é idêntico a um evento físico, mas nem todo evento físico é idêntico a um mental. É importante entender a concepção de mental em Davidson: o aspecto distinto do mental não é que seja privado, subjetivo ou imaterial, mas o de exibir o que Brentano chamou intencionalidade46. As características mentais são, de alguma forma, dependentes ou supervenientes às características físicas. Os estados mentais, individualmente considerados, possuem um caráter anômalo quando comparados aos eventos físicos e, por isso, há uma dependência especial dos estados mentais individuados aos eventos físicos. Assim como Fodor, Davidson rechaça a concepção fisicalista reducionista de que há uma identidade entre eventos mentais e físicos (identity type-type) e de onde poderia reduzir uma explicação psicológica à explicação física, por exemplo, pelo intermédio da neurofisiologia. Contudo, esta posição antirreducionista de Davidson é do ponto de vista conceitual: não é possível reduzir os predicados mentais aos físicos.
Embora ontologicamente eventos mentais sejam eventos físicos, não é possível cumprir uma redução fisicalista, uma vez que a categoria física é distinta da categoria conceitual (linguística). Davidson compartilha com Fodor a ideia de que a identidade entre estados mentais e físicos pode ser concebida como de casos ou espécimes (token), mas não de tipo (type) mental com físico. No entanto, a posição antirreducionista de Davidson é distinta da de Fodor. Para Davidson, não apenas inexistem leis psicofísicas que permitam conectar os eventos físicos com eventos mentais: toda e qualquer lei estritamente entendida dever ser de caráter físico47. Leis, para Davidson48, são definidas em geral como sentenças verdadeiras lawlike (legiformes ou legalóides), estas concebidas pelo autor como enunciados gerais que suportam alega- ções contrafactuais e subjuntivas, e são apoiadas por suas instâncias49.
As leis físicas, que são estritas, segundo Davidson, são homonômicas, isto é, apontam relação causal entre dois tipos de eventos descritos em um mesmo vocabulário, nomeadamente o vocabulário da física. Para Davidson, e também de certa maneira por Fodor, as leis psicológicas podem ser entendidas como heteronômicas. Em Davidson, lei heteronômica, embora o autor não explicite claramente, pode ser entendida como uma generalização que aponta uma relação causal entre dois tipos de eventos descritos em vocabulários heterogêneos (físico e mental), que tem o respaldo de uma lei precisa, mantendo assim sua condição nômica. É necessário pressupor leis heteronômicas, uma vez que a explicação da conduta humana depende de um vocabulário imbuído de conceitos como crenças, desejos e intenções. Seria um equívoco abordar estas leis ou generalizações heteronômicas em outro vocabulário, nomeadamente o da física, tendo em vista que este não considera adequado explicar o comportamento de organismos a partir de estados mentais como crenças e desejos. Idealizadas assim, as generalizações psicológicas são úteis pelo fato de tornarem de certa maneira inteligível qualquer parte do comportamento intencional, pois considera o agente causal um ser racional que decide agir mediante seus desejos e suas atribuições de crenças.
Davidson se diferencia de Fodor pelo fato deste filósofo entender que as exceções presentes nas leis psicológicas conduzem a uma necessidade de se reportar a alguma ciência mais básica para complementar a explicação psicológica quando esta não possui poder explicativo e preditivo. Fodor50 salienta que as exceções para generalizações de uma ciência especial são tipicamente inexplicáveis pelo ponto de vista (isto é, do vocabulário) daquela ciência. Este ponto é um dos motivos, segundo Fodor, que faz dela uma ciência especial. No entanto, Fodor51 sugere que pode ser perfeitamente possível explicar as exceções no vocabulário de uma outra ciência. [...] você precisa ir em um ou mais níveis abaixo e usar o vocabulário de uma ciência mais básica. Mas Fodor não apresenta condições adequadas de como realizar essas mudanças de níveis no âmbito da explicação psicológica, nas situações de exceções. Poderíamos dizer que, à luz de Davidson, esta sugestão de Fodor é um equívoco. Davidson afirma que nenhuma ciência mais básica fornece acréscimos às explicações psicológicas, pois o que importa é a normatividade presente em cada humano, a qual torna inteligível tanto sua conduta como a conduta dos demais indivíduos.
Entretanto, Davidson não faz maiores considerações sobre a na- tureza destas leis causais psicológicas presentes na explicação do comportamento intencional. Já Fodor as caracteriza como constituídas de cláusulas ceteris paribus e com exceções, embora Davidson também as caracterize como propensas a exceções, mesmo que não leve em consideração a questão das cláusulas ceteris paribus.
Já Schiffer52 nega a existência de leis psicológicas verdadeiras. Ele aponta ainda a dificuldade de sustentar a existência de cláusulas ceteris paribus, uma vez que isso incorreria na necessidade de confirmar quais são as exceções existentes, o que seria inviável, pois necessitaria de confirmação em massa. Schiffer chama a atenção sobre a determinação da quantidade de exceções que seriam admitidas para que uma lei causal psicológica pudesse manter sua condição explicativa e preditiva. Não seria adequado simplesmente dizer que são algumas, pois seria insuficiente e vago. Para sustentar que são poucas exceções, seria preciso ter implicitamente a confirmação de todos os eventos passados, presentes e futuros nos quais a referida lei causal psicológica poderia estar realizada. Além do mais, para Schiffer, uma explicação pela exceção não é um procedimento cientificamente adequado, pois um mero etc... não faz uma lei, mas apenas apresenta uma explicação parcial53. A crítica de Schiffer é que não se deve deixar tal cláusula à mera compreensão intuitiva, pois isso não autorizaria uma lei dita especial ter poderes explicativos e preditivos. Caso as exceções fossem apenas trivialidades, então elas seriam dispensáveis. Todavia, Fodor ressalta a necessidade de que tais cláusulas sejam a condição de cientificidade da explicação psicológica.
A réplica de Fodor54 a Schiffer, resgata os mesmos fundamentos teóricos outrora já expostos. Fodor afirma que a psicologia do senso comum pode ser elaborada como uma pré-teoria e que apelações a leis intencionais são mais ou menos explícitas55. Contudo, em ciência cognitiva, as leis são antecipadas e, assim, o principal objetivo dessa ciência é explicar os mecanismos computacionais que implementam leis intencionais56. Para Fodor, as explicações psicológicas são tentativas, em geral bem sucedidas, que dizem verdades sobre os estados intencionais. Porém, se as leis psicológicas ceteris paribus são mesmo leis, a sua verdade deve ser fundamentada em uma estrutura física fundamental.
Nos passos de Paul Churchland57, Schiffer afirma que uma criatura com crenças é uma criatura cujas crenças são realizadas em estados físicos subjacentes58. Schiffer até considera que o discurso psicológico seja útil, porém não se trata de uma genuína declaração de verdades adequadas. Por isso, Schiffer tenta mostrar que as condições de verdade, do tipo que Fodor está procurando, não podem ser encontradas, pois não existem.
Schiffer também critica o esquema M causa B em C apresentado por Fodor59, onde M é alguma propriedade mental, B é alguma propriedade física e C é a existência de uma cláusula ceteris paribus a ser esclarecida. Segundo Schiffer (1991, p.05), Fodor implicitamente atribui maior importância a C que a M, pois é C que mais apresenta influência no esquema e, por conseguinte, um desapreço por M. Isso poderia, ao ver de Schiffer, tornar M causalmente insignificante e, assim, não haveria necessidade em se falar em lei causal psicológica, pelo fato de que na determinação da causalidade é na muito mais destaque de C que M.
Para Schiffer, conceitualmente falando, o esquema de Fodor (M causa B em C) é aceitável. No entanto, seria inapropriado do ponto de vista psicológico, uma vez que pode produzir o desaparecimento das propriedades mentais do vocabulário psicológico. Assim como Davidson, Schiffer destaca a importância das leis causais psicológicas no âmbito conceitual, porém desconsidera na relação legiforme entre eventos causais e eventos físicos.
Sustentar a existência de leis causais psicológicas, embora seja um pressuposto para fundamentar o status científico da psicologia do pon- to de vista cognitiva, continua sendo a principal limitação da filosofia da psicologia. Essa limitação é o que ainda mantém irresistível determinadas explicações reducionistas que procuram compreender o mental mediante leis psicofísicas. Considera-se irresistível60, pelo fato de que a possível existência de leis psicofísicas está sustentada por um otimismo em relação às expectativas de soluções de problemas de âmbito mental: as psicopatologias melhor dizendo. No entanto, o avançado conhecimento fisicalista da atualidade sobre o contexto do mental não soluciona o antigo problema filosófico mente-corpo. Mas o solucionará? Dar uma resposta a essa pergunta é, no mínimo, imprudente.
Notas
1. Uma vez que o adjetivo Physical da língua inglesa corresponde ao adjetivo português Físico, considera-se por perfeccionismo linguístico que Fisicismo é a tradução mais adequada para Physicalism.
2. Kim, J., "Physicalism", in Wilson e Keil, F. C. The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, Cambridge, Massachusetts, (1999), pp. 645-647.
3. Stoljar, D., Physicalism, New York, Routledge, 2010, p. 10.
4. Ibidem.
5. Churchland está entre os principais autores que sustentam a predominância do vocabulário fisicalista.
6. Kim, J. "Physicalism"..., cit., pp.645-647.
7. Se não for de fato verdadeiro que meu querer é responsável causalmente do meu alcançar, [...] e minha crença responsável pelo meu dizer, se nada disso for literalmente verdadeiro, então praticamente tudo que eu acredito sobre qualquer coisa é falso e isto é o fim do mundo. Fodor, J., A Theory of Content and Other Essays, Cambridge, MIT Press, (1990), p.156.
8. Fodor, J., "Special Sciences and the disunity of science as a working hypothesis" in In, Fodor, J., Representations: philosophical essays on the foundations of cognitive science, Cambridge-Massachusetts, The MIT Press, (1981), p. 128.
9. Fodor, J., A theory of Content and Other Essays, Cambridge Massachusetts, The MIT Press, 1990, p. 147.
10. O termo latino ceteris paribus ou caeteris paribus significa literalmente sendo tudo mais igual ou igualdade de circunstâncias. Atualmente, as cláusulas ceteris paribus são mais empregadas em estudos sobre economia. Embora com controvérsias, o uso das cláusulas ceteris paribus também tem sido motivo de debate em filosofia da ciência e em filosofia da mente. Em filosofia da mente, certamente o debate mais conhecido sobre a aplicação de cláusulas ceteris paribus se dá entre Fodor e Schiffer, como veremos no final deste texto.
11. Sobre a viabilidade das cláusulas ceteris paribus, Fodor, J., theory of Content and Other Essays, Cambridge Massachusetts, The MIT Press, 1990, p.132, nota 8) cita Georges Rey: A viabilidade de uma cláusula ceteris paribus depende da não especificação real ou realizabilidade da idealização, mas sim se as aparentes exceções da lei à qual estão atribuídas podem ser explicadas como devido à interferência de forma especificável independente .[...] Então a questão não é se a cláusula ceteris paribus pode ser substituída, mas sim: todos os erros podem ser explicados como uma interferência independente.
12. Fodor, J., A theory of Content and Other Essays, Cambridge Massachusetts, The MIT Press, (1990), p. 147.
13. Fodor, J., Special Sciences (1974), In, Fodor, J., Representations: philosophical essays on the foundations of cognitive science, Cambridge-Massachusetts, The MIT Press, (1981), p. 128.
14. Ibid., p. 129.
15. Entende-se por "espécime" um exemplo de certo tipo. Assim, João e Pedro são espécimes (casos, exemplos) de um mesmo tipo humano.
16. Fodor faz alusão à tese funcionalista da "Múltipla Instanciação", também conhecida como "Realizabilidade Múltipla". Normalmente a tese é atribuída a Putnam, em seu texto The Nature of mental states de (1967), in Mind, Language and Reality, (1975), ainda que o termo tenha surgido um pouco mais tarde com Lewis.
17. Ibid., p. 130.
18. Putnam, H., "The Nature of mental states" (1967). In Putnam, H., Mind, Language and Reality, Cambridge University Press, (1997), pp. 429-440.
19. Vale lembrar que estados mentais podem ser qualitativos, como as sensações subjetivas, denominadas por qualia, ou as atitudes proposicionais, como cren- ças e desejos. Fodor se ocupa especificamente com as atitudes proposicionais, as quais, além de possuírem causalidade, também são imbuídas de conteúdo: crer em algo, desejar algo e assim por diante. A preocupação com compreensão do conteúdo das atitudes proposicionais é identifica em Fodor. Por se limitar à compreensão das leis causais psicológicas, o presente texto não se ocupará com o problema do conteúdo mental.
20. Kim, em Supervenience and Mind: Selected Philosophical Essays, Cambridge University Press, (1993), apresenta uma conclusão distinta. Ele defende a tese da sobreveniência: cada estado psicológico de um organismo é superveniente em relação ao estado físico interno que é sincrônico com ele. O exemplo usado por Kim é que, se dois organismos ou estruturas são fisicamente idênticos, então a sua psicologia também é. Sendo assim, se tais organismos possuem um conjunto de propriedades físicas coincidentes, então não podem divergir no conjunto das suas propriedades psicológicas. Por isso, o psicológico é superveniente em rela- ção ao físico.
21. Block, N., "Troubles with functionalism", (1978), In Block, Ned. Consciousness, functionalism, and representation, Massachusetts, The MIT Press, (2007), pp. 63-101.
22. Ibidem.
23. Ibidem.
24. Vale insistir na seguinte questão: a analogia de Fodor entre linguagem do pensamento e linguagem natural é tão somente na existência de símbolos e nas suas combinações sintáticas. No entanto, linguagem do pensamento e linguagem natural não devem ser tomadas como sinônimas.
25. Fodor, J., "Methodological solipsism considered as a research strategy in cognitive psychology", in The Behavioral and Brain Sciences, vol. 3, (1980), pp. 63109.
26. Nesta concepção, é fidedigno comparar a mente a um computador, uma vez que este pode produzir sentenças com significado apenas mediante sua estrutura sintática (o conjunto de símbolos com suas regras de combinação).
27. Ibidem.
28. Ibid., p. 30.
29. Vale ressaltar que psicologia, para Fodor, é psicologia cognitiva, a qual se preocupa com as transformações sobre representações. [...] as verdades da psicologia científica expressam as contingências computacionais entre eventos que são homogeneamente (psicologicamente) descritos. Ibid., p. 199.
30. Recentemente, Fodor fez uma advertência: a noção de que todos os processos mentais são computacionais não é adequada e deve ser evitada. Fodor está dirigindo esta crítica a Pinker. Segundo Fodor, Pinker exagera ao reduzir os proces- sos mentais ao computacional. Outros exageros de Pinker são: definir a arquitetura da mente como totalmente modular e entender que a teoria darwinista é suficiente para explicar nossa estrutura mental. Apresentei esta discussão entre Pinker e Fodor em Candiotto.
31. Lembrando que símbolo e significado são distintos entre si e mutuamente dependentes, constituindo uma dependência assimétrica.
32. Ibidem.
33. Ibidem.
34. Até o início da década de 80, principalmente com a obra The Modularity of Mind: An Essay on Faculty Psychology, A Bradford Book, (1983), a abordagem de Fodor acerca da mente era basicamente sintática. Mas seu interesse pela questão da semântica já é manifestado em seu artigo de 1980.
35. O experimento mental da Terra Gêmea diz o seguinte: Vamos supor que exista um outro planeta aparentemente idêntico ao nosso, uma Terra-Gêmea, e que neste planeta, a água que conhecemos não fosse composta por H2O e sim por XYZ. Apenas sua composição é diferente, contendo todas as outras características da água do planeta Terra e, inclusive, os habitantes desta Terra-Gêmea a chamam também de água. A única coisa diferente entre estes planetas é a composição da água. Neste planeta há também uma réplica perfeitamente igual a um terráqueo humano. Por serem idênticos, teriam estados psicológicos internos como crenças e desejos também idênticos. No entanto, haveria mesmo assim uma atitude proposicional que continuaria distinta, a saber, que a água é H2O: para o terráqueo é verdadeira, para a réplica da Terra-Gêmea é falsa. Mesmo com todos os estados internos iguais, eles crêem em proposições diferentes. Sendo assim, Putnam conclui que o ambiente externo é um dos determinantes das atitudes proposicionais.
36. Segundo Miguens, o próprio D. Dennett (que é conhecido como o autor que mais se opõe às idéias de Fodor) assume a crítica anti-reducionista de Fodor. As ciências especiais como a psicologia ou a geologia são ciências especiais não devido à nossa relação epistêmica com o mundo mas devido à maneira como este está organizado. E o mundo está organizado de um modo tal que nem todos os tipos, nem todas as propriedades que aparecem em leis, correspondem a tipos físicos. Nomeadamente os tipos acerca dos quais são feitas as generalizações psicológicas não correspondem a tipos físicos. Daí que para Fodor a idéia de redução fisiológica das teorias psi- cológicas não decorra necessariamente da (correta) consideração da física como ciência básica, embora a maior parte dos filósofos da ciência pensem que considerar a física a ciência básica é a mesma coisa que afirmar que as teorias das ciências especiais devem reduzir-se às teorias físicas. Miguens, S., "Uma Teoria Fisicalista do Conteúdo e da Consciência", D. Dennett e os debates da filosofia da mente, Porto, Campo das Letras, (2002), p. 147.
37. Fodor faz uma ressalva à questão do solipsismo metodológico: minha perspectiva não é, evidentemente, que o solipsismo seja verdadeiro; mas sim que a verdade, a referência, e o restante das noções semânticas não são categorías psicológicas. Ibidem.
38. Ver algumas críticas a esta teoria da causalidade feitas principalmente por Hume e que recebe uma especial atenção de Fodor.
39. Ibidem.
40. Miguens, S., "Uma Teoria Fisicalista do Conteúdo e da Consciência", D. Dennett e os debates da filosofia da mente, Porto, Campo das Letras, 2002.
41. Davidson, D., "Mental Events" (1970), In Davidson, D., Essays on Actions and Events, 2ª ed. Oxford, Clarendon Press, (2002), p. 207.
42. Ibidem.
43. Esta tese de Davidson não deve ser confundida com a tese dos wittgensteinianos, especialmente a ideia de erro categorial de Gilbert Ryle. Nota-se que desde seu artigo Actions, Reasons and Causes, in his Essays on Actions and Events, Oxford University Press, (1963), Davidson se opõe aos wittgensteinianos pelo fato destes chamarem de falácia naturalista a teoria que toma razões como causas, uma vez que, em geral, falácia naturalista seja a identificação de conceitos éticos com conceitos naturais. Nesse artigo, Davidson contraria a tradição wittgensteiniana de Ryle e sustenta a concepção de que razões podem ser tomadas como causas. Alegar que há um erro categorial na consideração de razões como causas é afirmar que os vocabulários das razões e das causas são completamente distintos. Também, para os wittgens- teinianos, se as razões pudessem ser causas e, como toda explicação causal é, por princípio, regido por leis (nomológica), deveria haver leis psicofísicas que conec- tassem as descrições mentais das razões às descrições das ações.
Davidson argumenta que não é possível atribuir relação causal extrínseca entre eventos mentais e eventos físicos pelo fato de as descrições das razões estarem conceitualmente conectadas às descrições das ações. O próprio Davidson nega a existência de leis psicofísicas, como fica muito claro em Mental Events. Contudo, esta negação não implica na concepção de que as explicações psicológicas comuns não sejam causais.
44. Kim, J., "Physicalism"..., cit., p. 115., esclarece que Davidson menciona por mental o que entendemos por atitudes proposicionais, tais como crença, desejo e intenção, mas não sensações ou estados qualitativos agora frequentemente denominados por qualia.
45. Ibidem.
46. Ibid., p. 211.
47. A tese é sobretudo que o mental é nomologicamente irredutível. Pode haver verdade nas declarações gerais sobre o mental e o físico, as declarações que têm a forma lógica de uma lei; mas elas não são legalóides - lawlike (em um sentido forte de ser descrita) (Davidson, D., "Mental Events"..., cit., p. 216.
48. Ibidem.
49. Ibid., p. 217.
50. Fodor, J., "Making Mind Matter More", Philosophical Topics. 17, pp. 59-79, (1989), p. 6.
51. Ibidem.
52. Schiffer, S., "Ceteris Paribus Laws", Mind, 100, 397, (1991), pp. 1-17.
53. Ibid., p. 3.
54. No mesmo número da revista Mind de (1991), em que há o texto de Schiffer, está também publicada essa replica de Fodor, You can fool some of the people all of the time, everything else being equal; hedged laws and psychological.
55. Fodor, J., "You Can Fool Some of the People All of the Time, Everything Else Being Equal", "Hedged Laws and Psychological Explanations", Mind, 100, 397, (1991), pp. 19-34.
56. Ibid., p. 20.
57. A tese de Churchland é que o vocabulário (atitudes proposicionais) do senso comum poderia ser substituído pelo vocabulário fisicalista da ciência básica.
58. Ibidem.
59. Ibidem.
60. Evnine, S., Donald Davidson, Stanford, Stanford University Press, 1991.
Referencias bibliográficas
1. Kim, J., "Physicalism", in Wilson e Keil, F. C. The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, Cambridge, Massachusetts, (1999), pp. 645-647.
2. Stoljar, D., Physicalism, New York, Routledge, 2010, p. 10.
3. Fodor, J., "Special Sciences and the disunity of science as a working hypothesis" in In, Fodor, J., Representations: philosophical essays on the foundations of cognitive science, Cambridge-Massachusetts, The MIT Press, (1981), p. 128.
4. Fodor, J., A theory of Content and Other Essays, Cambridge Massachusetts, The MIT Press, 1990, p. 147.
5. Fodor, J., Special Sciences (1974), In, Fodor, J., Representations: philosophical essays on the foundations of cognitive science, Cambridge-Massachusetts, The MIT Press, (1981), p. 128.
6. Putnam, H., "The Nature of mental states" (1967). In Putnam, H., Mind, Language and Reality, Cambridge University Press, (1997), pp. 429-440.
7. Block, N., "Troubles with functionalism", (1978), In Block, Ned. Consciousness, functionalism, and representation, Massachusetts, The MIT Press, (2007), pp. 63-101.
8. Fodor, J., "Methodological solipsism considered as a research strategy in cognitive psychology", in The Behavioral and Brain Sciences, vol. 3, (1980), pp. 63109.
9. Miguens, S., "Uma Teoria Fisicalista do Conteúdo e da Consciência", D. Dennett e os debates da filosofia da mente, Porto, Campo das Letras, 2002.
10. Davidson, D., "Mental Events" (1970), In Davidson, D., Essays on Actions and Events, 2ª ed. Oxford, Clarendon Press, (2002), p. 207.
11. Fodor, J., "Making Mind Matter More", Philosophical Topics. 17, pp. 59-79, (1989), p. 6.
12. Schiffer, S., "Ceteris Paribus Laws", Mind, 100, 397, (1991), pp. 1-17.
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14. Evnine, S., Donald Davidson, Stanford, Stanford University Press, 1991. [ Links ]