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Archivos Latinoamericanos de Nutrición

versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806

ALAN v.55 n.2 Caracas jun. 2005

 

Perfil do aleitamento materno em menores de 2 anos na cidade de Itupeva, SP, Brasil

Aurea T. Minagawa, Ida M. V. Oliveira, Elizabeth Fujimori, Daniela Laurenti, Rosali M. J. M. Montero

Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo

 

RESUMO. O objetivo deste estudo foi estimar a freqüência do aleitamento materno (AM) e identificar variáveis associadas à sua duração mediana. Trata-se de um estudo transversal de base populacional realizada em amostra representativa de 261 crianças menores de 2 anos selecionadas aleatoriamente da área urbana de Itupeva, SP, Brasil. O AM foi classificado utilizando-se as recomendações da OMS. A freqüência e a duração mediana foram estimadas comutilizando-se a técnica de tábuas de vida. O teste de Wilcoxon foi empregado para identificar associação entre as variáveis categóricas (p<0,.05) na análise bivariada. Para análise multivariada, as variáveis associadas com a duração mediana do AM (Teste de Wilcoxon; p<0,10) foram inseridas num modelo de Regressão de Cox. Iniciaram a amamentação 97,.3% das crianças e 41,.0% ainda estavam em AM no momento da entrevista. A duração mediana do do AM foi de 7,2 meses e de AM exclusivo de apenas 28 dias. Associaram-se com a mediana de aleitamento: ordem de nascimento, uso de mamadeira, uso de chupeta, número de de filhos, situação conjugal da mãe e escolaridade do pai. O modelo de Regressão de Cox selecionou como significante as variáveis: ordem de nascimento (HR=1,68; IC95%=1,03-2,73), uso de mamadeira (HR=15,20; IC95%=3,69-62,01) e uso de chupeta (HR=2,84; IC95%=1,95-4,19). Pode-se concluir que o perfil do AM em Itupeva ainda se encontra distante da recomendação da OMS, necessitando da intensificação das ações de incentivo e apoio. As variáveis que influenciam o AM devem ser consideradas na operacionalização dessas ações, cabendo aos profissionais de saúde envidar todos os esforços para a aumentar a amamentação exclusiva em menores de 6 meses e prolongar o tempo total de amamentação.

Palavras-chave: Aleitamento materno; saúde da criança; epidemiologia

 

SUMMARY. Profile of breastfeeding in children under 2 years old in the city of Itupeva, SP, Brazil. The objective of this study was to estimate the frequency of breastfeeding and to identify variables associated with median breastfeeding length. It is a cross-sectional population-based study carried out in a representative sample of 261 children under 2 years old randomly selected in the urban area of Itupeva city, SP, Brazil. The breastfeeding patterns recommended by WHO were used. The frequency and the median length of breastfeeding were estimated by life tables technique. The Wilcoxon test was used to identify association between breastfeeding and the categorical variables (p<0.05) in the bivariate analysis. For the multivariate analysis, the variables associated with the breastfeeding length (Wilcoxon test; p<0.10) were inserted in a Cox Regression model. Almost 100% of the children have initiated breastfeeding and 41.0% were in breastfeeding at the moment of the interview. The median length of breastfeeding was 7.2 months and exclusive breastfeeding was only 28 days. It was observed association between the breastfeeding length and the following variables: father’s schooling, mother’s marital status, number of children, sequence of birth, bottle-feeding and pacifier use. The Cox regression model selected as significant variables: sequence of birth (HR=1.68; IC95%=1.03-2.73), bottle-feeding use (HR=15.20; IC95%=3.69-62.01) and pacifier use (HR=2.84; IC95%=1.95-4.19). The current pattern of breastfeeding in Itupeva is still far from the WHO recommendations; therefore, encouragement and support to breastfeeding need to be intensified. Variables influencing breastfeeding should be considered in the attempt to increase breastfeeding. Health workers should dedicate all their efforts to increase the exclusive breastfeeding period in children under 6 months of age and increase the total breastfeeding period.

Key words. Breastfeeding; child health; epidemiology

Recibido: 28-01-2005     Aceptado: 27-07-2005

 

INTRODUÇÃO

 

O aleitamento materno tem merecido destaque entre as ações básicas de saúde pelo papel fundamental que desempenha na redução da morbi-mortalidade e melhoria da qualidade de vida infantil, protegendo o crescimento e o desenvolvimento normal e beneficiando biológica e afetivamente a criança e sua mãe, com grande eficácia e baixo custo.

Fundamentado em eEstudo colaborativo recente, da Organização Mundial de Saúde (OMS) destaca que a proteção conferida pelo leite materno contra mortes por diarréia é mais eficiente nos primeiros seis meses de vida quando comparada à proteção contra mortes por infecções respiratórias. Os resultados dessa meta-análise, baseada em cerca de três mil investigações científicas realizadas em diversos países, inclusive o Brasil, reiteraram o efeito protetor do aleitamento maternoLEITAMENTO MATERNO, mostrando que crianças menores de dois anos, não amamentadas, apresentam risco seis vezes maior de morrer por doenças infecciosas quando comparadas às amamentadas (1).

Desde o final da década de 70, OMS e Unicef estabelecem medidas para promover a saúde e nutrição da criança. No Brasil, a revisão de Rea (2) mostra a trajetória do programa nacional, com a implantação do Programa de Incentivo ao Aleitamento Materno em 1981, seguido da aprovação da Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e da regulamentação dos Bancos de Leite Humano em 1988, além do lançamento da Iniciativa Hospital Amigo da Criança com os "Dez passos para o sucesso do aleitamento materno" em 1991.

Entre os estudos de abrangência nacional, a Pesquisa Nacional Sobre Saúde e Nutrição (PNSN) realizada em 1989, mostrou que 97% das mulheres iniciavam a amamentação, com duração mediana de 134 dias, porém com apenas 72 dias de aleitamento materno predominante (3). Comparado com os dados do Estudo Nacional de Despesa Familiar desenvolvido (ENDEF) em 1974–75, constatou-se aumento considerável no índice de amamentação, pois o tempo mediano de aleitamento materno mais do que praticamente duplicou no período, elevando-se de 2,5 para 45,5 meses (4). Dados mais recentes, embora referentes apenas às capitais dos estados, mostraram que a mediana do aleitamento materno passou para 9,9 meses em 1999, porém a mediana do aleitamento materno exclusivo mantinha-se somente em 33 dias (5).

Assim, apesar dos ganhos obtidos, ainda há necessidade de se continuar a promover a amamentação, especialmente a prática do aleitamento materno exclusivo até os seis meses, que permanece bastante inferior às recomendações da OMS (6), da mesma forma que a manutenção do aleitamento materno, acrescido de alimentos complementares, até os dois anos de idade ou mais.

O tempo mediano, tanto do aleitamento materno geral quanto do exclusivo, tem sido associado a uma série de variáveis, tais como idade, situação conjugal e trabalho materno, escolaridade da mãe e do pai, paridade, tipo de parto, experiência prévia, peso ao nascer, momento da primeira mamada, uso de mamadeira e chupeta, entre outros, revelando a interação de determinantes sociais, econômicos, políticos, culturais e psicológicos (7- 9).

Considerando que a determinação de tais variáveis poderia contribuir para uma maior efetividade prática dos programas de promoção do aleitamento materno, com o controle e/ou modificação dos fatores suscetíveis de intervenção, desenvolveu-se este estudo que teve como objetivo analisar o perfil do aleitamento materno em crianças menores de 2 anos, identificando variáveis a ela associadas.Tendo em vista que o desmame precoce ainda representa um problema de saúde coletiva, que se associa diretamente à morbi-mortalidade infantil, e que estudos de abrangência populacional e de caráter local (o conhecimento dos determinantes daquela comunidade) são de suma importância para o direcionamento das políticas públicas locais de saúde e de incentivo ao aleitamento materno, justifica-se a realização deste estudo, que teve como objetivo estimar a freqüência e identificar variáveis associadas à duração mediana do aleitamento materno.

MÉTODOS

Este estudo transversal, de base populacional, integra um projeto mais amplo desenvolvido em Itupeva, SP, município localizado 70 km a oeste da cidade de São Paulo. A amostra do projeto maior foi delineada para ser representativa e proporcional ao número de crianças com idade inferior a 2 anos, residentes nos setores censitários que compunham a zona urbana do município. Para garantir a representatividade da amostra para os diversos sub-projetos, além da estimativa do número de crianças menores de dois anos e do número de domicílios na área urbana do município, considerou-se também uma prevalência estimada de 45% de anemia.

Utilizando-se o procedimento de amostragem por conglomerados, e com base na teoria da Inferência Estatística, obteve-se um tamanho amostral de 274 crianças, aceitando-se um erro de até 5,0%, com previsão de 10% de perdas e recusas. O sorteio foi realizado em três etapas, obedecendo-se ao critério de probabilidade. Sortearam-se inicialmente os setores censitários urbanos e as áreas urbanas isoladas (ou núcleos urbanos da zona rural), seguido dos conglomerados de domicílios (quadras ou quarteirões), e finalmente os domicílios individuais. A amostra final foi constituída por 261 crianças.

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa registrado na Comissão Nacional de Ética em Pesquisa e os dados foram obtidos a partir de um inquérito domiciliar, realizado nos meses de julho e agosto de 2001, por equipe treinada. A entrevista foi realizada somente com a mãe da criança, utilizando-se um formulário com questões objetivas e respostas fechadas.

Considerou-se como variável dependente, a freqüência e a duração do aleitamento materno, classificado de acordo com os indicadores recomendados pela OPS/OMS (10):

Aleitamento materno (AM): alimentação com leite materno, independente do consumo de qualquer complemento, lácteo ou não.

Aleitamento materno exclusivo (AME): alimentação exclusiva com leite materno, sem qualquer outro líquido ou sólido, porém podendo receber vitaminas, minerais ou medicamentos.

Aleitamento materno predominante (AMP): alimentação em que o leite materno constituiu a principal fonte de alimentação, porém inclui água, chás, suco de frutas, soro de rehidratação oral, porém nenhum outro leite ou alimento semi-sólido.

Aleitamento materno complementado em tempo oportuno: alimentação com leite materno e alimentos sólidos ou semi-sólidos, independente de receber outro leite ou outros líquidos.

Aleitamento materno contínuo 1: lactentes de 12 a 15 meses que continuam recebendo leite materno.

Aleitamento materno contínuo 2: lactentes de 20 a 23 meses que continuam recebendo leite materno.

Como variáveis independentes, foram estudadas características familiares (renda familiar per capita e escolaridade do pai); características maternas (idade, escolaridade, inserção no trabalho, situação conjugal, número de filhos, orientações sobre AM no pré-natal e no parto); e características infantis (idade, sexo, peso ao nascer, tempo e ordem de nascimento, uso de mamadeira e de chupeta).

Os dados obtidos foram inseridos em bancos de dados criados no programa Excel. A análise foi feita utilizando-se os pacotes estatísticos EpiInfo 6, Statistical Package for Social Science - SPSS 8.0 e Stata.

Para se obter as estimativas do AM atual (no momento da entrevista) e respectivos intervalos de 95% de confiança, considerou-se o setor censitário como unidade primária de amostragem.

Obteve-se o tempo mediano de AM utilizando-se a técnica de tábuas de vida, considerando-se como evento final a interrupção definitiva da amamentação. Em relação à criança que ainda recebia leite materno, o tempo de AM referiu-se à própria idade da criança. O uso dessa técnica permitiu utilizar informações tanto de crianças desmamadas como daquelas amamentadas no momento da entrevista, favorecendo uma análise longitudinal dos dados, mesmo tendo sido o estudo delineado como transversal. No caso do AME e do AMP, foram considerados como evento final a introdução de água, chás ou sucos e a introdução de qualquer outro alimento, respectivamente. As crianças que nunca haviam recebido leite materno foram consideradas como se tivessem iniciado a amamentação e parado logo depois (tempo de AM = 0).

A associação entre a variável dependente, expressa em curvas de sobrevida do AM, e as variáveis independentes foi inicialmente avaliada através do teste de Wilcoxon, adotando-se um nível de significância de 5%. Na análise multivariada, as variáveis que apresentaram associação com o tempo de AM, no nível de significância de 10% (P<0,10), foram analisadas adotando-se o modelo de Regressão de Cox, com processo de seleção de variáveis "backward", utilizando-se como variável dependente o tempo de AM. Os resultados foram expressos em hazard ratio - HR (razão de densidade de incidências), com intervalo de 95% confiança (IC).

RESULTADOS

Do total das crianças estudadas, apenas sete não iniciaram a amamentação, ou seja, 97,3% haviam sido ou estavam sendo amamentadas. A Tabela 1 apresenta os indicadores do AM no momento da entrevista, de acordo com a classificação da OMS. Observa-se que mais da metade das 261 crianças estudadas já haviam sido desmamadas, uma vez que somente 41% estavam em AM (IC95%: 35,0 – 47,0). Entre os menores de 4 meses, 77,8% recebiam leite materno (IC95%: 65,2 – 90,4), porém apenas 17,8% estavam em AME (IC95%: 6,7 – 29,4) e 31,1% já estavam em AMP (IC95%: 17,0 – 45,0). Cerca de um quarto dos menores de 6 meses já não recebiam mais leite materno.

TABELA 1

Indicadores da situação do Aleitamento Materno (AM) atual, no momento da entrevista. Itupeva, São Paulo, 2001

 

A Figura 1, construída a partir da técnica de tábuas de vida apresenta o padrão de AM, AME e AMP no decorrer dos primeiros dois anos de vida. A probabilidade de amamentação no final do primeiro mês era de 89,6%, caindo para 70,0% e 61,5% aos quatro e seis meses, respectivamente. A curva apresenta declínio mais acentuado nos primeiros seis a sete meses, revelando o quão elevada é a taxa de desmame nesse período. Aos 12 meses, a probabilidade das crianças continuarem sendo amamentadas era de apenas 38,1%, e de 24,6% aos 18 meses. A curva de sobrevida revela também que aos 24 meses, a proporção de crianças que continuariam em AM seria de apenas 19,5%. A duração mediana do AM (idade em que a metade das crianças ainda é amamentada) para todas as crianças estudadas foi de 7,2 meses. As curvas de AMP e AME revelaram que ao final do primeiro mês, apenas 47,7% das crianças encontravam-se em AME, proporção que cai para 35,6% aos dois meses e 11,3% aos quatro meses. A mediana do AME foi de apenas 0,9 meses (28 dias). A probabilidade da criança estar em AMP, ou seja, receber água, outros líquidos ou alimentos, no primeiro mês de vida era de 18,8%, passando para 60,9% no terceiro mês de vida.

FIGURA 1

Duração estimada do aleitamento materno (AM), aleitamento materno exclusivo (AME) e aleitamento materno predominante (AMP) mediante o uso de curvas de sobrevida. Itupeva, São Paulo, 2001

A associação entre a duração do AM e as variáveis estudadas está apresentada na Tabela 2. A duração do AM associou-se inversamente com a escolaridade do pai, de forma que crianças de pais com menor escolaridade (£ 3 anos de estudo) mamavam por tempo significativamente maior comparada às crianças de pais com maior escolaridade. Também a situação conjugal da mãe influenciou no tempo de AM, pois aquelas que viviam com o companheiro amamentavam significativamente mais tempo. Em relação ao número de filhos e ordem de nascimento, verificou-se que a duração do AM das mulheres com um filho era menor em relação àquelas com três ou mais filhos e que os primeiros filhos eram amamentados por menos tempo em comparação aos filhos de terceira ordem em diante. A duração mediana do AM foi significativamente maior entre as crianças que não faziam uso da mamadeira, da mesma forma que entre aquelas que não faziam uso da chupeta (havendo uma diferença de mais de dez meses na mediana de duração do AM).

TABELA 2

Variáveis estudadas e associação com o tempo de Aleitamento materno (AM).Itupeva, São Paulo, 2001

A Tabela 3 mostra o resultado estatístico da análise multivariada. O modelo de Regressão de Cox selecionou como significativas apenas as variáveis ordem de nascimento, uso de mamadeira e uso de chupeta. Observa-se que as crianças de primeira ordem apresentaram chance 1,68 vezes maior de terminar o segundo ano de vida desmamadas, em relação àquelas de terceira ordem. Essa chance foi 2,84 vezes maior para as crianças que faziam uso de chupeta e 15,2 vezes maior para aquelas que faziam uso de mamadeira, comparadas àquelas que não faziam uso de chupeta e mamadeira, respectivamente.

TABELA 3

Valores do Hazard Ratio, intervalo de confiança (IC) e significância estatística (p) obtidos no modelo de Cox para as variáveis finais selecionadas, tendo o desmame aos 24 meses como variável dependente. Itupeva, São Paulo, 2001

DISCUSSÃO

Como parte de uma investigação mais ampla que teve como finalidade caracterizar os determinantes das condições de saúde e nutrição da população menor de dois anos da cidade de Itupeva, este estudo avalia o perfil do AM a partir de inquérito domiciliar. Apesar da amostra ter sido calculada para uma prevalência esperada de 45% de anemia, a prevalência de AM encontrada, 41% (IC95%: 35,0-47,0) com um erro de 6%, mostra que o cálculo amostral também foi válido para estudar o AM.

Em estudos de natureza transversal, os dados sobre o AM podem ser obtidos a partir de recordatório de 24h, isto é, da freqüência de crianças amamentadas no dia anterior ao da entrevista (current status) ou a partir de dados colhidos de forma retrospectiva, como no presente estudo. Neste caso, a análise dos dados com o emprego da técnica de tábuas de vida, permite obter uma estimativa longitudinal do aleitamento, possibilitando estudar a prevalência desse evento e a incidência do desmame, com número menor de observações. Apesar disso, a análise dos resultados encontrados deve considerar o viés de memória, comum nos estudos que obtém informações retrospectivas (11). Entretanto, mesmo não se obtendo o consumo alimentar da criança nas 24 horas anteriores à da entrevista, a mãe foi questionada sobre o estado atual da amamentação e a idade de introdução de determinados alimentos, possibilitando assim a construção da Tabela 1, similar à de estudos que utilizam o método current status, podendo-se fazer algumas analogias.

Tendo em vista essas considerações é que se analisam e discutem os parâmetros do AM ora estudados, isto é, a proporção de crianças amamentadas e o tempo em que elas permaneceram em AM (duração mediana), além da associação entre a duração mediana do AM e variáveis familiares, maternas e infantis, traçando-se alguns paralelos com perfis já determinados em outras localidades do Brasil.

Os resultados obtidos revelaram que quase a totalidade das crianças iniciou o aleitamento materno em Itupeva (97,3%). Essa proporção é similar àquela encontrada no Brasil em 1989 (97,0%) pela Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição (3).

Apesar disso, a situação do AM na área urbana de Itupeva é preocupante, pois nos meses seguintes, a proporção de crianças amamentadas diminuiu rapidamente, caracterizando um quadro de desmame precoceestá muito aquém das recomendações da OMS (1991). No momento da entrevista,Embora quase a totalidade das mães iniciasse a amamentação, menos da metade das crianças estavam sendo amamentadas (41,0%)no momento da entrevista, apesar do AM ser recomendado até os dois anos de vida ou mais. Em relação. Entre os menores de 4 e 6 meses, a proporção de crianças em AM era de 77,8% e 71,8%, enquanto encontravam-se em AME, somente 17,8% e 12,7%, respectivamente exclusivo.

Esses resultados encontram-se bastante aquém daqueles relatados para os menores de 4 meses do Distrito Federal (12), 85,3% e 26,8% de crianças em AM e AME, respectivamente, porém similar aos verificados para os menores de 6 meses, 70,9% e 12,8%. Já em relação a São Carlos (13), observou-se dados similares quanto ao AM aos 4 e 6 meses (73,3com apenas 1,8% das crianças de 6 meses encontravam-se em AME e % e 63,8%, respectivamente), enquanto o AME foi maior tanto entre os menores de 4, quanto entre os menores de 6 meses (37,8 e 27,7%, respectivamente)em AME aos 3 meses de idade.

A duração mediana do AM em Itupeva foi de apenas 7,2 meses, tempo inferior à mediana brasileira de aos 9,9 meses constatados pelo Ministério da Saúde nas capitais brasileiras, no último estudo de maior abrangência (5),. contudo superior aos 6,6 meses em Ouro Preto (14) e na região Nordeste do Brasil (7).

EEm relação ao AME, a duração mediana de encontrada (28 dias) reitera os preocupantes 33 dias relatados encontrados para o Brasil (5) e 39,4 dias no Distrito Federal (12). Além disso, ao final do primeiro mês somente 47,7% das crianças encontravam-se em AME, proporção que aos quatro meses caiu para 11,3%. Esses dados indicam que a situação do AME é crítica, tanto em Itupeva quanto em outras localidades do Brasil.

Audi et al (8) verificaram que quase um quarto das crianças com menos de 90 dias recebiam água ou chá no Município de Itapira. César et al (15), entrevistando todos os médicos que prestavam atendimento a crianças em Pelotas, encontraram cerca de metade recomendando o uso de chás para crianças menores de seis meses, para o tratamento de cólicas, ainda que não haja evidências científicas que comproveando esse efeito benéfico. Esses comportamentos se refletem na extensão do AMPno encontrado no presente estudo, que apresentouteve mediana mais próxima dea 4 meses que o aleitamento materno exclusivo.

Algumas variáveis que têm sido classicamente relacionadas ao tempo de AM - renda familiar, idade, escolaridade e trabalho maternos, orientações sobre AM, baixo peso ao nascer e nascimento pré-termo - não interferiram na prática da amamentação em Itupeva.

A mediana de AM foi quase a metade quando a mãe não vivia com companheiro, denotando que a presença do pai é importante e se associa com maior duração do AM. Issler et al (16) constataram que o apoio do pai é fundamental na decisão de amamentar e também na duração do AM, destacando a importância de considerar o pai nos programas de incentivo ao AM.

A associação entre menor escolaridade paterna e maior duração do AM contraria a tendência secular dos padrões de AM evidenciada pela OMS (17) e constatada no Município de São Paulo (9). De acordo com essa análise, a tendência observada é que após um período de baixa prevalência e duração, a retomada do AM tem início nas classes mais privilegiadas (com mais informação e acesso aos serviços de proteção e apoio ao AM) que posteriormente influencia o comportamento das classes mais pobres. Nos anos de 1973/74, verificou-se que menor número de mulheres das classes de renda mais elevada amamentavam no Município de São Paulo (18). Já na década seguinte, nos anos de 1984/85, Monteiro et al (9) confirmaram a tendência observada pela OMS (17), uma vez que encontraram associação positiva entre duração mediana da amamentação e escolaridade do chefe da família.

Em relação ao número de filhos e ordem de nascimento, as primíparas amamentaram por menos tempo, da mesma forma que o observado por por Issler et al (16) e Gigante et al (19).O Issler et atl (16) lembram que a "primigesta não tem nenhuma experiência orgânica ou emocional anterior", fato reiterado neste estudo, uma vez que crianças de terceira ordem em diante foram amamentadas por mais tempo. Por sua vez, Oo estudo prospectivo de Ingran et al, Woolridge e Greenwood (20), que analisaram a quantidade de leite produzido, constataramrealmente que as primíparas produziam significativamente menos leite que as multíparas.

A OPS/OMS (10) recomenda estudar a freqüência da alimentação do lactente com mamadeira, pois essa prática prejudica o AM, diminuindo a sucção e conseqüentemente a produção do leite, que favorece o desmame e aumenta a taxa de morbidade e mortalidade por diarréia. Em Itupeva, comprovou-se que a mediana de AM decresceu 17,4 meses com o uso da mamadeira, diferença superior àquela verificada na Região Nordeste do Brasil, que foi de 13,9 meses em 1996 (7).

Quanto ao uso da chupeta e sua relação com o AM, muito se tem estudado, especialmente depois que Victora et al (21) demonstraram maior risco de desmame entre usuárias de chupetas. Embora a chupeta não tenha sido constatada como causa, representa uma ferramenta importante para o desmame, uma vez que mães "menos à vontade para amamentar" sofrem mais interferência da chupeta do que aquelas mais seguras em relação à amamentação. Assim, apesar da não causalidade, Victora et al (22) sugerem que a chupeta seja utilizada como um marcador para identificar crianças e mães com dificuldade para amamentar. Diferentemente desses resultados, Aarts et al (23) constataram que o uso da chupeta diminuiu a duração do AM, mesmo em mães motivadas para amamentar e com experiência prévia. Para Howard et al (24) e Marques et al (25), o fato da chupeta aumentar o intervalo das mamadas e diminuir o estímulo para a produção do leite explica em parte a associação confirmada entre o uso dessa ferramenta e a menor duração do AM.

Dados do Ministério da Saúde revelam que 53% das crianças menores de 1 ano usam chupeta no Brasil (5). Victora et al (22), em estudo epidemiológico e etnográfico que envolveu visita em 650 domicílios de mães e bebês no Sul do Brasil, constataram que com 1 mês, 85% dos bebês usavam chupeta. Mesmo em população orientada para evitar seu uso, constatou-se que 61,6% a utilizavam no final do primeiro mês de vida (26). Assim, para Lamounier (27), apesar da relação bem estabelecida entre uso de chupeta e menor duração do aleitamento materno, tal associação necessita ser mais estudada e explicada, principalmente porque esses hábitos são muito difundidos e culturalmente arraigados no Brasil e em outros países.

Cabe ressaltar que os resultados do presente estudo não possibilitaram definir relação de causa e efeito, uma vez que a exposição e o desfecho foram avaliados ao mesmo tempo. O que se constatou foi menor duração de AM entre crianças que utilizavam mamadeira e chupeta no momento da entrevista. Além, disso, apesar de representativo da população de crianças menores de dois anos, a amostra estudada pode ter sido reduzida a ponto de não indicar associações do AM com variáveis importantes, reconhecidamente associadas com essa prática. Mesmo assim, os resultados permitem estabelecer algumas conclusões e recomendações.

Em primeiro lugar, a sinalização de que o maior problema encontrado em Itupeva refere-se ao tempo extremamente curto de AME, indicando que a introdução de outros alimentos é precoce. Em segundo lugar, a constatação de Constatou-se que diversas variáveis associaram-se estatisticamente com o tempo de AM, reiterando-se : ordem de nascimento, orientação sobre AM no local do parto, número de filhos, situação conjugal materna, trabalho regular materno e escolaridade paterna, além de uso de mamadeira e uso de chupeta. Aassim, reitera-se o conceito estabelecido de que o declínio ou o aumento do AM é determinado por uma multiplicidade de variáveis complexas e inter-relacionadas que devem ser consideradas na identificação de prioridades para o planejamento de intervenções de apoio ao AM..

No caso de Itupeva SP, os resultados apontam que as primigestas e aquelas que vivem sem companheiro devem ser priorizadas nas intervenções, e que o uso de mamadeiras e chupetas deve ser desestimulado. Além disso, os dados do presente estudo reforçam revelam a necessidade de se melhorar a qualidade do pré-natal e do atendimento ao partoimplementar ações de promoção, proteção e apoio ao AM, cabendo aos profissionais de saúde envidar todos os esforços nos serviços de saúde do município, com vistas a aumentar a amamentação exclusiva em crianças menores de 6 meses e prolongar o tempo total de amamentação. Destaca-se que a educação das gestantes e puérperas é fundamental para a promoção do AM, porém mais importante é a educação dos profissionais de saúde, que devem ter conhecimento sobre o assunto e manter atitudes positivas em relação ao AM (39). Além da orientação no pré-natal e pós-parto imediato, .Albernaz e Victora (40) ressaltam a importância do apoio às mães após a alta hospitalar, com a inclusão de orientações relacionadas à técnica de aleitamento e resolução de problemas que a mãe venha a encontrar concretamente durante a amamentação.

Reforça-se, pois, a necessidade de se implementar ações de promoção, proteção e apoio ao AM, com mobilização de toda a equipe de saúde e adoção de medidas simples, que vêm se mostrando essenciais para melhorar os padrões de AMPara Giugliani (1994), a educação das gestantes e puérperas na promoção do AM é fundamental para a promoção do AM, porém mais importante é a educação dos profissionais de saúde, que além do conhecimento sobre o assunto, devem manter atitudes positivas em relação ao AM.

ÁUREA, AQUI ESTÁ DIFÍCIL DE ENTENDER, E QUEM É BARROS???Em outro estudo, a participação em um grupo que abordava problemas relativos ao AM aumentou o índice de AME no primeiro mês de 55,0% para 31,0% (grupo controle). Aos quatro meses, esses índices foram de 31,0% e 18,0%, respectivamente (Barros et al 1995).

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem a colaboração prestada por diversas pessoas e instituições sem cujo apoio a coleta dos dados e o desenvolvimento deste estudo não seria possível. De forma especial, expressamos nossos agradecimentos:

às mães e crianças que aceitaram participar do estudo à Prefeitura Municipal de Itupeva: Sr. Dorival Raimundo, Prefeito Municipal; Sr. Antonio Sergio Pereira, Diretor de Saúde; Sr. Antonio Gropelo, Diretor de Planejamento; Sr Benedito e motoristas, especialmente Sr. Pedrinho à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Capes, pelas bolsas concedidas à Maria Mercedes Loureiro Escuder pelo auxílio estatístico e pelas sugestões à Francine Fernandes Pires e Carolina Anunciação Ramos pela colaboração na coleta dos dados

REFERÊNCIAS

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