SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.56 número1Transición Nutricional: una revisión del perfil latinoamericanoPerfil lipídico en preescolares venezolanos según nivel socioeconómico. índice de autoresíndice de materiabúsqueda de artículos
Home Pagelista alfabética de revistas  

Servicios Personalizados

Revista

Articulo

Indicadores

Links relacionados

  • No hay articulos similaresSimilares en SciELO

Compartir


Archivos Latinoamericanos de Nutrición

versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806

ALAN v.56 n.1 Caracas mar. 2006

 

Ácidos Graxos Trans: Alimentos e Efeitos na Saúde

 

André Gustavo Vasconcelos Costa (1), Josefina  Bressan (2), Céphora Maria  Sabarense (2) 

 

 (1) Mestrando em Ciência da Nutrição, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, Minas Gerais, Brasil.

 (2) Professora Doutora, Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa. Viçosa, Minas Gerais, Brasil.

Correspondência: Josefina Bressan (jbrm@ufv.br), Departamento de Nutrição e Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Campus Universitário, s/nº, Viçosa - MG, Brasil; CEP: 36570-000. Telefone: (31) 3899-2692, Fax: (31) 3899-3176. 

Resumo

Os ácidos graxos trans podem ser encontrados em alimentos obtidos a partir de animais ruminantes e em alimentos que contêm gordura vegetal parcialmente hidrogenada, como os "fast food". O consumo dos ácidos graxos trans é maior nos Estados Unidos, no Canadá e em países da Europa e menor no Japão e em países do Mediterrâneo. De forma semelhante, a incidência de doenças cardiovasculares são maiores naqueles países que apresentam um maior consumo. Os estudos demonstram que esses ácidos graxos podem contribuir para o aumento de LDL e de lipoproteína [a], além de reduzir os níveis de HDL. Ainda, os isômeros trans parecem inibir a ação de enzimas de dessaturação dos ácidos graxos essenciais (Δ5- e Δ6-dessaturase), inibindo a biossíntese de importantes ácidos graxos, como o ácido araquidônico e o ácido docosahexaenóico (DHA). Sobre a saúde materno-infantil, as concentrações de ácidos graxos trans ingeridos pela nutriz estão associadas às concentrações encontradas no leite materno. Além do leite, tais isômeros podem ser transferidos ao recém-nascido pela via placentária. Os estudos sugerem que os ácidos graxos trans afetariam o crescimento intra-uterino devido à inibição do metabolismo dos ácidos graxos essenciais, pelas enzimas dessaturases. A inibição dessas enzimas pode ser também um fator desencadeante de uma precoce lesão aterosclerótica. Porém, os efeitos dos ácidos graxos trans sobre a saúde ainda não são conclusivos e não existem recomendações para seu consumo. Além disso, no Brasil, os estudos para determinar o teor desses isômeros nos alimentos ainda são incipientes, o que demonstra uma grande necessidade de pesquisas nesta área. 

Palavras chave: ácidos graxos trans, alimentos, doença cardiovascular, lipoproteínas, desenvolvimento infantil

Trans fatty acids: foods and effects on health

Summary 

Trans fatty acids can be found in foods derived from ruminant animals and foods that contain partially hydrogenated fat such as fast foods. The consumption of trans fatty acids is larger in the United States, Canada, and some European countries than in Japan and Mediterranean countries. The incidence of coronary heart diseases is higher in countries where the consumption of trans fatty is high. Studies show that trans fatty acids can contribute to increase LDL and lipoprotein [a], and to reduce the levels of HDL. In addition, trans isomeric seems to inhibit the action of desaturase enzymes of essential fatty acids (Δ5- and Δ6-desaturase) by holding back the biosynthesis of important fatty acids such as arachidonic acid and docosahexaenoic acid (DHA). With respect to pregnant women’s and infant’s health, concentrations of trans fatty acids ingested by the mother are associated to concentrations found in the maternal milk. Besides the milk, the trans fatty acids can be transferred to the newly born through the placenta. Studies suggest that trans fatty acids can affect intra-uterine growth due to the inhibition of the conversion of essential fatty acids by desaturase enzymes. The inhibition of DHA can also cause early atherosclerosis lesion. However, studies on the effects of trans fatty acids on health are still inconclusive and there are no current recommendations on their consumption. Additionally, in Brazil, studies to determine the composition of trans isomeric in foods are still incipient, which indicates a great need of research in this area.

Key words: trans fatty acids, food, coronary disease, lipoproteins, child development

Recibido: 14-09-2005    Aceptado: 20-02-2006

 

Introdução

Os lipídios sempre estiveram presentes na dieta dos humanos. Estima-se que uma típica dieta do período Paleolítico era composta por 50% de alimentos de origem vegetal e 50% de origem animal. Em períodos mais recentes, com o advento da revolução industrial, no século XVIII, o desenvolvimento da agroindústria e modernização de técnicas de processamento de alimentos permitiu o surgimento de produtos alimentares, como farinhas e óleos vegetais (1).

Ao longo do século XX, a produção de gordura vegetal parcialmente hidrogenada apresentou um significativo aumento devido ao seu baixo custo e capacidade para ser utilizada em produtos que necessitam do processo de fritura ou que requerem gordura no processamento (2).

Em 1975, os alimentos apresentavam em seu rótulo o conteúdo de ácidos graxos totais, ácidos graxos saturados (AGS), ácidos graxos polinsaturados (AGP) e colesterol, visto que, pesquisas da época já associavam o consumo de AGS com a gênese de doenças cardiovasculares (1). Atualmente, os estudos enfatizam que o aumento da ingestão de AGP e AGM e a redução do consumo de AGS e AG trans apresentam efeitos benéficos para a prevenção e tratamento de doenças crônico-degenerativas não transmissíveis.

Os ácidos graxos trans (AG trans), isômeros geométricos e de posição dos ácidos graxos instaurados naturais, sempre fizeram parte da dieta humana. Os produtos de origem animal, carnes e leites de animais ruminantes eram as principais fontes desse tipo de ácido graxo. Porém, no decorrer do século passado, o avanço da industrialização e as modificações do padrão dietético ocidental promoveram um sensível aumento do consumo desse lipídio na dieta (3).

Assim como os AGS, os AG trans são capazes de modular o perfil lipídico provocando um aumento nos níveis da lipoproteína de baixa densidade (LDL) e, diferentemente dos AGS, reduzir os níveis da lipoproteína de alta densidade (HDL) (2). Algumas evidências epidemiológicas, obtidas a partir de estimativas da ingestão de AG trans, utilizando-se questionários alimentares, sugerem a existência de uma forte correlação entre o consumo desses lipídios com a incidência de doenças cardiovasculares, no entanto ainda parece não existir um consenso na comunidade científica quanto a esse efeito dos AG trans (3).

Outros estudos, como o de Kohlmeier et al. (4), estabeleceram uma associação entre o consumo de AG trans e a incidência de câncer de mama, porém em estudos em animais os resultados não sustentam tal associação.

Atualmente, observa-se a presença cada vez mais significativa de AG trans nos alimentos, o que demanda atenção à comunidade científica, aos profissionais de saúde e aos consumidores sobre os efeitos desses isômeros sobre a saúde. Neste contexto, pretende-se com esta revisão apresentar os principais aspectos físico-químicos dos isômeros trans, sua presença na alimentação humana, seu efeito sobre as doenças cardiovasculares e sobre a saúde materno-infantil e recomendações para seu consumo.

Propriedades físico-químicas dos ácidos graxos trans

As gorduras consumidas na dieta são compostas de ácidos graxos e glicerol. De forma geral, os ácidos graxos são classificados em AGS, AGP e ácidos graxos monoinsaturados (AGM). As propriedades das gorduras dependem de seu perfil de ácidos graxos.

Devido à presença de insaturações a molécula lipídica pode apresentar isomeria de posição e isomeria geométrica. Os ácidos graxos são encontrados naturalmente na forma cis, em que os átomos de menor peso molecular encontram-se paralelos (Figura 1) e na forma trans, em que os átomos de menor peso molecular estão dispostos de forma diagonal (5).

Os AG trans são também formados durante o processo de hidrogenação, o qual provoca a solidificação de óleos vegetais líquidos devido à adição de átomos de hidrogênio no ponto de insaturação do ácido graxo (6). O ângulo das duplas ligações na posição trans é menor que seu isômero cis e sua cadeia de carboidratos é mais linear, resultando em uma molécula mais rígida com propriedades físicas diferentes, inclusive no que se refere à estabilidade termodinâmica (7).

Em óleos vegetais ou animais, o isômero cis é mais comumente encontrado. Porém, ácidos graxos insaturados ingeridos por ruminantes podem ser parcialmente hidrogenados por sistemas enzimáticos da flora microbiana intestinal desses animais (5). O primeiro passo da chamada bio-hidrogenação é a isomerização do ácido linoléico pela bactéria anaeróbica Butyrivibrio fibrisolvens e posterior formação de uma mistura que contém, principalmente, ácido trans-vacênico (18:1-11t) e em menor proporção ácido elaídico (18:1-9t) (3). Dessa forma, leites, seus derivados e carnes contêm isômeros na forma cis e trans.

Os isômeros geométricos trans de ácidos graxos insaturados são também formados no processo de fritura, no refino de óleos e no processo de hidrogenação (8), o qual reduz o número de duplas ligações (5).

Os produtos deste processamento apresentam-se, geralmente, sólidos à temperatura de 25ºC; embora exista uma grande variação das propriedades físico-químicas, especialmente no que concerne ao grau de hidrogenação empregada. O ponto de fusão do ácido oléico (9cis-18:1), ácido elaídico (9trans-18:1) e ácido esteárico (18:0), por exemplo, é de 13º C, 44º C e 70º C, respectivamente (9).  

Metas para a ingestão de ácidos graxos trans

A WHO ("World Health Organization") (10) propõe metas de ingestão de nutrientes para a população com o objetivo de prevenção das doenças crônico-degenerativas não transmissíveis, as quais se baseiam em uma alimentação saudável e balanceada, em que a moderação, variedade, proporcionalidade e equilíbrio são os pilares. As metas para ingestão de lipídios propostas pela WHO estão descritas na Tabela 1.

 

Tais metas não devem ser confundidas com recomendações nutricionais, uma vez que os efeitos dos AG trans sobre a saúde humana são controversos e seu mecanismo de ação ainda não está seguramente descrito. Assim como, o incentivo à prática de atividade física, a redução do consumo de carboidratos simples e evitar o tabagismo a redução do consumo de AG trans deve ser compreendida como uma medida preventiva contra doenças.

De forma semelhante ao posicionamento da WHO, a American Society for Clinical Nutrition (ASCN) (9) não sugere recomendações para o consumo de AG trans. O grupo salienta que os estudos epidemiológicos e clínicos associando os AG trans ao desenvolvimento e/ou aceleração de doenças não são conclusivos, são contraditórios e frequentemente são superestimados. A posição da ASCN se concerne na limitação da ingestão de ácidos graxos totais e de AGS, as quais devem ser menores do que 30% e 10% do total de energia, respectivamente. Esses níveis de ingestão de ácidos graxos, que são semelhantes à proposta da WHO, juntamente com a reeducação alimentar do indivíduo seriam capazes de reduzir a ingestão de AG trans.

Assim, as metas propostas pela WHO e o posicionamento da ASCN, em relação ao consumo de AG trans, referem-se à limitação da ingestão de alimentos com grande concentração desses isômeros, como frituras e alimentos processados, que utilizam como ingredientes as margarinas duras e os "shortenings". 

Teor de ácidos graxos trans nos alimentos

Além de estarem presentes em produtos in natura, os AG trans podem também ser encontrados em produtos alimentícios manufaturados como óleos vegetais, margarinas duras e algumas cremosas, creme vegetal, gordura vegetal hidrogenada, biscoitos, sorvetes, pães e produtos de padarias, batatas frita, pastelarias, bolos, massas, "snacks" e gorduras técnicas ou "shortening" (6)(11).

De acordo com Sabarense & Mancini-Filho (12) os AG trans monoinsaturados com 18 carbonos são os mais prevalentes na dieta, especialmente o ácido elaídico (C18:1 9t) e o ácido trans-vacêncio (C18:1 11t).

Embora o conteúdo de AG trans ainda não esteja disponível em tabelas de composição dos alimentos brasileiras e nem todos os rótulos de alimentos (11)(13), pesquisas têm procurado identificar o conteúdo em alimentos e o consumo diário desses lipídios.

Block & Barrera-Arellano (14) analisaram o total de AG trans de 42 amostras de margarinas, cremes vegetais e gorduras hidrogenadas comercializadas no Brasil, através de espectroscopia no infravermelho. Os teores de isômeros trans variaram de 12,3 a 38,1% (margarinas) e de 15,9 a 25,1% (cremes vegetais). Foi observada uma ampla faixa em relação ao teor de isômeros trans, apresentando, no entanto, valores elevados.

No estudo de Chiara et al. (11) analisaram os teores de AG trans de batatas fritas de redes de "fast food" e do tipo "chips", sorvetes e biscoitos comercializados na cidade do Rio de Janeiro (Brasil) utilizando-se cromatografia gasosa. O valor médio dos AG trans de batatas frita de "fast food" foi de 4,7%, enquanto em batatas "chips" não foi detectada a presença desses ácidos graxos. Nos sorvetes os valores variaram de 0,04% a 1,4% e em biscoitos de 2,8% a 5,6%. Nos biscoitos tipo "cream cracker" os valores de AG trans foram maiores que ácidos graxos insaturados. Concluiu-se que a composição de AG trans identificadas nas embalagens de alguns produtos não coincidia com os teores encontrados nas análises, destacando-se em muitas amostras teores elevados de AG trans, especialmente o ácido elaídico.

Bayard & Wolff (15) analisaram a tendência do consumo de AG trans, especificamente o ácido trans elaídico, em margarinas e "shortening", na cidade de Bordeaux, França. Para tal, analisaram margarinas disponíveis no comércio local e "shortening" utilizados na indústria alimentícia. Constatou-se que a média de ácido trans elaídico, em margarinas francesas, reduziu de 13% para 3,8%, em quatro anos. Por outro lado, a proporção do mesmo isômero em "shortening" aumentou de 53,5% para 62,5% e nas mesmas amostras analisadas o conteúdo de AGS e ácido trans elaídico representava 85% do total de ácidos graxos.

Os avanços na tecnologia de alimentos podem reduzir o conteúdo de AG trans em alimentos, uma vez que a melhoria no processo de hidrogenação (temperatura, pressão, tempo, catalisador, métodos e composição dos óleos utilizados) pode contribuir para a redução da formação desse tipo de ácido graxo.

Consumo de ácidos graxos trans

As estimativas individuais do consumo de AG trans dependem do estilo de vida e do grau socioeconômico. As médias de consumo em países desenvolvidos são estimadas em aproximadamente 7 a 8 gramas per capita por dia, ou aproximadamente 6% do total de ácidos graxos consumidos (16).

De acordo com a American Society for Clinical Nutrition (9), a estimativa do consumo de AG trans nos EUA é de 8,1-12,8 g/dia; o que representa 2 a 4% do total de calorias ingeridas. Por outro lado, Allison et at. (17) relatam que tal consumo seria na ordem de 5,3 g/dia. Os principais alimentos que contribuem para este elevado consumo são a margarina, os produtos de panificação e alimentos de "fast food". Segundo Semma (5), na alimentação norte-americana, 95% do consumo de AG trans são provenientes de óleos vegetais parcialmente hidrogenados e apenas 5% são provenientes de produtos obtidos a partir de ruminantes.

Em uma revisão, Larqué e colaboradores (7) apresentaram valores estimados do consumo de AG trans na Europa na ordem de 0,1-5,5 g/dia. No Japão, o consumo foi estimado em 1,56 g/dia (5).

Observa-se que o consumo na Europa e no Japão é menor que nos EUA. Tal diferença deve-se ao padrão alimentar europeu, especialmente dos países do Mediterrâneo, os quais apresentam um baixo consumo de alimentos ricos em ácidos graxos trans e um elevado consumo de ácidos graxos monoinsaturados e polinsaturados; e ao peculiar hábito alimentar da população japonesa, em que o consumo de alimentos ricos em lipídios e de ácidos graxos trans é baixo.

Uma redução no consumo da ingestão desses ácidos graxos foi também observada no Canadá, onde apenas 11% do total de isômeros trans consumidos são derivados de margarinas e o maior consumo tem origem em produtos de panificação e da rede de "fast food" (18). No Brasil, porém, ainda não existem estudos populacionais para estimativa do consumo de AG trans.

Em um estudo multicêntrico realizado na Europa ("TRANSFAIR Study"), envolvendo 14 países no período de 1995 a 1996, foram coletadas e analisadas 100 amostras de alimentos consumidos pela população, o que representaria 95% do total de gordura ingerida de cada país (19). A proporção de AG trans em margarinas cremosas variou de 0,1 a 17% do total de ácidos graxos e em margarinas duras e "shortenings" observou-se alta proporção, acima de 50%. Óleos vegetais apresentaram um baixo teor, sendo menor que 1%. O isômero trans do C18:1, apresentaram altos teores (acima de 94%); foi identificado em óleos vegetais endurecidos, e em manteigas entre 52% a 68% (20), sendo o principal isômero da dieta caracterizado no estudo.

Entre os países participantes do "TRANSFAIR Study", segundo Hulshof et al. (21), a ingestão de AG trans na Grécia e Itália foi de 0,5% e na Islândia de 2,1% do total de energia. Os países do Mediterrâneo apresentaram os menores consumos (0,5 a 0,8% do total de energia consumida), assim como a Finlândia e a Alemanha (menor que 1% do total de energia consumida). Ingestões moderadas foram observadas na Bélgica, Holanda, Noruega e Inglaterra, sendo maiores que o consumo da Islândia. Essa variabilidade deve-se provavelmente aos diferentes hábitos alimentares dos países apesar de sua proximidade. 

Efeitos dos ácidos graxos trans sobre a saúde

Devido ao processo de hidrogenação os ácidos graxos essenciais podem ser convertidos a novos isômeros artificiais, que se assemelham estruturalmente aos AGS. Esse processamento provoca a perda da atividade metabólica dos ácidos graxos naturais e inibição enzimática da dessaturação dos ácidos linoléico e linolênico. Um dos efeitos dessa modificação metabólica é o aumento do risco de doenças cardiovasculares. Estima-se que nos EUA 30.000 mortes prematuras/ano são devido ao alto consumo de AG trans (2). Outros efeitos como o retardo no crescimento intra-uterino e o retardo no desenvolvimento cerebral são também atribuídos aos AG trans (5).

Dados de um estudo prospectivo sugerem que o aumento de 2% de AG trans na ingestão energética está associado com o aumento de 1,25 do risco de desenvolvimento de doenças coronarianas (22). Esse aumento é mais expressivo que o acréscimo de 2% de AGS na ingestão energética total (2), embora os efeitos sobre a LDL sejam similares. O mecanismo que explica os efeitos dos isômeros trans sobre as doenças cardiovasculares ainda não é conhecido, porém sabe-se que eles estão relacionados à redução nas concentrações de HDL.

Scrimgeour et al. (23) estudaram o efeito do AG trans a -linolênico sobre a D5 e D6 dessaturase. Os dados obtidos sugerem que uma dieta rica em AG trans a -linolênico (0,6% de energia) não inibiu a conversão do ácido linoléico a dihomo-g -linolênico e a ácido araquidônico, contribuindo, porém, para uma redução significante da razão HDL/LDL.

Ross et al. (24) estudaram os efeitos de uma dieta rica em AG trans e outra rica em AGS sobre a vasodilatação pós-prandial em 21 homens saudáveis. Os resultados demonstraram que não houve diferença entre as duas refeições sobre a porcentagem da vasodilatação e sobre a parede cardiovascular. Porém, a dieta com AG trans provocou um aumento não significante nos níveis de triacilgliceróis e não provocou modificações nas concentrações de HDL, diferentemente da dieta rica em AGS.

Em geral, os estudos sugerem um efeito semelhante, no organismo, dos AG trans e dos AGS. Porém, os estudos associando os AG trans e a redução dos níveis de lipoproteínas plasmáticas, especialmente a HDL, são contraditórios (9). Tal fato foi demonstrado pelos estudos Scrimgeour et al. (23) e Ross et al. (24). Os diferentes efeitos dos AG trans sobre a HDL reportados pelos estudos, quer seja em animais quer seja em humanos, podem estar associados aos diferentes tipos de isômeros trans e/ou às diferentes concentrações destes na dieta. Por outro lado, a ação dos AGS sobre as lipoproteínas plasmáticas parece estar bem fundamentada.

Os AGP, como os ácidos graxos essenciais linoléico (C18:2 n-6) e linolênico (C18:3 n-3), são importantes para a formação de membranas celulares e são precursores para a síntese de eicosanóides. Para tal, esses ácidos graxos devem sofrer um aumento de sua cadeia carbônica, sobre a ação de enzimas elongases, e inserção de duplas ligações, pelas enzimas D5 e D6 dessaturase (Figura 2). Isômeros trans do ácido a -linolênico competem com a -linolênico (C18:3 n-3) pela D6-dessaturase. O AG trans C18:3 n-3 também é capaz de inibir a D5-dessaturase e conseqüentemente a formação de ácido araquidônico (23). Portanto, os isômeros trans podem inibir a biossíntese de compostos importantes para o organismo humano.

Incorporação de isômeros trans pelos tecidos

As propriedades físicas das membranas biológicas são determinadas pela composição dos ácidos graxos a ela incorporados, os quais modificam sua fluidez.

Os AG trans provenientes da dieta são absorvidos e incorporados nos tecidos humanos, cujas concentrações refletem o consumo. A incorporação dos isômeros cis e trans não são iguais tanto em tecidos diferentes quanto em um mesmo tecido. Os níveis de ingestão diária de AG essenciais também influenciam a incorporação nos tecidos, assim ingestões inadequadas desses AG permitem uma maior incorporação desses isômeros (16).

Os AG trans, em função da sua semelhança estrutural aos AGS, podem tornar a membrana celular mais rígida em relação aos isômeros cis. Conseqüentemente, a substituição de AGP cis por isômeros trans resulta em uma significante redução da fluidez da membrana, no entanto, menor que a substituição dos ácidos graxos cis por AGS (16).

No período de 1997 a 1998, Boué e colaboradores (25) investigaram a incorporação de diferentes isômeros trans (C16:1t, C18:1t, C18:2t e 18:3t) em fragmentos de tecido adiposo de 71 francesas adultas. Para a identificação dos ácidos graxos utilizaram cromatografia gasosa e cromatografia de camada delgada impregnada em nitrato de prata. Do conteúdo total de trans no tecido o isômero C18:1 apresentou a maior incorporação seguida por C18:2 e C16:1; isômero C18:3t não foi detectado. De acordo com esses dados estimaram que o consumo de AG trans por mulheres francesas é de 1,9g per capita. Os resultados indicaram que a incorporação de AG trans foi menor que em outros estudos realizados com indivíduos canadenses, norte-americanos e nativos do norte europeu, no entanto mais elevadas que os dados encontrados na Espanha.

Loï et al. (26) estudaram o efeito de isômeros trans sobre o metabolismo lipídico e sobre a agregação plaquetária em ratos tratados com dieta contendo 5% de isômeros (0,2g/100g de isômeros de a -linolênico), por um período de 8 semanas. Concluiu-se que, o teor de isômero adicionado à dieta foi suficientemente incorporado e metabolizado, sendo capaz de alterar o perfil de ácidos graxos no tecido de ratos. Porém, este estudo demonstra que os diferentes isômeros trans se comportam de diferentes maneiras no organismo humano. O isômero C18:3 D15t foi o que se incorporou em maior proporção nos tecidos e também foi o que sofreu maior metabolização, gerando o metabólito C20:5D17t, o qual foi detectado no fígado, plaquetas e fosfolipídios da aorta, mas não no coração. Por outro lado, o isômero C22:6D19t parece não ter sofrido metabolização, pois não foram detectados metabólitos deste composto nos tecidos. Em relação à agregação plaquetária, não foi observado diferença significante entre o grupo tratado com o isômero trans e o grupo controle (óleo de canola). Os autores relatam que em estudos similares, realizados com humanos, a alta ingestão de ácidos graxos polinsaturados trans não modificou significantemente a agregação plaquetária em relação ao grupo controle.

Em um estudo mais recente, Sabarense & Mancini-Filho (27) estudaram a incorporação de AG trans no fígado e no coração de ratos Wistar recém-desmados tratados por 8 semanas com dieta rica em isômeros trans (33% da fração lipídica) e com quantidades mínimas de ácido linoléico (8,0% da fração lipídica) e a -linolênico (0,7% da fração lipídica). Observaram a incorporação de 14% e 8,6% AG trans no fígado e coração, respectivamente. No entanto, não foi observado efeito inibitório desses isômeros no fígado sobre a formação do ácido araquidônico e docosahexaenóico (DHA). Houve uma redução da concentração de DHA no coração, provavelmente devido à deficiência da a -linolênico e deposição de AG trans.

Moore et al. (28) investigaram a incorporação e desaparecimento de AG trans em tecidos de ratos, após a interrupção do consumo de dieta. Os resultados indicaram que o isômero trans C18:2 foi, preferencialmente, incorporado pelos triacilgliceróis (TAG) do plasma, fígado, rim, coração e tecido adiposo. Após a retirada da dieta, a porcentagem de C18:2t reduziu rapidamente nos TAG do plasma, fígado, rim e coração. Porém, os TAG presentes no tecido adiposo ficaram retidos por 12 semanas. Concluíram que, em geral, 8 semanas após a retirada de dieta os níveis de C18:1t e C18:2t os AG trans já são eliminados, além disso as frações de TAG dos tecidos apresentaram uma grande afinidade aos isômeros trans, especialmente pelo C18:2t.

Relação dos ácidos graxos trans com as doenças cardiovasculares

A aterosclerose é uma condição caracterizada por alterações da íntima, representadas por acúmulo de lipídios, carboidratos complexos, componentes do sangue, células e material intercelular (29).

Devido à semelhança estrutural dos AG trans e dos AGS, estudos sugerem que os AG trans teriam um efeito semelhante àquele provocado pelo AGS no que concerne ao desenvolvimento de DCV.

De acordo com Shaefer (30), a gordura e o colesterol têm um importante papel na gênese de doenças cardiovasculares (DCV). Esta associação, provavelmente, deve-se à relação entre o efeito dos ácidos graxos e do colesterol sobre as lipoproteínas plasmáticas.

A composição dos ácidos graxos provenientes da dieta é um fator importante sobre a concentração do colesterol sérico, uma vez que os AGS tendem a elevá-lo e os AGP e AGM tendem a reduzi-lo (31). Os efeitos dos AGS e dos AG trans sobre a LDL são similares; porém, segundo Ross et al. (31), os AG trans promovem uma redução nos níveis de HDL, diferentemente dos AGS. Além disso, segundo os autores, estes isômeros promovem a inibição da atividade da paraoxonase, uma enzima que está envolvida na prevenção da oxidação lipídica e conseqüentemente do risco de DCV.

Segundo Mann (32), os países do norte europeu apresentam maiores incidências de DCV que os países mediterrâneos, da mesma forma o consumo de ácidos graxos trans é maior naqueles países em relação a estes últimos. Tal associação foi demonstrada em um estudo prospectivo realizado com mulheres americanas, o "Nurses’ Health Study", no qual se detectou uma relação positiva entre o consumo de AG trans e o risco de doenças coronarianas (33).

Dados obtidos do "TRANSFAIR Study" indicam que não foram encontradas associações entre o consumo de AG trans e os níveis séricos de LDL, HDL ou a razão LDL/HDL, após terem sido ajustados os fatores de risco para DCV (34). Segundo este estudo, não se exclui a possibilidade dos AG trans estarem envolvidos com o risco de DCV, uma vez que eles contribuem para a elevação da lipoproteína [a], a qual é altamente aterogênica.

Em um estudo multicêntrico com 8 países da Europa e Israel ("EURAMIC Study") foi investigada a presença de C18:1t do tecido adiposo de 671 homens que sobreviveram ao primeiro infarto do miocárdio. Os dados obtidos não sugerem associação entre o consumo do isômero com o risco de infarto. Porém, não excluíram a possibilidade que o alto consumo de AG trans teria um significante impacto no risco de infarto (35).

Em outro estudo multicêntrico - "TRANSLinE Study" - com 88 voluntários de 3 centros da Europa, investigou-se o efeito de uma dieta relativamente alta em trans a -linolênico (0,6% de energia) sobre a agregação plaquetária e sobre fatores homeostáticos. O consumo do isômero durante 6 semanas não elevou os fatores de risco para DCV, seja na agregação plaquetária ou seja na coagulação sangüínea (36).

Lemaitre e colaboradores (22) investigaram a associação da ingestão de AG trans com o risco de primeiro infarto. Os resultados indicaram que um moderado aumento de isômeros trans do ácido linoléico, presentes nas membranas de glóbulos vermelhos, estavam associados a um grande aumento no risco de primeiro infarto, porém os isômeros trans do ácido oléico não apresentaram associação. Os autores concluíram que novos estudos devem ser realizados para elucidar os efeitos dos isômeros trans do ácido linoléico e do ácido oléico.

Em um estudo mais recente, Mozaffarian et al. (37) pesquisaram a relação entre a ingestão de AG trans e marcadores inflamatórios (receptores TNF-R1 e TNF-R2 do Fator de Necrose Tumoral a, Interleucina 6 e Proteína C-Reativa) de 823 mulheres participantes do "Nurses’ Health Study" I e II. Após os ajustes para a análise de regressão, os resultados indicaram que a ingestão de AG trans está associada positivamente (P<0,001) com a elevação das concentrações dos receptores do Fator de Necrose Tumoral a . Por outro lado, os autores não encontraram associação entre o consumo de AG trans com as concentrações de Interleucina 6 (IL-6) e da Proteína C-Reativa (PCR). Porém, quando analisado o potencial de interação entre o consumo de AG trans (adição de 1% de ácido graxo) com as concentrações de IL-6 e de PCR de mulheres encontrou-se associação positiva (P de interação=0,03) para cada 1 unidade a mais no índice de massa corporal, após os ajustes para a análise. Concluiu-se que a ingestão de AG trans está possivelmente associada com marcadores de inflamação sistêmica das participantes, mas outros estudos devem ser realizados para investigação dos efeitos do AG trans sobre DCV.

Ação dos ácidos graxos trans sobre as lipoproteínas

Segundo Sales et al. (38), a gordura proveniente da dieta é absorvida sob a forma de monoacilgliceróis e uma vez dentro dos enterócitos são esterificados a triacilgliceróis. Estes são empacotados, em quilomícrons, para entrarem na corrente sangüínea, onde sofrem ação da lipase de lipoproteínas periférica (LLP) e ocorre troca de material com outras lipoproteínas. Os quilomícrons remanescentes são capturados pelo fígado, local onde os lipídios são re-empacotados e excretados na corrente sangüínea sob a forma de lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL). A VLDL sofre ação da LLP e dá origem a uma lipoproteína instável, lipoproteína de densidade intermediária (IDL), e esta se transforma em LDL (lipoproteína de baixa densidade). A função da LDL é transportar colesterol do fígado para os tecidos periféricos.

O acúmulo de LDL no plasma está associado ao risco de DCV, devido à redução de receptores de LDL nas células dos tecidos periféricos. Os AGS e o colesterol provocam uma elevação das concentrações de LDL, pois reduz a expressão do mRNA para o receptor de LDL (26).

Por outro lado, Gatto et al. (39), descreve que as concentrações de HDL (lipoproteína de alta densidade) estão inversamente associadas com o desenvolvimento de DCV. Esse efeito antiaterogênico da HDL é devido sua participação no transporte reverso de colesterol, em que o colesterol dos tecidos extra-hepáticos é transportado até o fígado para excreção juntamente com a bile ou redistribuído a outros tecidos.

O mecanismo pelo qual o HDL promove a remoção de colesterol dos tecidos parece envolver a enzima colesteril-éster transferase (CETEP), que atua transferindo o colesterol esterificado a LDL e a VLDL, que serão captadas pelo fígado (26).

Diferentemente dos dados encontrados no "TRANSFAIR Study" (34), outros autores salientam que os isômeros trans dos ácidos graxos monoinsaturados, por exemplo, do ácido oléico, estão associados à elevação das concentrações de colesterol total, TG e LDL e redução de HDL (40)(41)(42). Estes resultados controversos podem ser devido aos hábitos alimentares da população estudada, bem como, ao número de indivíduos inseridos no estudo e às discrepâncias nas análises. Porém, os autores parecem concordar que os AG trans elevam as concentrações da lipoproteína [a] (34)(39)(40), que é um complexo macromolecular constituído de LDL, que possui uma glicoproteína extra, denominada apoproteína [a]. A lipoproteína [a] é estruturalmente semelhante à LDL, no entanto é resistente às manipulações por meio da dieta. Parece que os AG trans são um dos raros componentes da dieta capazes de promover alterações dessa lipoproteína (43).

Guzmán et al. (40) investigou o efeito metabólico de AG trans comparado com cis nos hepatócitos, por meio do comportamento de enzimas do metabolismo de ácidos graxos (carnitina palmitoil-transferase I e acetil-CoA carboxilase). Os resultados demonstraram que as enzimas mencionadas não são responsáveis por distinguir a utilização hepática dos isômeros cis e trans. Além disso, o ácido elaídico foi preferencialmente metabolizado nos hepatócitos em relação a seu isômero ácido oléico, sendo considerado um bom substrato para a mitocôndria e para a oxidação peroxisomal. Por outro lado, o isômero trans demonstrou ser um fraco substrato para a célula e para a síntese de VLDL no fígado. O mecanismo para explicar tal preferência do isômero trans como substrato intramitocondrial é desconhecida, porém acredita-se que não se trata apenas de uma preferência para a oxidação, o que sugere que outros passos ou vias estão envolvidos em seu metabolismo.

Em um estudo in vitro Dashti et al. (42) estudou o efeito do ácido linoléico (C18:2c), ácido linoelaídico (C18:2t) e ácido palmítico (C16:0) sobre lipoproteínas hepáticas. Observou-se que o ácido linoléico, palmítico e principalmente o linoelaídico aumentou a secreção e acumulação celular de colesterol livre e colesterol esterificado, além de reduzir os níveis de TAG e fosfolipídios. Comparado com o ácido linoléico, o ácido linoelaídico elevou os níveis de LDL em 154% e de HDL em 50%, por outro lado o ácido palmítico elevou a LDL em 17% e não afetou a HDL. Sugeriu-se que os efeitos adversos dos AG trans estão relacionados com a composição e concentração das apolipoproteínas A-I e B.

Gatto et al. (39) pesquisou o efeito do ácido oléico (cis), do ácido palmítico (AGS) e de isômeros trans sobre o metabolismo do colesterol e lipoproteínas de ratos. Os animais tratados com trans tiveram uma redução dos níveis de colesterol total plasmático (P<0.005) e da concentração de lipoproteínas não HDL (P<0.005), comparados com o tratamento com isômeros cis. Por outro lado, não observaram diferença significante entre os níveis plasmáticos de HDL dos grupos tratados com AG cis e com AG trans, sendo 15% menor em relação ao grupo tratado com AGS. Os dados ainda sugerem que AG trans desempenham um papel na regulação do metabolismo de apolipoproteínas B e os efeitos sobre o metabolismo das lipoproteínas pode ter sido mascarado pela atividade da CETEP.

Em um estudo mais recente, Colandré et at. (44) investigou o impacto nutricional e metabólico de dietas contendo AGS, AG cis ou AG trans em ratos. Os resultados mostraram que os níveis de triacilgliceróis no plasma e no fígado foram maiores para AG trans e AGS em relação aos AG cis, porém o aumento no plasma deve-se aos AGS e no fígado aos AG trans. Os autores ainda relatam que a absorção aparente entre os ácidos graxos seguiu a seguinte ordem: AG cis > AG trans > AGS. Além disso, a excreção fecal dos AGS os dos isômeros trans foi maior que a dos isômeros cis. Os resultados sugerem um potencial risco da ingestão de trans e aumento da incidência de hipertrigliceridemia, DCV e aterosclerose.

Os estudos na área de lipídios são extremamente complexos, especialmente se tratando dos efeitos da dieta sobre a modulação lipídica no organismo animal. Os resultados encontrados por Gatto et al. (39) podem ter sido mascarados pela capacidade de absorção e pelo grau de excreção dos AG trans, os quais não foram verificados no estudo. Da mesma forma, Colandré et at. (44) não analisaram os efeitos dos isômeros sobre a modulação das lipoproteínas, deixando uma lacuna para compreensão do metabolismo lipídico, em especial os efeitos sobre a VLDL.

Embora sejam ainda controversos, os estudos apontam para uma capacidade dos AG trans em modular o perfil lipídico das lipoproteínas séricas, provocando um aumento das concentrações de LDL e reduzindo as concentrações de HDL. Os estudos, de uma forma geral, não descartam a possibilidade dos AG trans contribuírem para gênese das DCV, mesmo quando os resultados encontrados não suportam tal hipótese. Assim, observa-se a necessidade de novas pesquisas nesta área, a fim de elucidar os mecanismos pelos quais os AG trans alteram o metabolismo lipídico e para verificar a ação destes sobre as DCV.

Efeitos dos ácidos graxos trans sobre a saúde materno-infantil

Os AG trans provenientes da dieta podem ser incorporados pelos tecidos corpóreos e fluidos humanos e em animais experimentais, como o cérebro, fígado, tecido adiposo, baço, plasma e leite (7).

Em geral, as concentrações de AG trans ingeridos pela lactante estão associadas às concentrações encontradas no leite materno em dose-dependente (45). Assim foi evidenciado no estudo de Assumpção et al. (46), que pesquisaram os efeitos de diferentes conteúdos de AG trans da dieta sobre a atividade da lipase de lipoproteína (LPL) em tecidos maternos e sobre a composição de ácidos graxos do leite de ratas. Observou-se diminuição da lipogênese na glândula mamária (GM) de ratas que receberam 7% (g/kg de dieta) de gordura vegetal parcialmente hidrogenada, porém houve um aumento do conteúdo lipídico neste tecido. Os autores sugerem que a explicação para esta aparente discrepância pode ser devido ao aumento da atividade da LPL na GM, ocorrendo simultaneamente um maior fluxo sangüíneo para este tecido e, assim, uma maior oferta de nutrientes. Observou-se também um aumento da atividade da LPL da glândula mamária em todos os grupos que receberam dietas contendo AG trans, porém não foram encontrados estudos que demonstram o efeito dos isômeros trans sobre a atividade da LPL na GM. Os teores de ácidos graxos essenciais do leite foram significativamente menores nos grupos tratados com trans, porém não foi observada alteração nos níveis de ácido araquidônico, eicosapentaenóico e docosahexaenóico; a explicação para tal mecanismo é desconhecida.

Chiara et al. (13), em uma revisão, relata que os AG trans interferem na saúde materno-infantil devido a possível transferência de AG trans consumidos pela gestante para o feto, via placentária. Esses isômeros afetariam o crescimento intra-uterino devido à inibição da biossíntese dos ácidos graxos araquidônico e docosahexaenóico, especialmente pela inibição da enzima D6 dessaturase (7)(13)(47). Além disso, esses isômeros também podem ocasionar maiores riscos de pré-eclâmpsia, no entanto a explicação desse processo ainda não é conclusiva (48).

Outro fato agravante seria a possibilidade desses ácidos graxos contribuírem para a gênese precoce do processo aterosclerótico. A hipótese para tal fato estaria relacionada à deficiência de ácido linoléico ocasionada pela ação dos AG trans (13).

Outros estudos suportam a possibilidade dos AG trans exercerem um efeito negativo sobre a saúde do recém-nascido e do feto. No estudo de Innis & King (47) foi investigado a relação entre os ácidos graxos trans do leite de nutrizes (n=103) e sua incorporação nos triacilgliceróis de recém-nascidos em amamentação exclusiva (n=62). Os resultados indicaram que houve uma comparável concentração de AG trans da dieta materna, do leite materno e dos níveis de triacilgliceróis plasmáticos de lactentes; sugerindo uma incorporação destes isômeros, oriundos da alimentação materna, no tecido dos recém-nascidos. No estudo de Elias & Innis (49) foi pesquisada a associação entre as condições de nascimento e as concentrações de AG trans e de DHA dos triacilgliceróis plasmáticos de recém-nascidos. A ingestão materna de AG trans, no período gestacional, foi significantemente associada (P<0,05) às concentrações plasmáticas desses isômeros presentes nos fosfolipídios, ésteres de colesterol e triacilgliceróis maternos. Observaram uma relação inversa e significante entre as concentrações de AG trans dos triacilgliceróis plasmáticos dos recém-nascidos com o comprimento ao nascer. A mesma relação foi observada entre as concentrações de trans e de DHA presentes nos triacilgliceróis plasmáticos dos recém-nascidos. Os resultados deste estudo sugerem que os efeitos deletérios dos AG trans podem iniciar-se na fase intra-uterina.

Larqué et al. (50) pesquisaram os efeitos de AG trans sobre a atividade da D6 dessaturase em ratas prenhas. Nesse estudo, 3 grupos de 6 ratos cada um foram tratados com dietas experimentais contendo 0%, 15% e 30% de AG trans e contendo as mesmas proporções de ácido linoléico e ácido a -linolênico na dieta, por um período de 10 semanas. Observou-se incorporação em altas concentrações de AG trans na placenta e nos tecidos, materno e fetal, exceto no cérebro. A incorporação de AG trans pelo cérebro fetal foi baixa, mas foi ligeiramente mais alta que a concentração encontrada no cérebro das ratas mães. Isso sugere que houve uma baixa transferência desses isômeros para o sistema nervoso central durante o desenvolvimento inicial e a possibilidade de um mecanismo protetor. A atividade da D6 dessaturase no fígado das mães foi inibida pelo isômero trans.

Dessa forma, os estudos apontam para um efeito negativo sobre o crescimento e desenvolvimento fetal, devido à inibição da D6 dessaturase. Além disso, a semelhança dos efeitos dos AG trans aos AGS sugere que tais isômeros podem agir como um fator desencadeante de uma precoce lesão aterosclerótica. Nesse sentido, sugerem-se estudos comprobatórios que sustentem tal efeito.

Conclusão

É inegável a contribuição do processo de hidrogenação para a indústria alimentícia. No entanto, esforços devem ser feitos no sentido de otimizar as técnicas de produção dos ácidos graxos trans, uma vez que estudos da área mostram seus efeitos deletérios sobre a saúde humana.

O consumo de ácidos graxos trans pela população ocidental parece ser mais elevado que as recomendações para consumo propostas pela WHO. Assim, deve-se dar maior atenção a programas educativos no sentido de reduzir o consumo de alimentos ricos nesses ácidos graxos.

Vale ressaltar a necessidade de estudos populacionais no Brasil para diagnosticar os reais consumos de ácidos graxos trans nessa população. Observa-se a deficiência de informações sobre os teores de ácidos graxos trans em rótulos de alimentos e em tabelas de composição química de alimentos.

Em geral, os estudos, apesar de controversos, não descartam a possibilidade dos ácidos graxos trans estarem envolvidos na gênese das doenças cardiovasculares. A ação destes isômeros sobre essas doenças vem sendo amplamente enfocada. Por outro lado, observa-se um menor número de publicações demonstrado a ação deletéria dos ácidos graxos trans sobre a saúde materno-infantil. Neste contexto, são necessários mais estudos tanto para elucidar os mecanismos de ação dos ácidos graxos trans quanto para se verificar seus efeitos em longo prazo.

Referências

1. Lichtenstein AL. Dietary fat: a history. Nutr Rev  1999; 57: 11-4.        [ Links ]

2. Ascheiro A, Willett W. Health effects of trans fatty acids. Am J Clin Nutr  1997; 66  Suppl: 1006S-10S.        [ Links ]

3. Padovese  R, Mancini-Filho  J. Ácidos graxos trans. En: Curi  R, Pompéia  C, Miyasaka  CK, Procópio  J, editors. Entendendo a Gordura & os ácidos graxos. 1ª ed. São Paulo: Manole; 2002. p. 509-521.        [ Links ]

4. Kohlmeier  L, Simonsen  N, van’t Veer  P, Strain JJ, Martin-Moreno  JM, Margolin  B, et al. Adipose tissue trans fatty acids and breast cancer in the EURIMIC Study. Cancer Epidemiol Biomarkers Prev  1997; 6: 705-10.        [ Links ]

5. Semma  M. Trans fatty acids: properties, benefits and risks. J Health Sci  2002; 48: 7-13.        [ Links ]

6. Simopoulos AP. Trans fatty acids. En: Spiller  GA, editor. Handbook of lipids in human nutrition. 1ra ed. Ed Boca Raton: CRC Press; 1996. p. 91-9.        [ Links ]

7. Larqué  E, Zamora  S, Gil  A. Dietary trans fatty acids in early life: a review. 2        [ Links ]

8. Sanibal  EAA, Mancini-Filho, J. Perfil de ácidos graxos trans de óleo e gordura hidrogenada de soja no processo de fritura. Ciênc Tecnol Aliment  2004; 24: 27-31.        [ Links ]

9. American Society for Clinical Nutrition ASCN/AIN  Task Force on Trans Fatty Acids. Position paper on trans fatty acids. Am J Clin Nutr  1996; 63: 663-70.        [ Links ]

10. World Health Organization. Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Geneva: 2003.        [ Links ]

11. Chiara  VL, Sichieri  R, Carvalho  TSF. Teores de ácidos graxos trans de alguns alimentos consumidos no Rio de Janeiro. Rev Nutr  2003; 16: 227-33.        [ Links ]

12. Sabarense  CM, Mancini-Filho  J. Ácidos graxos trans e as lipoproteínas plasmáticas. J Brazillian Soc Food Nutr  2004; 27: 69-83.        [ Links ]

13. Chiara  VL, Silva  R, Jorge  R, Brasil  AP. Ácidos graxos trans: doenças cardiovasculares e saúde materno-infantil. Rev Nutr  2002; 15: 341-49.        [ Links ]

14. Block  JM, Barrera-Arellano  D. Produtos hidrogenados no Brasil: isômeros trans, características físico-químicas e composição em ácidos graxos. Arch Latinoam Nutr  1994; 44: 281-85.        [ Links ]

15. Bayard  CC, Wolff  RL. Trans-18:1 acids in French tub margarines and shortenings: recent trends. JAOCS  1995; 72: 1485-89.        [ Links ]

16. Velenzuela A, Morgado N. Trans fatty acid isomers in human health and in the food industry. Biol Res  1999; 32: 273-87.        [ Links ]

17. Allison  DB, Ergan  SK, Barraj  LM, Caughman  C, Infante  M, heimbach  JT. Estimated intake of trans fatty acid and other fatty acids in the US population. J Am Diet Assoc  1999; 99: 166-74.        [ Links ]

18. Ratnayake  WMN, Pelletier  G, Hollywood  R, Bacler  S, Leyte  D. Trans fatty acids in Canadian maragarines: recent trenes. J Am Oil Chem Soc  1998; 75: 1587-94.        [ Links ]

19. van Poppel  G, van Erp-Baart  MA, Leth  T, Gevers  E, Van Amelsvoort  J, Lanzmann-Petithory D, et al. Trans fatty acids in foods in Europe: the TRANSFAIR Study. J Food Compos Anal  1998; 11: 112-36.        [ Links ]

20. Aro  A, Van Amelsvoort  J, Becker  W, van Erp-Baart  MA, Kafatos  A, Leth  T, et al. Trans fatty acids in dietary fats and oils from 14 European countries: the TRANSFAIR Study. J Food Compos Anal  1998; 11: 137-49.         [ Links ]

21. Hulshof KFAM, van Erp-Baart MA, Anttolainen M, Becker W, Church SM, Couet C, et al. Intake of fatty acids in Western Europe with emphasis on trans fatty acids: the TRANSFAIR Study. Eur J Clin Nutr  1999; 53: 143-57.        [ Links ]

22. Lemaitre RN, King IB, Raghunathan TE, Pearce RM, Weinmann S, Knopp RH, et al. Cell Membrane trans-fatty acids and risk of primary cardiac arrest. Circulation  2001; 12: 697-701.        [ Links ]

23. Scrimgeour  CM, Macvean  A, Fernie  CE, Sébédio  JL, Riemersma  RA. Dietary trans a -linolenic acid does not inhibit D 5- and D 6-desaturation of linoléico acid in man. Eur J Lipid Sci Technol  2001; 103: 341-49.        [ Links ]

24. Ross  NM, Siebelink  E, Bots  ML, van Tol  A, Schouten  EG, Katan  MB. Trans monounsaturated fatty acids and saturated fatty acids have similar effects on postprandial flow-mediated vasodilation. Eur J Clin Nutr  2002; 56: 674-79.        [ Links ]

25. Boué  C, Combe  N, Billeaud  C, Mignerot  C, Entressangles  B, Thery  G. Trans fatty acids in adipose tissue of French women in relation to their dietary sources. Lipids  2000; 35: 561-66.        [ Links ]

26. Loï  C, Chardigny  JM, Almanza  S, Leclere  L, Ginies  C, Sébédio  JL. Incorporation and metabolism of dietary trans isomers of linolênico acid alter the fatty acid profile of rat tissues. J Nutr  2000; 130: 2550-55.        [ Links ]

27. Sabarense  CM, Mancini-Filho  J. Efeito da gordura vegetal parcialmente hidrogenada sobre a incorporação de ácidos graxos trans em tecidos de ratos. Rev Nutr  2003; 16: 399-407.        [ Links ]

28. Moore  CE, Alfin-Slater  RB, Aftergood  L. Incorporation and disappearence of trans fatty acids in rat tissues. Am J Clin Nutr  1980; 33: 2318-23.        [ Links ]

29. OMS (Organização Mundial de Saúde). Classificação Internacional de Doenças. 9a revisão. São Paulo: Centro Brasileiro de Classificação de Doenças; 1985.         [ Links ]

30. Schaefer  EJ. Lipoprotein, nutrition, and health disease. Am J Cln Nutr  2002; 75: 191-212.        [ Links ]

31. Roos  NM, Siebelink  E, Bots  ML, van Tol  A, Schouten  EG, Katan  MB. Trans monounsaturated fatty acids and saturated fatty acids have similar effects on postprandial flown-mediated vasodilation. Eur J Clin Nutr  2002; 56 ( 7): 674-679.        [ Links ]

32. Mann  GV. Metabolic consequences of dietary trans fatty acids. Lancet  1994; 343: 1268-71.        [ Links ]

33. Allison  DB, Denke  MA, Dietschy  JM, Emken  EA, Kris-Etherton  PM, Nicolosi  RJ. Trans fatty acids and coronary heart disease risk. Report of the expert panel on trans fatty acids and coronary heart disease. Am J Clin Nutr  1995; 62: 655-708.        [ Links ]

34. van de Vijver  LPL, Kardinaal  AFM, Couet  C, Aro  A, Kafatos  A, Steingrimsdottir  L, et al. Association between trans fatty acid intake and cardiovascular risk factors in Europen: the TRANSFAIR Study. Eur J Clin Nutr  2000; 54: 126-135.        [ Links ]

35. Aro  A, Kardinaal  AFM, Salminen  I, Kark  JD, Riemersma  RA, Delgado-Rodriguez  M, et al. Adipose tissue isomeric trans fatty acids and risk of myocardial infarction in nine countries: the EURAMIC Study. Lancet  1995; 345: 273-78.        [ Links ]

36. Armstrong  RA, Chardigny  JM, Beaufrère  B, Bretillon  L, Vermunt  SHF, Mensink  RP, et al. No effect of dietary trans isomers of a -linolenic acid on platelet aggregation and haemostatic factors in European healthy men: the TRANSLinE Study. Thromb Res  2000; 100: 133-41.        [ Links ]

37. Mozaffarian  D, Pischon  T, Hankinson  SE, Rifai N, Joshipura K, Willett WC, et al. Dietary intake of trans fatty acids and systemic inflammation in women. Am J Clin Nutr  2004; 79: 606-12.        [ Links ]

38. Sales  RL, Pelúzio  MCG, Costa  NMB. Lipoproteínas: uma revisão do seu metabolismo e envolvimento com o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. J Brazillian Soc Food Nutr  2003; 25: 71-86.        [ Links ]

39. Gatto  LM, Lyons  MA, Brown  AJ, Samman  S. Trans fatty acids affect lipoprotein metabolism in rats. J Nutr  2002; 132: 1242-48.        [ Links ]

40. Guzmán  M, Klein  W, Pulgar  TG, Geelen  MJH. Metabolism of trans fatty acids by hepatocytes. Lipids  1999; 34: 381-86.        [ Links ]

41. Lichtenstein  AH, Jauhiainen M, McGladdery S, Ausman LM, Jalbert SM, Vilella-Bach M, et al. Impact of hydrogenated fat on high density lipoprotein subfractions and metabolism. J Lipid Res  2001; 42: 597-604.        [ Links ]

42. Dashti  N, Feng  Q, Freeman  MR, Gandhi M, Franklin  FA. Trans polyunsatured fatty acids have more adverse effects than saturated fatty acids on the concentration and composition of lipoproteins secreted by human hepatoma HepG2 cells. J Nutr  2002; 132: 2651-59.        [ Links ]

43. Katan  MB, Zock  PL, Mensink  RP. Trans fatty acids and their effects on lipoproteins in humans. Ann Rev Nutr  1995; 15: 473-493.        [ Links ]

44. Colandré  ME, Diez  RS, Bernal  CA. Metabolic effects of trans fatty acids on an experimental dietary model. Br J Nutr  2003; 89: 631-38.        [ Links ]

45. Larqué  E, Zamora  S, Gil  A. Dietary trans fatty acids affect the essential fatty-acid concentration of rat milk. J Nutr  2000; 130: 847-51.        [ Links ]

46. Assumpção  RP, Santos  FD, Andrade  PMM, Barreto  GF, Carmo  MGT. Effect of variation of trans-fatty acid in lactating rats’ diet on lipoprotein lípase activity in mammary gland, liver, and adipose tissue. Nutrition  2004; 20: 806-11.        [ Links ]

47. Innis  SM, King  DJ. Trans fatty acids in human milk are inversely associated with concentrations or essential all-cis n-6 and n-3 fatty acids and determine trans, but not n-6 and n-3, fatty acids in plasma lipids of breast-fed infants. Am J Clin Nutr  1999; 70: 383-90.        [ Links ]

48. Williams  MA, King  IB, Sorensen  TK, Zingheim  RW, Troyer  BL, Zebelman  AM. Risk of preeclampsia in relation to elaidic acids (trans fatty acid) in maternal erythrocytes. Gynecol Obstet Invest  1998; 46 ( 2): 84-87.        [ Links ]

49. Elias  SL, Innis  SM. Infant plasma trans, n-6, and n-3 fatty acids and conjugated linoléico acids are related to maternal plasma fatty acids, length of gestation, and birth weight and length. Am J Clin Nutr  2001; 73: 807-14.        [ Links ]

50. Larqué  E, Pérez-Llamas  F, Puerta  V, Girón  MD, Suárez  MD, Zamora  S, et al. Dietary trans fatty acids affect docosahexaenoic acid concentrations in plasma and liver but not brain of pregnant and fetal rats. Pediatr Res  2000; 47: 278-83.        [ Links ]

Creative Commons License Todo el contenido de esta revista, excepto dónde está identificado, está bajo una Licencia Creative Commons