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Archivos Latinoamericanos de Nutrición

versión impresa ISSN 0004-0622versión On-line ISSN 2309-5806

ALAN v.56 n.3 Caracas sep. 2006

 

Migração de minerais de panelas brasileiras de aço inoxidável, ferro fundido e pedra-sabão (esteatito) para preparações culinárias 

Késia Diego Quintaes, Jaime Amaya Farfan, Fernanda Mariana Tomazini, Marcelo Antônio Morgano 

Universidade Estadual de Campinas – Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação. Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL) – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Química de Alimentos e Nutrição - Campinas - SP, Brasil

RESUMO

Os utensílios culinários podem liberar alguns elementos inorgânicos durante a cocção de alimentos. A migração destes pode ser interessante desde que ocorra em quantidades adequadas às necessidades nutricionais do usuário ou não tenham implicações toxicológicas. O presente estudo avaliou a migração de minerais (Fe, Mg, Mn, Cr, Ni e Ca) durante sete cocções seqüenciais para duas preparações alimentares (arroz polido e molho de tomate comercial, este último como alimento ácido) efetuadas em panelas brasileiras de vários materiais novas de aço inoxidável, ferro fundido e pedra-sabão, utilizando o vidro refratário como branco. O teor dos minerais foi quantificado por espectrometria de emissão óptica por plasma indutivamente acoplado (ICP OES). Os utensílios estudados apresentaram quantidades e comportamento de migração distintos e susceptíveis à variação, conforme o tipo de alimento a ser cozido. Análise de regressão dos dados revelou que, em função do uso, as panelas de ferro apresentam acréscimo da migração de ferro quando cozido o molho de tomate (y = 70,763x + 276,75; R2 = 0,77). As panelas de pedra-sabão liberaram concentrações médias de cálcio (35 e 26mg/kg), magnésio (25 e 15mg/kg) e para o molho de tomate comercial e arroz polido cozidos, respectivamente. O molho de tomate comercial cozido em panelas de pedra-sabão apresentou migração de manganês (3,9 mg/kg) e níquel (1,0mg/kg), este último indesejavelmente por ser tóxico. As panelas de inox apresentaram migração menor de níquel, com tendência decrescente em função do número de cocções do molho de tomate, liberando ainda ferro e cromo para as preparações. Os utensílios de materiais distintos devem ter seu uso selecionado em função da preparação a ser realizada, visando à saúde do consumidor. Conclui-se que apesar de os utensílios de ferro fundido e vidro serem os mais adequados para a saúde nutricional do consumidor, as panelas de aço inox e esteatito podem ser utilizadas com risco relativamente baixo, desde que o preparo rotineiro de alimentos ácidos seja evitado.

Palavras-chave: Nutrição, anemia, alimentos, utensílios culinários, panelas, saúde pública.

Summary 

Culinary utensils may release some inorganic elements during food preparation. Mineral migration can be beneficial for as long as it occurs in amounts adequate to the needs of the consumer or no toxicological implications are involved. In this study, the migrations of Fe, Mg, Mn, Cr, Ni and Ca, along seven cooking cycles were evaluated for two food preparations (polished rice and commercial tomato sauce, the latter as an acid food), performed in unused stainless steel, cast iron and soapstone pans, taking refractory glass as a blank. Minerals were determined by inductively coupled plasma optical emission spectrometry (ICP OES). The utensils studied exhibited different rates, patterns and variability of migration depending on the type of food. Regression analysis of the data revealed that, as a function of the number of cycles, the iron pans released increasing amounts of iron when tomato sauce was cooked (y = 70.76x + 276.75; R2 = 0.77). The soapstone pans released calcium (35 and 26mg/kg), magnesium (25 and 15mg/kg) into the tomato sauce and rice preparations, respectively. Additionally, the commercial tomato sauce drew manganese (3.9 and 0.6mg/kg) and some undesirable nickel (1.0mg/kg) from the soapstone material, whereas the stainless steel pans released nickel at a lower rate than steatite and in a diminishing fashion with the number o cooking cycles, while still transferring some iron and chromium to the food. We conclude that while cast iron and glass could be best for the consumer’s nutritional health, stainless steel and steatite can be used with relatively low risk, provided acid foods are not routinely prepared in those materials.

Keywords: Nutrition, anaemia, meal, food utensils, cookware, public health.

Mineral migration from stainless steel, cast iron and soapstone (steatite) Brazilian pans to food preparations

RECIBIDO: 19-05-2006

ACEPTADO: 06-09-2006

Introdução

Durante o processamento e preparo dos alimentos, industrial ou doméstico, ocorre o contato dos alimentos com o recipiente por período de tempo e temperatura variáveis. Como resultado, pode haver alteração no conteúdo de nutrientes da preparação bem como implicações sensoriais (1-6). O impacto nas características sensoriais está, no mínimo, parcialmente relacionado à migração de elementos minerais presentes na composição do material do utensílio (4-6).

A liberação de minerais presentes nos utensílios culinários pode ter interesse nutricional, especialmente quando há carência dos mesmos na alimentação do comensal, ou desinteressante quando existe migração de elementos e/ou compostos em quantidades que possam trazer efeitos adversos à saúde do consumidor (1,5,7).

Entre os primeiros materiais usados na confecção de panelas está a pedra-sabão (esteatito), ainda muito usada em algumas cidades de Minas Gerais, Brasil. Esta rocha possui diversos minerais de interesse nutricional, entre os quais se destacam o cálcio, magnésio, ferro e o manganês (8). O conhecimento popular indica que pode haver um efeito positivo decorrente do uso regular das panelas de pedra na incidência de anemia ferropriva (9). Todavia, trabalhos sobre migração de ferro a partir do esteatito são recentes, feitos com simulantes de alimentos (8,9), não havendo dados sobre a migração de seus componentes para os alimentos em si.

As panelas de ferro, que perderam espaço para as de alumínio no século passado, têm sido estudadas sobretudo fora do Brasil7. Atualmente, estas panelas são fabricadas com liga de ferro fundido (GG-10), apresentando em sua composição além do ferro, o manganês e outros minerais minoritários (10). O uso das panelas de ferro está associado à prevenção de anemia ferropriva, devido à quantidade e biodisponibilidade do ferro liberado pelo material (6,7,11).

O Fe também está presente na composição do aço inoxidável, popularmente conhecido como inox. A liga usada na confecção de panelas é a 304, a qual possui em torno de 10% de níquel, 18% de cromo e aproximadamente 70% de ferro (2,5,9). Tanto o ferro como o cromo (III) são elementos dos quais a população mais pode sofrer de carência do que de excesso (5). Por sua vez, há controvérsia com respeito à toxicidade do níquel, que pode migrar das panelas de inox (5,12). É estimado que a ingestão de níquel em quantidade superior a 250mg/dia possa ser tóxica (5,13). Não há dados disponíveis sobre o comportamento migratório dos componentes de panelas de inox brasileiras para alimentos nelas preparados.

Os principais fatores que afetam a migração dos elementos componentes do material das panelas incluem a acidez da preparação, o tempo de contato entre o alimento e o recipiente e o teor de água da preparação. A área de contato, temperatura, agitação, presença de agentes quelantes no alimento e a própria qualidade da liga, são fatores que influenciam em menor escala a dissolução dos minerais contidos nos materiais das panelas (6,9,14,15).

Tendo em vista o limitado número de trabalhos sobre materiais e produtos brasileiros para panelas e o crescente interesse sobre o significado da interação dos materiais com os alimentos, o presente objetivo foi estudar os possíveis benefícios nutricionais e a inocuidade de panelas brasileiras de inox (304), ferro fundido (GG-10) e pedra-sabão (esteatito), o presente estudo avaliou a dissolução dos minerais ferro (Fe), magnésio (Mg), manganês (Mn), cromo (Cr), níquel (Ni), cálcio (Ca), para arroz polido e molho de tomate comercial. As panelas de aço inoxidável foram avaliadas quanto à dissolução de Fe, Ni, Cr e Mn, enquanto que as de ferro fundido para Fe e Mn. As panelas de pedra-sabão foram estudadas quanto à liberação de Ca, Mg, Fe, Mn, e Ni. O estudo ainda avaliou a variabilidade da migração dos minerais entre panelas do mesmo material e o comportamento da migração dos minerais em função do uso seqüencial da panela.

Material e Métodos

Arroz polido e molho de tomate foram os alimentos selecionados para avaliar o comportamento da migração dos minerais oriundos das panelas de ferro fundido, pedra-sabão e inox. Os alimentos foram selecionados por serem habitualmente consumidos pela população brasileira, e por apresentar diferença nos teores de acidez e no conteúdo de água.

Os testes de cocção com cada preparação foram realizados em duplicatas de panelas novas de inox (304, Tramontina®), de ferro fundido (GG-10, Fumil®) e de vidro (Visions®) e em triplicada para as panelas de pedra-sabão (esteatito), considerando a variabilidade intrínseca deste material. As panelas de pedra-sabão eram todas procedentes da região de Santa Rita de Ouro Preto, MG, Brasil. As panelas do estudo possuíam capacidade aproximada de 2 litros e foram codificadas pelo lado externo. Os valores de migração obtidos com as panelas de vidro serviram como branco para os demais, uma vez que esse material não libera quantidade significativa dos minerais estudados (2,9).

Antes do inicio das cocções, as panelas de pedra-sabão receberam tratamento (cura) com óleo vegetal refinado e calor (8) e as de ferro fundido foram curadas com óleo vegetal refinado, segundo recomendação do fabricante. Considerando as reais condições de manipulação do utensílio, antes da primeira cocção e entre as cocções, as panelas foram lavadas com detergente biodegradável e esponja polimérica macia. O enxágüe foi feito em água corrente e concluído com água deionizada. A secagem foi feita vertendo os recipientes de boca para baixo sobre um tecido limpo e não felpudo.

Os tratamentos que os alimentos receberam foram: cru, cozido em panela de vidro, cozido em panelas de ferro fundido, inox e pedra-sabão. Quantidades idênticas dos mesmos ingredientes foram usadas em cada uma das repetições da preparação, sendo efetuadas duas nas panelas de vidro e sete nas panelas dos demais materiais, visando determinar o comportamento da migração de minerais nestes utensílios em relação à freqüência de uso. Os ingredientes usados pertenciam a um único lote de fabricação, sendo adquiridos de uma única vez e mantidos sob refrigeração até o uso. As cocções das preparações se deram no prazo de uma semana. O preparo do arroz envolveu óleo vegetal refinado, sal iodado refinado e água deionizada. No preparo do molho de tomate foi usado sal refinado iodado e óleo vegetal refinado.

O tempo de cocção das preparações foi o mesmo em todos os tratamentos e replicações, estabelecido em 11 minutos a contar do momento de ebulição. As cocções foram realizadas em fogão a gás. As panelas permaneceram tampadas durante a cocção, exceto por um período de três minutos, quando se simulou a mistura do conteúdo com uma espátula de polipropileno. Sete cocções seqüenciais foram efetuadas em cada panela, a fim de avaliar a migração no decorrer do tempo de uso do utensílio. O pH de cada preparação antes da cocção foi determinado com pHmetro digital previamente calibrado em pH 4 e 7 (PG 2002 Gehaka).

Após o cozimento e o resfriamento, o alimento foi homogeneizado dentro do recipiente com espátula de plástica previamente lavada com detergente biodegradável, enxaguada em água corrente seguida por água deionizada, sem ocasionar qualquer perda ou abrasão da superfície de ensaio. A seguir foi coletada amostra em duplicata (50g). As amostras foram codificadas e armazenadas sob refrigeração à temperatura de 4 ± 2oC, até a determinação dos minerais de interesse, segundo o material da panela.

Cerca de 50g de cada preparação na forma crua foi homogeneizada em triturador com hélice de tungstênio (M20, IKA Labortechnik - Staufen, Baden, Ge), sendo coletadas amostras em triplicata (5g) para determinação de umidade e dos minerais de interesse. Cabe enfatizar que toda a vidraria empregada foi material novo e previamente descontaminado com detergente (Extran, Merck) e ácido nítrico (Merck, p.a.) preparado a 20 % com água desionizada.

A determinação de umidade ocorreu em estufa a 105oC até atingir peso constante, usando triplicada de 5g de cada preparação e tratamento. As amostras foram então calcinadas em mufla à 425oC até a obtenção de cinzas (16). As cinzas foram dissolvidas em ácido nítrico, transferidas quantitativamente para balão volumétrico, filtradas em papel apropriado, e analisadas quanto ao teor de minerais por espectrometria de emissão óptica em plasma indutivamente acoplado (ICP OES), usando um espectrômetro simultâneo BAIRD, modelo ICP 2000 (Bedford, Massachusetts, USA).

Na Tabela 1 podem ser observadas as condições de operação do equipamento para a determinação multielementar. Foi efetuada a correção de radiação de fundo para todos os elementos determinados. As curvas analíticas definidas para cada elemento foram preparadas a partir de soluções padrões dos minerais (Titrisol, Merck) em concentração de 1000 mg/L e mostraram-se lineares em toda a faixa de trabalho, cobrindo todas as concentrações das amostras. As faixas de concentração usadas na construção das curvas analíticas para cada elemento foram: Ca e Mg (0,25 a 200 mg/L); Fe (0,005 a 20 mg/L); Mn e Ni (0,005 a 5 mg/L) e Cr (0,0025 a 2,5 mg/L). Detalhes sobre o comprimento de onda e limites de detecção e quantificação podem ser visualizados na Tabela 2.

 

 

 

Análise estatística

Os resultados do estudo envolvendo as preparações cruas e em panelas de materiais distintos foram estatisticamente analisados, considerando o valor médio das duplicatas de panelas e de amostra. As diferenças entre as concentrações dos minerais numa mesma preparação e entre as preparações foram avaliadas por análise de variância (ANOVA) fator duplo sem repetição, sendo consideradas significantes aquelas com p £0,05. Para a comparação entre as médias foi aplicado teste de Tukey. Visando  descrever o comportamento da migração em função do uso das panelas de ferro foi aplicada a análise de regressão linear simples (17), modelo assumido por outros autores em estudos de migração envolvendo utensílios culinários (9,18).

Resultados e Discussão 

Aos resultados obtidos para os elementos minerais com as panelas de inox (Fe, Ni, Cr e Mn); ferro fundido (Fe e Mn) e pedra-sabão (Ca, Mg, Fe, Mn e Ni) foram comparados com os resultados médios dos minerais encontrados nas panelas de vidro (Fe, Mn, Ni, Ca, Cr e Mg).

A acidez e umidade das preparações em função do recipiente de cozimento podem ser observadas a seguir na Tabela 3. As preparações do estudo mostraram teores distintos de acidez e umidade. Todavia, não houve diferença estatística no teor médio de umidade do arroz polido e do molho de tomate em função do material do recipiente onde o alimento foi cozido. Por outro lado, o molho de tomate é mais ácido que o arroz polido, sendo o valor de ambos os produtos similares aos relatados por Brittin & Nossaman (19).

  Nas Tabelas 4 e 5 podem ser observados os teores médios dos elementos migrantes no molho de tomate e no arroz polido cru e após cozimento por onze minutos nas panelas dos materiais avaliados no estudo.

 

 

 

A variabilidade da migração dos elementos foi similar nas duplicatas das panelas de vidro, ferro e inox, mostrando discrepância nas triplicadas de panela de pedra-sabão. Tal variação pode ser explicada pela natureza heterogênea do material, o qual pode ainda variar em função de sua procedência geográfica (20,21), embora no estudo as panelas fosse oriundas de uma mesma localidade.

As quantidades de ferro no molho sem cozimento e no cozido em panela de vidro e de pedra-sabão foram estatisticamente iguais. Por outro lado, a panela de ferro tranferiu o mais alto teor de ferro para o molho de tomate, seguida pela panela de inox (Tabela 4). A liberação de ferro de panelas de ferro e de inox para alimentos, em especial aqueles ácidos e aquosos, tem sido demonstrada em outros estudos (2,4,5,11,15).

Os teores de ferro encontrados no arroz aumentaram progressivamente quando cozido em panelas de pedra-sabão, inox e ferro, nesta ordem. Já o produto cozido em panela de vidro não mostrou aumento, com relação ao produto cru. O ferro é encontrado na composição dos três materiais diferentes do vidro (9), tendo sua migração sido evidenciada por outros autores (2-5,7-9). O teor de ferro encontrado no arroz cozido na panela de ferro apresentou em média 6,19mg/kg de alimento a mais em relação ao produto cozido na panela de vidro (Tabela 5).

Esta migração de ferro pode ser considerada relevante se levarmos em conta que a recomendação de ingestão diária de ferro para indivíduos adultos do gênero feminino é de 18mg (13). Adicionalmente, o acréscimo de ferro nos alimentos por intermédio dos utensílios culinários pode ser benéfico à saúde humana tanto pela biodisponbilidade apresentada pelo elemento migrante como pelo fato da deficiência de ferro ser a deficiência nutricional mais freqüentemente diagnosticada no âmbito mundial, em especial em países em desenvolvimento (7,22). Todavia, para eventuais indivíduos que apresentem distúrbios no metabolismo do ferro, como na hemocromatose, materiais que liberem o mineral devem ser contra-indicados (23).

O teor de cálcio foi significativamente mais elevado no arroz cozido em panela de pedra-sabão em relação ao cozido em panela de vidro, sendo a diferença entre ambos de 26,4mg/kg (Tabela 5). Já o teor de magnésio se mostrou similar em todos os tratamentos estudados, embora fosse esperado que houvesse uma maior contribuição no produto cozido em panela de pedra-sabão, segundo o obtido em testes com soluções simulantes de alimentos (8,9).

Liberação de quantidade expressiva de magnésio e cálcio foi observada no molho de tomate cozido em panela de pedra-sabão. O molho de tomate preparado em panela de pedra-sabão apresentou 35,0 de cálcio e 25,2mg/kg de magnésio a mais, em relação ao preparado em panela de vidro (Tabela 4). A migração constatada foi favorecida pelo meio ácido e aquoso do molho de tomate (pH=4,12), ambiente propício à dissolução da dolomita, carbonato que contém o cálcio e o magnésio na rocha8. A liberação de cálcio e magnésio de panelas de pedra-sabão foi verificada em ensaios envolvendo simulantes de alimentos (8,9), sendo agora constatado que tal migração também se faz presente quando preparado alimento ácido e aquoso no recipiente. A recomendação de ingestão diária de cálcio para indivíduos de ambos os gêneros com idade entre 19 e 50 anos é de 1000mg, enquanto para o magnésio é recomendando 420 e 320mg/dia para homens e mulheres com idade entre 31 e 50 anos, respectivamente.

Quanto ao manganês, o teor encontrado no molho sem cozimento e após onze minutos de cozimento em panela de vidro foi similar (Tabela 4). Foi observado maior teor de manganês no molho cozido na panela de pedra-sabão, seguido do produto cozido em panela de inox e de ferro. A migração de magnésio no arroz polido cozido em panelas de pedra-sabão não foi estatisticamente significativa. Todavia, o arroz polido cru ou cozido na panela de pedra-sabão apresentou teor superior de manganês em relação ao conteúdo encontrado no arroz preparado nos demais recipientes (Tabela 5). A recomendação de ingestão diária de manganês para adultos é de 1,8 e 2,3mg/dia, para os gêneros feminino e masculino, respectivamente (13).

Liberação de níquel pode ser constatada a partir das panelas inox e pedra-sabão. Foi notado que a panela de inox liberou quantidade significativa de níquel para o arroz cozido em comparação com as dos demais materiais, sendo mais elevada na primeira cocção em relação às demais (Tabela 5). A panela de pedra-sabão, que não liberou níquel para o arroz cozido, liberou quantidade expressiva de níquel para o molho de tomate, seguida pela panela de aço inoxidável. Kuligovski e Halperin (5) utilizando ácido acético 0,88M mantido em ebulição por cinco minutos em panelas de inox, observaram migração de 0,01 a 0,21mg/kg de níquel, sendo que a migração de níquel neste material tende a decrescer com o uso contínuo (9,15). No caso das panelas de pedra-sabão, há evidência de que a cura da panela de pedra-sabão auxilia na prevenção da migração indesejável de níquel (8). O tempo de contato entre o alimento e a pedra-sabão, assim como a acidez e teor de água do alimento são fatores que promovem a migração de níquel do material (9).

Um adulto tem o valor de 1mg como limite de tolerância de ingestão máxima diária de níquel (13). Todavia, segundo vários estudos o comportamento da migração de níquel em panelas de inox em função do número de vezes de uso é decrescente, não representando um problema de saúde pública (9,12,15). Tem sido aconselhado que antes do primeiro uso efetivo da panela de inox, seja fervida água por três ou quatro vezes consecutivas (9). No caso dos utensílios de pedra-sabão, os resultados obtidos reforçam recomendações anteriores de que o recipiente não deve ser usado para manter alimentos ácidos e aquosos por períodos prolongados (8).

O cozimento do arroz em panela de inox propiciou ainda um acréscimo no teor de cromo em relação ao produto cozido em panela de vidro e sem cozimento (Tabela 5). O teor de cromo no molho de tomate cozido em panela de inox foi de aproximadamente 0,5mg/kg (Tabela 4). O cromo derivado de panelas de inox apresenta valência três (12), elemento do qual a população geralmente carece (5). Em estudo utilizando ácido acético 0,88M mantido em ebulição por cinco minutos em panelas de inox, observou-se migração de 0,01 a 0,31mg/L de cromo (5). Outros autores, utilizando ácido láctico 0,1M em contato por uma hora com panelas de inox, verificaram que concentrações de 0,06 a 0,09mg/L de cromo (3). Devido à ausência de dados, ainda não foi estabelecido o limite máximo tolerável de ingestão diária de cromo, sendo considerado 35 e 25mg como ingestão adequada para adultos do gênero masculino e feminino, respectivamente (13).

Quanto à tendência de migração do ferro em relação ao número de vezes de uso do recipiente, foi observada tendência à redução quando o arroz polido era preparado nos recipientes de ferro, inox e pedra-sabão, sendo esta fortemente marcada no produto preparado na panela de ferro (Figura 1).

Em se tratando do molho de tomate, o comportamento da migração de ferro oriundo das panelas de ferro foi crescente (Figura 2), similar ao constatado por Cheng e Brittin (18) que estudaram a migração de ferro de panelas deste metal para molhos de tomate e maçã durante 50 cocções seqüenciais. A migração de ferro para o molho de tomate cozido em panela de inox foi decrescente, enquanto que na panela de pedra-sabão foi observado um discreto aumento com o incremento no número de vezes de uso do recipiente. Cabe salientar que o ferro derivado das panelas de ferro contribui para a prevenção e tratamento da anemia ferropriva (1,7).

FIGURA 1

Concentração de ferro no arroz polido cozido em panelas de ferro, inox e pedra-sabão

 

FIGURA 2

Concentração de ferro no molho de tomate cozido em panelas de ferro, inox e pedra-sabão.

O comportamento da migração do cálcio e magnésio em função do número de vezes do uso das panelas de pedra-sabão no cozimento do molho de tomate e arroz polido pode ser observado na Figura 3. No molho de tomate foi notada forte tendência ao aumento da migração de ambos os elementos até a sétima vez de cozimento. O comportamento exibido pelo cálcio e magnésio em função das repetições do cozimento do arroz foi constante e ligeiramente ascendente.

FIGURA 3

Concentração de minerais no molho de tomate e arroz polido cozidos em panelas de pedra-sabão

A acidez e o maior teor de água do molho de tomate podem ter favorecido a migração de cálcio e magnésio da panela de pedra-sabão, já que a dolomita apresenta dissolução em meio ácido especialmente sob temperatura elevada (24).

Conclusões 

Os utensílios estudados apresentaram quantidades e comportamento de migração distintos e susceptíveis à variação, conforme o tipo de alimento a ser cozido. Enquanto os alimentos cozidos em panelas de ferro fundido adquirem teor considerável de ferro, arroz e molho de tomate preparado em panela de pedra-sabão apresentam acréscimo na quantidade de cálcio, magnésio e manganês. As panelas de aço inoxidável liberam quantidades mínimas de ferro aos alimentos nelas preparados, sendo que nas primeiras vezes de uso ocorre ainda transferência indesejável de níquel. Independente do número de cocções, este metal também é encontrado no molho de tomate cozido em panela de pedra-sabão, sendo por este motivo o material não adequado para o preparo de alimentos ácidos e aquosos. A variabilidade na migração dos minerais somente foi observada para a pedra-sabão, material heterogêneo com origem geográfica variável. Considerando ainda que o esteatito, o aço inox e o ferro fundido são materiais susceptíveis à abrasão, os dados aqui apresentados são válidos para superfícies não perturbadas por processos de polimento após cada ciclo de uso. Os resultados obtidos podem contribuir para orientações aos consumidores visando a melhoria do seu estado nutricional, sendo que a escolha por um determinado tipo de material deve estar fundamentada nas necessidades nutricionais específicas do comensal e também do tipo de preparação a ser elaborada e intenção de uso (cozinhar ou guardar alimentos).

Agradecimentos 

Os autores agradecem à Tramontina S.A e à Oro Preto Art’s pela doação dos utensílios testados, e à Fundição Mineira Ltda. (FUMIL) pelos utensílios cedidos e o apoio financeiro, à Cargill Agrícola S.A. e à Coniexpress S.A. indústrias que acreditaram e apoiaram este estudo.

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