Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.27 n.12 Caracas dic. 2002
COMPARAÇÕES ENTRE AS TAXONOMIAS FOLK E CIENTÍFICA PARA PEIXES DO ESTUÁRIO DO RIO MAMANGUAPE, PARAÍBA-BRASIL
José Da Silva Mourão e Nivaldo Nordi
José Da Silva Mourão. Bacharel e Mestre em Ciências Biológicas Zoologia, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Ecologia e Recursos Naturais, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Titular, Departamento de Farmácia e Biologia, Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Endereço: Campus Universitário do Bodocongó CEP 58.000.00 Campina Grande-PB, Brasil. e-mail tramataia@uol.com.br
Nivaldo Nordi. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas, UFSCar. Mestre e Doutor em Ecologia e Recursos Naturais, UFSCar. Professor Adjunto, Departamento de Hidrobiologia, Universidade Federal de São Carlos. e-mail. nivaldo@power.ufscar.br
Resumen
Este trabajo fue desarrollado en dos comunidades de pescadores artesanales: Barra de Mamanguape y Tramataia, en las márgenes del estuario del río Mamanguape (ERM), litoral norte del Estado de Paraíba, region nordeste Brasil, con el propósito general de estudiar el sistema de clasificación de los pescadores. La metodología empleada consistió de entrevistas libres, cuestionarios, e identificaciones cruzadas y repetidas. Los resultados mostraron que los pescadores agrupan los peces por semejanzas y diferencias, produciendo un sistema de clasificación jerárquico con cuatro niveles en orden decreciente de pertinencia taxonómica: reino, forma de vida, genérico y específico. La mayoría de los taxones genéricos fue monotípica (77%), no incluyendo ningún taxón de orden inferior. Los 23% politípicos genéricos, que se subdividen en específicos folk, se refirieron a los peces de importancia cultural. Generalmente los criterios de diferenciación utilizados en la clasificación etnobiológica de los genéricos politípicos, fueron concordantes con los utilizados para diferenciar las especies en la clasificación ictiológica científica, obteniéndose una elevada equivalencia (71%) entre el genérico folk y la especie científica.
Summary
This work was carried out at two communities of artisanal fishermen: Barra de Mamanguape and Tramataia, at the margins of the estuary of the Mamanguape river (ERM), northern coast of Paraíba State, Northeastern Brazil. Its purpose was to study the classificatory system used by of the fishermen. The methodology used consisted of free interviews, questionnaires and crossed and repeated identifications. The results showed that fishermen group the fish by similarities and differences, producing a system of hierarchical classification with four levels of decreasing order of taxonomic pertinence: reign, form-of-life, generic and specific. Most of the generic taxa are monotypic (77%) excluding any taxon of lower order. The other 23% generic politypics that are subdivided in folk specifics, referred to fish of cultural importance. Usually the differentiation criteria used in the ethnobiological classification of the politypic generics agreed with those utilized to differentiate the species in the scientific ictiological classification, obtaining a high equivalence (71%) between the generic folk and the scientific species.
Resumo
Este trabalho foi desenvolvido junto a duas comunidades de pescadores artesanais: Barra de Mamanguape e Tramataia, nas margens do estuário do rio Mamanguape (ERM), litoral norte do Estado da Paraíba, Região Nordeste do Brasil, com o propósito de estudar o sistema classificatório utilizado pelos pescadores. A metodologia empregada foi entrevistas livres, questionários, identificações cruzadas e repetidas. Os resultados mostraram que os pescadores «agrupam» os peixes por semelhanças e diferenças, produzindo um sistema de classificação hierárquica, com quatro níveis em ordem decrescente de pertinência taxonômica: reino, forma-de-vida, genérico e específico. A maioria dos táxons genéricos foi monotípico (77%), não incluindo nenhum táxon de ordenamento inferior. Os 23% politípicos genéricos, que se subdividem em específicos folk, se referiram aos peixes de importância cultural. Geralmente os critérios de diferenciação utilizados na classificação etnobiológica dos genéricos politípicos, foram concordantes com os utilizados para diferenciar as espécies na classificação ictiológica científica, tendo sido obtida uma elevada equivalência (71%) entre o genérico folk e a espécie científica.
PALAVRAS CHAVE / Etnobiologia / Pescadores Artesanais / Peixes Estuarinos / Taxonomia Folk / Taxonomia Científica /
Recebido: 13/02/2002. Modificado: 02/09/2002. Aceito: 23/09/2002
Nos últimos anos, um grande número de pesquisadores tem se dedicado aos estudos de sistemas populares de classificação e do seu universo biológico, tendo constatado que os seres humanos, em diversas partes do mundo, utilizam estratégias semelhantes para classificar os seres vivos e organizar os conceitos biológicos (Brown, 1984; Atran, 1990, 1998; Berlin, 1992; Ellen, 1993; Clément, 1995). Estudos deste tipo iniciaram-se com os trabalhos clássicos de Conklin (1954) e Lévi-Strauss (1997). Posteriormente, outros se seguiram discutindo princípios e critérios aplicados à classificação etnobiológica (Berlin et al., 1973, 1974; Bulmer, 1974; Hunn, 1977).
Da mesma forma que a taxonomia científica, a classificação etnobiológica traduz-se num verdadeiro depósito de informações, na medida em que contém uma riqueza enorme de informados sobre a biologia, ecologia e etologia de diversos grupos de animais e plantas. Embora detenha um conhecimento muito detalhado, a classificação etnobiológica possui poucos níveis hierárquicos, ao contrário da científica, possivelmente, devido ao artificialismo adotado por taxonomistas na construção das categorias. Amorim (1997) argumenta que o pouco conhecimento do leigo sobre a diversidade biológica gera um número limitado de níveis, comparado ao produzido pelo conhecimento técnico. Na verdade, o desconhecimento da literatura etnobiológica, não permite ao autor compreender que os poucos níveis de inclusão existentes na classificação folk não se devem à falta de conhecimento das culturas tradicionais mas, ao fato de compreenderem o mundo natural de maneira holística.
Etnoictiologia, ou estudo de conhecimentos e práticas de comunidades pesqueiras locais sobre os peixes e o seu ambiente, é a vertente da etnobiologia a ser tratada neste estudo. Os primeiros trabalhos com esta abordagem foram os de Morril (1967) e Anderson (1967), realizados com pescadores caribenhos e chineses, respectivamente. No Brasil, entre os com este enfoque, destacam-se os trabalhos realizados por Forman (1967, 1970), Cordell (1974), Maranhão (1975), Silva (1988) e Marques (1991), que abordam, entre outras coisas, o conhecimento dos pescadores voltado para a classificação do ambiente de pesca e dos recursos pesqueiros.
Uma comparação dos padrões detectados no sistema folk com os táxons biológicos aos quais eles se referem é de interesse para o entendimento das analogias entre os dois sistemas de classificação (Marques, 1991; Berlin, 1992). Este é o objetivo do presente estudo, realizado com comunidades de pescadores artesanais do estuário do rio Mamanguape, localizado na costa do Estado da Paraíba.
Metodologia
O Estuário do Rio Mamanguape (ERM) está situado na parte setentrional do litoral da Paraíba, a cerca de 80km da cidade de João Pessoa, entre as coordenadas geográficas de 6º45 a 6º50S e 34º56 a 35ºW. Compõe uma área de 16400ha, que faz parte da Área de Proteção Ambiental (APA) de Barra de Mamanguape. A APA foi criada pelo Decreto Federal Nº 924, de 10 de setembro de 1993, com o objetivo de proteger os ecossistemas costeiros e os peixes-boi marinhos da região. Abrange os municípios de Rio Tinto, Marcação, Lucena e Baía da Traição que, somados, totalizam 32 vilas e povoados. A APA está representada por manguezais, arrecifes costeiros, mata atlântica, mata de restinga, dunas e falésias.
As comunidades humanas que integraram o universo da pesquisa são Barra de Mamanguape e Tramataia, localizadas no interior da APA de Barra de Mamanguape, às margens do ERM, litoral norte do Estado da Paraíba. São povoados constituídos basicamente por uma mistura racial dos elementos indígenas, negros e europeus, que desenvolvem atividades extrativistas na área do entorno e no próprio rio Mamanguape. Apesar da região ser rica em recursos naturais, a população humana é muito pobre e há deficiências em termos de assistência médica, educacional e de infra-estrutura de saneamento básico. Isto contribui para que essas pessoas ignorem seus direitos e deveres como cidadãos e como habitantes de uma APA.
Figura 1 Específicos folk do genérico pampo e sues equivalentes na classificação científica.
Grande parte dos ribeirinhos que participaram da pesquisa é composta por pescadores artesanais, que durante praticamente toda a sua vida tiveram a pesca como atividade principal de subsistência. Eles possuem um conhecimento empírico que deve ser respeitado quando forem estabelecidas orientações quanto à conduta a ser adotada em relação ao ambiente onde obtêm os recursos.
A identificação dos peixes pelos pescadores foi feita utilizando-se tanto os próprios espécimes, quanto fotos e desenhos, os quais, foram apresentados aos pescadores, solicitando-lhes descrições dos peixes. Dessa forma, produziu-se uma lista contendo os nomes vernaculares de 134 peixes.
Exemplares identificados por determinados pescadores foram submetidos a outros para confirmação. Exemplares identificados pelos pescadores foram novamente a eles apresentados seis meses depois, para nova identificação.
Foram coletados 200 espécimes totalizando 110 espécies de peixes, constituindo-se, esta coleção, apenas em uma representação parcial da diversidade ictiofaunística da região. Alguns espécimes foram adquiridos na feira da cidade de Rio Tinto. Os peixes foram fixados em solução de formaldeído a 10%, sendo alguns transferidos para solução de álcool etílico a 70%. Todos os exemplares coletados estão depositados no Laboratório de Ictiologia da Universidade Federal da Paraíba.
Os peixes foram identificados e a lista organizada por Ricardo S. Rosa e colaboradores, Laboratório de Ictiologia, Departamento de Sistemática e Ecologia, Universidade Federal da Paraíba, com base nas seguintes publicações: Figueiredo (1977), Figueiredo e Menezes (1978), Figueiredo (1980), Fisher (1978), Menezes e Figueiredo (1980, 1985), Menezes (1983), e Bohlke e Chaplin (1993).
Neste estudo procurou-se relacionar a taxonomia etnobiológica à científica, por meio de diagrama de Venn (Gardner 1976; Hunn, 1977). Foram analisados os critérios utilizados nos dois sistemas de classificação para a diferenciação entre as espécies.
Resultados e Discussão
Segundo Berlin (1992), a adoção do diagrama de Venn tem, pelo menos, quatro vantagens: indicação explícita dos táxons biológicos e etnobiológicos por meio de círculos com marcas bem distintas, indicação explícita do membro prototípico, possibilidade de mostrar a real proximidade (afinidade) de membros do específico folk, apresentação dos nomes folk e científicos concomitantemente.
As Figuras 1 a 7 são diagramas de Venn, contendo os específicos folk dos principais genéricos politípicos identificados pelos pescadores do ERM, comparados aos seus equivalentes na taxonomia científica. Na Figura 1, pode-se observar os específicos folk do genérico pampo e seus correspondentes na classificação científica. Segundo os pescadores, o genérico pampo é distinguido pelo formato do corpo e coloração: o pampo cabeça mole tem o corpo comprido, parte da região ventral amarela e a região dorsal um pouco azulada; o pampo garabebel tem o corpo largo e colorido de amarelo. De acordo com Menezes e Figueiredo (1980), a coloração é uma característica importante na identificação das espécies de Trachinotus: T. goodei possui manchas ou faixas verticais escuras nos lados do corpo e T. carolinus apresenta-se sem manchas e faixas verticais.
As equivalências entre os sistemas de classificação da tainha são mostradas na Figura 2. Os pescadores do ERM, ao descreverem a "família da tainha", (Mugil curema) relatam que este agrupamento é chefiado ou comandado pelo genérico folk tainha, o qual serve como uma referência padrão, uma vez que é em torno dela que os outros genéricos têm suas características definidas. Costa-Neto (1998) também encontrou, junto aos pescadores de Siribinha BA, o genérico folk tainha (Mugil curema) como sendo o prototípico. Por sua vez, pescadores de estuários alagoanos estudados por Marques (1991), consideram a curimã (Mugil liza) como a "cabeça da família".
Figura 2. Específicos folk da família da tainha e os equivalentes científicos.
Os critérios morfológicos são os mais utilizados pelos pescadores do ERM para classificar e identificar os peixes da "família da tainha". Os principais são o formato da cabeça e do corpo, a espessura das escamas, o tamanho e a coloração dos olhos, este último, responsável pelas denominações tainha do zói vermelho e tainha do zói preto. Nomeações análogas, com base na coloração dos olhos, também foram encontradas por Marques (1991) e Costa-Neto (1998).
Os pescadores do ERM reconhecem o genérico folk tamatarana, por meio de um caráter fisiológico ("o cheiro forte"), sendo esta a única característica que o diferencia da tainha. Em São Luís (MA), região nordeste do Brasil, esta mesma espécie é chamada de "tainha peitiú" (Martins-Jurus et al., apud Marques 1991). No dicionário de câmara Cascudo (1938), "peitiú" tem origem no tupi-guarani e significa fétido. Menezes e Figueiredo (1985) afirmaram que as espécies M. curema e M. gaiamardianus são muito parecidas por terem características gerais muito semelhantes, diferindo apenas pelo fato de M. gaiamardianus apresentar o olho avermelhado. A descrição feita por Menezes e Figueiredo (1985) para as espécies M. curvidens e M. incilis, reunidas pelos pescadores no genérico folk tamatarana, difere apenas no número de espinhos da nadadeira anal e nas escamas em séries laterais. Os critérios morfológicos usados pelos pescadores para diferenciar a tainha da curimã são: formas do corpo e cabeça e espessura das escamas. A tainha tem o formato da cabeça "roliça", as escamas são menos grossas e a forma do corpo "meio chato", "não muito roliço"; já a curimã (M. liza), tem a cabeça "chata", as escamas são mais grossas e o corpo é mais cilíndrico e comprido.
Figura 3. Específicos folk do genérico arraia e seus equivalentes na taxonomia científica.
Todos os membros da "família da tainha", segundo os pescadores do ERM, possuem um "umbigo", o qual é descrito da seguinte maneira: "ele é redondinho assim, ele é meio duro, quando corta ele e expreme, tá a lama dentro; a lama tem que passar primeiro por aquele umbigo, pra depois sair pro reto dela". Segundo a literatura científica, este "umbigo" corresponde ao estômago pilórico triturador (Poznanin 1968). Os pescadores estudados por Marques (1991) reúnem as espécies de "tainha e curimã" em uma família folk denominada "Peixes de umbigo".
As equivalências entre os sistemas de classificação folk e científico para o genérico arraia são apresentados na Figura 3. O reconhecimento do genérico folk arraia é feito através dos seguintes caracteres morfológicos: formato da cabeça ("redonda com um bico", "chata com dois beiços"), corpo ("redondo"), tamanho da cauda ("rabo curto e comprido"), coloração ("branca, amarela, cinza, verde, preta com pinta branca e azulada"). A função trófica, o habitat e aspectos do comportamento também são úteis no reconhecimento destes peixes pelos pescadores. Segundo eles, o específico folk arraia mantêga possui "rabo curto, não tem espeto e o corpo é redondo; as aba dela é parecida com uma asa". Figueiredo (1977) relata que Gymnura micrura é a espécie brasileira de Gymnuridae sem espinhos e cauda muito reduzida. Ziswiller (1976) afirma que esta espécie tem um corpo mais largo do que comprido, com as nadadeiras peitorais estendidas em forma de asas. O específico "folk" arraia de croa, assim nomeada devido à alusão ao microhabitat "croa", definido pelos pescadores, como local preferido de alimentação desta espécie.
Figura 4. Específicos folk do genérico camurim e seus equivalentes na taxonomia científica.
Essas arraias também são identificadas pelos pescadores através de dois caracteres sexuais dimórficos denominados de "espigão" e "catocos" ("o macho tem dois espigão perto do rabo" e a "fêmea tem o sinal dela que é largo"). Segundo Figueiredo (1977), nos Chondrichtyes, os machos possuem um apêndice sustentado por cartilagens, chamado de clásper, que se desenvolve na margem interna de cada nadadeira pélvica. Os pescadores reconhecem a "arraia pintada", principalmente por causa da sua coloração ("preta com pinta branca"), o focinho ("em forma de bico"), a existência de "pedras na boca" (placas dentárias) e os esporões ("possuem cinco ferrões").
O genérico folk camurim é descrito pelos pescadores como um peixe de "fucinho comprido ou bico fino"; "o queixo dos lado da barbatana parecido com um serrote"; "espeto junto do rabo, debaixo da barriga"; "uma lista preta de cada lado do corpo" "cor branca" e "corpo largo. Menezes e Figueiredo (1980) descrevem os centropomídeos como peixes que possuem corpo alongado e comprimido, geralmente com o perfil dorsal acentuadamente convexo; préopérculo com margem posterior serreada, nadadeiras dorsais separadas, nadadeira anal com três espinhos, o segundo mais forte e desenvolvido; linha lateral prolongando-se até a extremidade dos raios médios da nadadeira caudal. A comparação entre os membros do genérico camurim com os equivalentes científicos pode ser observada na Figura 4. O genérico folk camurim, corresponde a duas famílias lineanas, Centropomidae e Haemulidae. As espécies Centropomus undecimalis e Pomadasys ramosus receberam a maior quantidade de etnonomes ou sinonímias entre as espécies de peixes conhecidas pelos pescadores estudados.
O genérico folk pescada (Figura 5), é subdividido em sete específicos folk diferenciados pelos pescadores, principalmente, com base na coloração (branca ou amarela), formato do corpo (chato ou arredondado) e da cabeça (redonda ou bicuda)
Figura 5. Específicos folk do genérico pescada e seus equivalentes na taxonomia científica.
Como observado anteriormente, as sardinhas (Figura 6) apresentaram uma subdivisão com três subgenéricos denominados de sardinha azul, sardinha boca larga e sardinha branca, em torno dos quais, são reunidos conjuntos de específicos folk, principalmente por similaridades morfológicas. Segundo a literatura científica, as espécies que se reúnem em torno da sardinha azul (Opisthonema oglinun) são, de fato, muito semelhantes morfologicamente, diferindo, basicamente, no número de raios da nadadeira anal (Figueiredo e Menezes, 1978). Os táxons do subgenérico sardinha boca larga, que correspondem aos gêneros Cetengraulis e Anchovia, também são muito semelhantes entre si nas descrições da literatura científica, diferindo apenas em detalhes, como por exemplo, a posição da nadadeira anal (Menezes e Figueiredo, citados acima).
Figura 6. Específicos folk do genérico sardinha e seus equivalentes na taxonomia científica.
A sardinha branca e a sardinha fofi, específicos folk do subgenérico sardinha branca, diferem quanto a um único detalhe morfológico da região ventral. Segundo as descrições dos pescadores, a sardinha fofi é diferente da sardinha branca, por causa da "serra debaixo da barriga". Figueiredo e Menezes (1978) afirmaram que uma das características da família Clupeidae (S. brasiliensis - sardinha fofi) é a presença de uma quilha ventral mediana formada por escamas modificadas. A sardinha branca (Engraulidae) corresponde às espécies Anchoa narinii, Anchoa januaria e Anchoa tricolor, morfologicamente muito semelhantes na descrição científica, diferindo apenas quanto ao diâmetro dos olhos.
Os pescadores estudados afirmam que todos os peixes que têm três espinhos ("espetos") nas regiões dorsal e lateral são chamados de bagre, sendo este, portanto, o caráter morfológico unificador para o genérico folk bagre (Figura 7). Por sua vez, os pescadores estudados por Marques (1991), elegeram o ato de "chocar na boca", como o caráter unificador que identifica os peixes da família do bagre. Além disso, eles identificam várias fases do evento reprodutivo do bagre (Arius herzbergii), nominando-as e gerando uma classificação muito detalhada do evento reprodutivo da espécie, à qual o autor denominou de cíclica. Os bagres procuram a desembocadura dos rios e regiões lagunares na época da desova; os machos e, raramente as fêmeas, incubam os ovos na cavidade bucal até que se complete todo o desenvolvimento (Breeder e Rosen, 1966; Mishima e Tanji, 1985; Barbieri et al., 1992; Chaves, 1994).
Figura 7. Específicos folk do genérico bagre e seus equivalente na taxonomia científica.
Uma característica ecológica muito importante atribuída ao bagre ariaçu, etnonome da espécie Arius herzbergii entre os pescadores do ERM, é seu hábito alimentar. É por meio desse caráter que está espécie é reconhecida por todos os pescadores como "o peixe mais nojento e seboso", sendo considerado, por isso, uma espécie prototípica. No trabalho de Marques (1991) este mesmo peixe é denominado de "bagre marruá", principal ou verdadeiro, nomeações que indicam ser ele o membro mais representativo do genérico folk bagre.
Conclusão
As analogias efetuadas neste estudo evidenciaram que os critérios utilizados na diferenciação de espécies por ambos os sistemas de classificação, folk e científica, foram, em boa parte, concordantes. A elevada equivalência obtida entre o genérico folk e a espécie científica, atingindo 71% das correspondências efetuadas, indica que o levantamento de peixes feito por meio do conhecimento dos pescadores do ERM, dá uma idéia muito aproximada da riqueza da comunidade de peixes no sistema estuarino.
AGRADECIMENTOS
Os autores do trabalho agradecem a Gabriel Skuk e Ierecê Maria Lucena Rosa, Departamento de Sistemática e Ecologia, Universidade Federal da Paraíba, pela tradução dos resumos (português/espanhol) e, (português/inglês). A Sineide Correia e Silva Montenegro, Universidade Federal de Alagoas, pela leitura critica e sugestões do manuscrito.
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