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versión impresa ISSN 0378-1844

INCI v.28 n.1 Caracas ene. 2003

 

ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL DOS CATADORES DE CARANGUEJO-UÇÁ Ucides cordatus cordatus (L. 1763) (DECAPODA, BRACHYURA) DO ESTUÁRIO DO RIO MAMANGUAPE, NORDESTE DO BRASIL

Rômulo Romeu da Nóbrega Alves e Alberto Kioharu Nishida

Rômulo Romeu da Nóbrega Alves. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Mestre em Ciências Biológicas, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: Departamento de Sistemática e Ecologia, Campus I, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 58059-900. e-mail: romulo@dse.ufpb.br

Alberto Kioharu Nishida. Licenciado em Ciências Biológicas, Fundação Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Especialização em Oceanografia pelo Instituto Oceanográfico (IOUSP) da Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciências Biológicas, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Adjunto, Ecologia e Ecoturismo, Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Endereço: Departamento de Sistemática e Ecologia, Campus I, João Pessoa, Paraíba, Brasil. 58059-900. e-mail: guy@dse.ufpb.br

Recebido:02/08/2002. Modificado: 03/10/2002. Aceito: 07/01/2003

Resumen La especie Ucides cordatus, popularmente conocida como cangrejo "uçá" es uno de los recursos más explotados por las comunidades que viven en áreas próximas a los manglares paraibanos. Los recolectores de cangrejo son grupos económicamente marginales, extremadamente pobres y poco reconocidos entre otros pescadores artesanales. El presente busca caracterizar el perfil socioeconómico de los recolectores de cangrejo, obteniéndose también informaciones sobre medios de producción y comercialización, y la percepción e interacción de esos trabajadores con el ambiente. Fue realizada una muestra diferenciada con la aplicación de 70 cuestionarios semi-estructurados de los recolectores de cangrejo "uçá" de cuatro comunidades situadas a lo largo del río Mamanguape. Además, fueron realizadas entrevistas abiertas y observaciones de campo. El cuadro socio-económico delineado evidenció la situación de exclusión social a que la categoría de los recolectores de cangrejo está sometida. Las casas generalmente son de barro y a pesar de tener los servicios de agua y luz, generalmente no tiene alcantarillado. El analfabetismo es predominante y las condiciones de assistencia médico-odontológica son precarias. A pesar de las dificultades de la profesión de recolector, las declaraciones ponen en evidencia el extremo reconocimiento y respeto que esos trabajadores demuestran por los manglares. La situación de marginalidad social, el conocimiento y la percepción del recolector son factores importantes que deben ser considerados al hacer propuestas de manejo de la especie.

Summary ‘Caranguejo-uçᒠ(Ucides cordatus) is one of the resources most exploited by human dwellers close to mangroves, in Paraíba State, north-east Brazil. Crab gatherers are economically marginal groups of extremely poor people, not worthy of consideration by other traditional fishermen. The socio-economical profile of crab gatherers was investigated aiming to get synoptic information on crab production and commercialization, and the gatherers perception and interaction with the environment. A stratified sampling was carried out by applying 70 partly-structured questionnaires to crab gatherers of four communities along the estuarine mangrove of the River Mamanguape. Open interviews with ‘caranguejo-uçᒠgatherers and field observations were also performed. The observed socio-economical situation reveals the social deprivation to which they are submitted. They live in wattle-and-daub houses, roofed with thatch, supplied with electricity and water, but lacking sanitation. Illiteracy is predominant and the medico-odontological conditions are quite precarious. Despite their difficulties as crab gatherers, they show acknowledgement and respect for the mangrove. The precarious socio-economical situation of crab gatherers and their environmental perceptions would be important factors to be considered in the management proposals of the ‘caranguejo-uçᒠspecies.

Resumo A espécie Ucides cordatus, popularmente conhecida como caranguejo-uçá, é um dos recursos mais extraídos pelas comunidades que vivem em áreas próximas aos manguezais paraibanos. Os catadores de caranguejo são grupos economicamente marginais, extremamente pobres e pouco reconhecidos entre outros pescadores artesanais. O presente trabalho tem a finalidade de caracterizar o perfil socioeconômico dos catadores de caranguejo, obtendo-se também informações sobre meios de produção, comercialização, percepção e interação desses trabalhadores com o ambiente. Foi realizada uma amostragem estratificada, com a aplicação de 70 questionários semi-estruturados a catadores de caranguejo-uçá de quatro comunidades situadas ao longo do estuário do rio Mamanguape. Foram realizadas ainda entrevistas abertas e observações de campo. O quadro socioeconômico delineado evidenciou a situação de exclusão social a que a categoria dos catadores de caranguejo está submetida. As moradias geralmente são de taipa e apesar de geralmente serem servidas de água e luz, não existe esgotamento sanitário. O analfabetismo é predominante e as condições de assistência médico-odontológica são precárias. Apesar das dificuldades inerentes à profissão de catador, os depoimentos evidenciam o extremo reconhecimento e respeito que esses trabalhadores demonstram pelo manguezal. A situação de marginalidade social, o conhecimento e a percepção do catador são fatores importantes que devem ser considerados, quando forem feitas propostas de manejo da espécie.

PALAVRAS-CHAVE / Catador de Caranguejo / Caranguejo-uçá / Manguezal / Percepção Ambiental / Ucides cordatus /

O manguezal é um dos mais importantes ecossistemas da costa brasileira, constituindo uma fonte essencial de vários recursos, tais como madeira, remédio, tinturas, peixes, crustáceos e moluscos. Desde tempos remotos, a abundância de alimentos existente nas florestas de mangue já atraía grupamentos humanos que viviam próximos ao litoral, o que pode ser comprovado pela existência de sambaquis em áreas costeiras do Brasil, que, segundo Simões (1981), ilustram os recursos alimentares que os "primitivos" habitantes do litoral aí encontraram para a sua subsistência: ostras, mexilhões, siris, caranguejos, peixes, além de répteis, mamíferos e aves.

Para as comunidades ribeirinhas que vivem próximas aos manguezais, os caranguejos Brachyura representam um dos grupos de maior relevância econômica. Dentre as espécies capturadas e comercializadas, merecem destaque: o goiamum (Cardisoma guanhumi), o aratu (Goniopsis cruentata), os siris (Callinectes spp) e o caranguejo-uçá (Ucides cordatus). Este último, entretanto, representa a espécie mais extraída e de maior relevância para a economia doméstica das comunidades que vivem no entorno dos manguezais paraibanos.

De acordo com Blandtt e Glaser (2000), as sociedades humanas e o recurso caranguejo constituem uma rede estrutural econômica que se envolve em meios e processos de produção e comercialização, através de práticas rudimentares de exploração social do homem e ecossistêmica do recurso caranguejo. No Nordeste brasileiro, a exploração de U. cordatus reveste-se de grande importância social, já que dela se ocupa um grande contingente de pessoas residentes em áreas costeiras próximas aos manguezais, gerando milhares de empregos diretos e indiretos. A captura é realizada manualmente ou com a utilização de alguns instrumentos, adaptados pelo próprio catador para facilitar o acesso ao recurso. A comercialização geralmente é feita através de intermediários, uma vez que os catadores têm dificuldade de vender o produto eliminando a figura do intermediário, pois essas atividades conflitam com as coletas e necessitam de habilidade adicional (Nordi, 1995, 1994).

Os catadores de caranguejo são grupos economicamente marginais, extremamente pobres e pouco reconhecidos entre outros pescadores artesanais. Resistem a uma desagregação cada vez mais intensa, provocada pela degradação crescente do ambiente de coleta e pela falta de incentivos externos (Nordi, 1992). Para esses trabalhadores, a catação de caranguejo-uçá consiste na principal atividade, ainda que em muitos lugares eles complementem sua renda com atividades agrícolas em pequena escala e o extrativismo. Costumam ficar à margem da participação das organizações de produção, não sendo identificados, inclusive, em cadastro como pescadores (IBAMA, 1994).

De acordo com os catadores da Paraíba, a quantidade de caranguejo tem diminuído, o que vem obrigando alguns deles a se deslocarem para manguezais de outros estados, onde a espécie ainda é abundante. A escassez verificada nos últimos anos tem tirado o sustento de centenas de famílias que sobrevivem da captura desse crustáceo. A situação socioeconômica desses trabalhadores, assim como seus conhecimentos sobre a biologia do recurso, devem ser levados em conta, no tocante à elaboração de planos de manejo. Rodrigues et al. (2000) ressaltam que o sucesso de qualquer medida de ordenamento requer fundamentalmente o envolvimento efetivo do interessado, sensibilizado à necessidade de conservação do recurso, como garantia da manutenção da atividade produtiva por tempo indeterminado. A gestão participativa é uma ferramenta poderosa de mobilização da sociedade para melhorar a situação permanente de baixa organização social das comunidades tradicionais ao longo do litoral brasileiro.

Segundo Nordi (1992) o levantamento do quadro socioeconômico contribui com informações relevantes para definir ou descrever o contexto em que se dá a atividade de catação, de forma que o seu conhecimento torna-se indispensável para que se possa estabelecer uma compreensão mais adequada das interações existentes, ao proporcionar a articulação entre a dimensão social e a perspectiva ecológica dos problemas ambientais. Diele (2000) destaca que o crescente interesse na proteção das populações de U. cordatus intensifica a necessidade de pesquisar os aspectos biológicos e socioeconômicos.

Este trabalho tem a finalidade de caracterizar o perfil socioeconômico dos catadores de caranguejo do estuário do rio Mamanguape, procurando também obter informações sobre meios de produção, comercialização e interação desses trabalhadores com o ambiente. Os resultados obtidos proporcionarão uma melhor compreensão das formas de percepção ambiental dos catadores e do contexto socioeconômico em que se dá a atividade de catação, fornecendo subsídios para o estabelecimento de programas sociais que visem a melhoria da qualidade de vida dessa categoria de trabalhadores, assim como a programas de manejo e conservação do recurso caranguejo-uçá.

Área de Estudo

A pesquisa foi realizada em uma área de manguezal situada no estuário do rio Mamanguape, o segundo maior do estado da Paraíba, no Nordeste do Brasil. Este estuário dista cerca 70km ao norte da capital, João Pessoa, localizando-se entre as coordenadas geográficas 06º43'02" e 06º51'54''S, e 35º07'46'' e 34º54'04''W. Está orientado no sentido leste-oeste e tem, aproximadamente, 24km de extensão e uma largura máxima em torno de 2,5km, nas proximidades de sua desembocadura (Figura 1).

A área de influência do estuário do Rio Mamanguape está inserida em uma Área de Proteção Ambiental (APA) que abrange uma vasta extensão de mangue, ilhas e croas (bancos areno-lodosos) e, mais externamente, na foz, uma barreira de recifes, que se apresenta na forma de um extenso paredão. A APA Barra do Rio Mamanguape, possui 14460ha e foi criada pelo Decreto No 924 de 10/09/1993, sendo formada pelos estuários dos rios Mamanguape, Miriri e Estivas, partes dos municípios de Rio Tinto, Marcação e Lucena, no litoral norte do Estado da Paraíba, incluindo ainda alguns aglomerados e vilas.

A porção estuarina da APA, que corresponde à sua maior extensão, tem suas margens ocupadas por cerca de 6000ha de mangue bastante preservado, representando a maior área de manguezal do Estado da Paraíba. O manguezal do Rio Mamanguape possui as espécies arbóreas: Rhizophora mangle, Avicennia germinans, Avicennia schaueriana, Laguncularia racemosa e Conocarpus erectus. As maiores árvores de Rhizophora encontradas chegam a 25m de altura e até 60cm de diâmetro à altura do peito (DAP); as de Avicennia germinans alcançam alturas superiores à 30m de altura e 65cm de DAP. Além das espécies típicas de mangue, outras espécies vegetais como Acrostichum aureum (samambaia do mangue) e Eleocharis obtusa são encontradas nas partes mais altas do mangue (Palludo e Klonowski, 1999).

Este manguezal se caracteriza como um dos mais preservados do Estado (Cunha et al., 1994). Entretanto, já apresenta algumas zonas que sofrem interferências antrópicas, devido, principalmente, à expansão do cultivo da cana-de-açúcar. Watanabe et al. (1994) constataram evidências da contaminação por produtos da monocultura canavieira em um dos tributários do estuário. Os pescadores que dependem desse estuário para sua sobrevivência, afirmam que a produção pesqueira vem diminuindo, devido aos efeitos dos agrotóxicos utilizados no cultivo da cana-de-açúcar, ao longo deste rio. As ilhas e croas também estão sofrendo transformações em função do assoreamento do leito, que se torna cada vez mais evidente.

De acordo com Palludo e Klonowski (1999) a atividade econômica mais importante relacionada ao manguezal na área é a captura artesanal do caranguejo. Todavia, nos últimos anos, vem sendo observada pelos catadores de caranguejo-uçá, uma diminuição no estoque da espécie U. cordatus nos manguezais, uma vez que para esses profissionais manterem a sua média de produção, tiveram que aumentar o esforço de pesca. A situação agravou-se nos últimos três anos, devido à ocorrência de uma mortandade de caranguejo-uçá em três estuários do litoral paraibano. Os surtos de mortandade foram registrados em vários estados do Nordeste do Brasil e a causa, até o momento, não foi diagnosticada (Nishida et al., 1999).

Material e Métodos

Viagens por terra e em embarcação a motor foram realizadas ao longo do estuário do rio Mamanguape, com o objetivo de se identificar as comunidades onde ocorre a atividade de catação de caranguejo-uçá, bem como suas lideranças e os catadores mais experientes. Foram escolhidas quatro comunidades, duas delas localizadas próximas à desembocadura do rio Mamanguape (Camurupim e Tramataia) e as outras (Marcação e Jaraguá), localizadas na porção superior do estuário. Definidas as comunidades, foi realizada uma amostragem estratificada, com a aplicação de 70 questionários semi-estruturados, distribuídos entre as comunidades escolhidas. Foram realizadas ainda entrevistas abertas e observações de campo, oportunidade na qual os catadores foram acompanhados durante a realização das coletas do caranguejo-uçá.

O questionário, além das questões usuais deste tipo de levantamento (nível de renda, condições de moradia, composição familiar, escolaridade), procurou levantar dados de produção, comercialização e interação dos catadores com o ambiente. Muitas informações relativas às condições de moradia foram obtidas por meio de observações diretas nos locais das residências e de visitas ao interior das mesmas. Os resultados obtidos permitiram delinear o perfil socioeconômico da população dos catadores de caranguejos e observar aspectos referentes a sua percepção ambiental em relação ao manguezal e ao recurso que exploram.

Resultados

Os caranguejeiros do estuário do rio Mamanguape, em sua maioria, são originários da própria comunidade onde residem, sendo que poucos procedem de outros locais. Os catadores entrevistados pertenciam exclusivamente ao sexo masculino. A estrutura etária mostrou que a idade variou de 17 a 60 anos, com média de 33 anos. A maior parte dos catadores (37%) estava na faixa etária de 21 a 30 anos, sendo que os indivíduos se distribuíram até a faixa de 51 a 60 anos, embora em menores proporções (Figura 2).

No que diz respeito ao tempo de moradia na comunidade, o maior percentual foi o de 21 a 30 anos, com 43%, sendo poucos (5,7%) os indivíduos pertencentes à faixa de 0 a 10 anos (Figura 3). Quanto ao estado civil, todos eram casados, sendo que o núcleo familiar, em mais da metade dos casos, era constituído pela união não oficializada em igreja ou cartório, ou seja, o concubinato prevaleceu em 54% dos casos analisados. Geralmente apresentam famílias, com uma composição média de 5,2 indivíduos por domicílio.

Os dados sobre escolaridade mostraram que a grande maioria dos entrevistados é analfabeta (46%) ou semi-analfabeta (34%) e apenas 20% são alfabetizados (Figura 4). Os filhos geralmente freqüentam a escola (60%), 13% ainda não freqüentam por não possuírem idade. Um total de 94% dos entrevistados têm habitação própria, sendo que o restante tem sua moradia cedida por parente ou amigo. A maioria das construções (81%) é de taipa e 19% de tijolos, com cobertura de telhas de cerâmica, apresentando um número de cômodos variando de 1 a 5, com predominância de 3 (33%) e 2 (23%) cômodos. A área construída é em geral pequena: até 25m2 (16%), de 26 a 35m2 (28,5%) e 55,5% acima de 35m2.

As condições sanitárias são precárias, uma vez que cerca de 70% das casas dos catadores não possuem banheiro. Dessa forma, os dejetos são lançados a céu aberto ou diretamente na maré. A maioria das casas possui luz elétrica (87%). Grande parte (41%) não possui água encanada, de forma que a água é consumida sem nenhum tipo de tratamento. A maioria afirma que não ter atendimento médico (52%). Poucos freqüentam dentista (16%), 61% afirmam que às vezes freqüentam e 23% não costumam freqüentar. A maior parte (43%) não costuma freqüentar cultos religiosos. Muitos deles não possuem atividades de lazer, quando têm, essas se resumem ao futebol, jogos de cartas ou apenas divertem-se assistindo televisão.

Mediante os dados obtidos, pode-se observar que a maioria dos indivíduos amostrados possuía rendimento salarial baixo, com prevalência de renda inferior a 1 salário mínimo vigente (cerca de U$ 53) e alguns poucos com salário acima deste patamar (Figura 5). A grande maioria (93%) vende sua produção para atravessadores. Apesar de todos elencarem uma série de dificuldades enfrentadas na sua faina diária, a maior parte (67%) afirma estar satisfeito com a profissão. Todavia, 90% afirmam que abandonariam a profissão se conseguissem outro emprego que pudesse prover o sustento da família.

No geral, 53% dos entrevistados afirmam não pertencer a nenhum tipo de associação de pescadores e 47% dizem ter ligação com associações. Quando perguntados se pertenciam a alguma cooperativa, 69% afirmaram que não. Mais da metade dos entrevistados (55%) disseram não possuir carteira de pescador. Os catadores são unânimes em afirmar que está ocorrendo uma diminuição da quantidade de caranguejos na área, ressaltando que a mortandade acentuada ocorrida no ano de 1998 agravou ainda mais a situação. Em relação às causas dessa mortandade, 37,1% acham que está relacionada ao "veneno da cana", referindo-se aos defensivos agrícolas lançados nas plantações de cana-de-açúcar que, na época das chuvas são carreados para o rio; 14,3% sugerem que o uso de redinhas para captura do caranguejo-uçá seria o principal fator que estaria relacionado à mortandade; 14,3% sugerem outras causas e 34,3% afirmam não saber a causa desse fenômeno (Figura 6).

De acordo com o relato dos catadores, até o ano de 1998, quando ocorreu a mortandade de caranguejos comentada anteriormente, o número médio de cordas retiradas variava entre 10 e 15, sendo que alguns chegavam a capturar até 25 cordas por dia. Atualmente, a maioria dos catadores (68%) afirma retirar no máximo quatro cordas e apenas 17% dizem tirar mais que 10 cordas (Figura 7), entretanto, para isso, tiveram que aumentar o esforço de captura. No tocante às técnicas de coleta, a maior parte utiliza o tapamento ou braceamento, ou um misto das duas técnicas (Figura 8). Geralmente, dirigem-se ao mangue 5 dias por semana, entretanto alguns costumam ir ao mangue até 6 ou 7 dias.

 

No que diz respeito ao estabelecimento de um possível período de "defeso", um número significativo de catadores concorda (50%), apesar de reconhecerem que há dificuldade de se cumprir legislação desse tipo, alegando não existir alternativa para prover o sustento da família durante o período. Quanto à proibição de coleta de fêmeas durante todo ano, para 39% dos entrevistados prevalece a opinião que seja colocada em cada corda, no máximo 4 fêmeas (cada corda tem 12 caranguejos; Figura 9).

Quando perguntados sobre o que seria mais importante para melhoria da qualidade de vida, as respostas foram diversificadas, dentre estas se destacaram: a criação de cooperativas e associações; seguro durante um possível período de defeso; geração de alternativas de emprego; assistência médico-odontológica e construção de viveiros para criação de camarão. Diversas são as dificuldades que os catadores alegam enfrentar em seu trabalho. O serviço pesado no mangue, a inexistência de garantia futura e presença de mosquitos no mangue durante a atividade de captura, figuram entre as reclamações apontadas com maior freqüência. Em contrapartida, quase todos alegam que a autonomia, pelo fato de não terem patrão e de trabalharem apenas nos dias que querem, estão entre as principais vantagens inerentes à sua profissão. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos catadores no seu "hostil ambiente de trabalho", estes devotam, em seus depoimentos, um enorme respeito ao mangue e aos recursos procedentes dele que provêem sua subsistência, revelando a sabedoria e a íntima relação que esses trabalhadores mantêm com esse ecossistema. A seguir, são colocados alguns depoimentos dos catadores acerca da importância do manguezal. Conforme o conteúdo, as falas foram classificadas nas seguintes categorias:

Alternativa contra a marginalidade

 "Se não tivesse o mangue, tinha muita gente roubando".

Bem de apropriação comum

 "Ë bom, porque quem tá segurando o povo é o mangue".

 "O mangue é importante porque pouco ou muito, a gente consegue".

 "Importante porque é uma coisa de todos".

Recursos do mangue constituem bem de troca

 "É muito importante porque quando falta alguma coisa a gente vai no mangue e pega para comer ou comprar alguma".

Conotação Divina

 "Porque é uma coisa que Deus deixou ali e quando precisa vamos pegar alguma coisa para comer".

Meio de subsistência

 "É tudo que tenho, o mangue, se não fosse o mangue".

 "É importante porque arruma o que comer".

 "É importante porque fornece o dinheiro da bóia".

 "É importante porque é uma área de trabalho que permite a sobrevivência".

 "É uma obra bonita da natureza e é a única solução para sobrevivência".

 "O mangue é importante porque a gente encontra um aratú, siri, ostra".

Sem perspectiva

"Sem futuro, pois trabalhamos muito e não arrumamos nada, mas ao mesmo tempo é importante, pois sem o mangue não temos outra opção de sobrevivência".

Discussão

Os catadores de caranguejo-uçá, a exemplo de seus pares, os catadores de moluscos e pescadores, habitam as áreas marginais dos rios estuarinos e seus manguezais. Conforme observado por Nishida (2000), esta opção, de longe, parece constituir a melhor solução, pois além de garantir um pedaço de chão para erguer suas toscas habitações, os coloca em contato direto com o ambiente de trabalho Percebe-se, então, a existência de um contra-senso, visto que, através de suas atividades diárias, levam para a mesa de diversos segmentos sociais, importantes iguarias da culinária regional, tais como: peixes, camarões, ostras, sururus, mariscos, caranguejos, entre outros (Silva, 2001).

A predominância masculina na catação de caranguejo, no estuário do rio Mamanguape, contrasta com a coleta de moluscos, que, segundo Nishida (2000), quase sempre tem um envolvimento familiar, sendo as mulheres e crianças membros bastante efetivos. Entretanto, corrobora as observações de Vergara Filho e Pereira Filho (1995), os quais constataram que na maioria dos estados brasileiros, a profissão de catador de caranguejo é quase sempre masculina, sendo que essas regras são quebradas somente em algumas localidades, como em São João da Barra (Rio de Janeiro), onde existem três vezes mais mulheres catando caranguejo do que homens, talvez por estes se dedicarem mais à pesca de siris, camarões e peixes. Maneschy (1993), em estudo realizado no Estado do Pará, ressalta que embora os catadores de caranguejo profissionais sejam predominantemente homens, há também a participação feminina, especialmente no verão, para complementar a renda familiar. Por outro lado, constata-se que durante a época de "andada", mulheres e crianças vão ao manguezal catar caranguejo, em virtude da facilidade de captura desse crustáceo nesse período.

O tempo de permanência no local, nas comunidades estudadas mostrou que a maioria dos entrevistados reside na área por mais de 20 anos. De acordo com Cabral (2001), o tempo de permanência no local é um fator importante de inclusão das populações dentro do conceito de comunidades tradicionais. Desse modo, tempos maiores de fixação de residência na área estudada sugerem que entre a categoria dos catadores de caranguejo ainda existe um sentimento de vínculo e pertinência ao ambiente. Para Marcelino (2000), em áreas estuarinas tradicionais, é comum a permanência média de moradores em comunidades pesqueiras por mais de 30 anos.

A permanência do morador por mais tempo no local de trabalho pode ser interpretada como resultado da disponibilidade de alimento oferecido gratuitamente pelo ambiente à população que habita áreas próximas aos manguezais (Cabral 2001). Como não há necessidade de custos adicionais (moradia, alimentação, transporte e água, por exemplo) não há motivos para migração. Esses fatos podem estar relacionados à manutenção de vínculos tradicionais das populações ribeirinhas com o meio em que vivem.

Os dados mostraram que a renda dos catadores é muito baixa, visto que mais da metade dos entrevistados afirmaram obter uma renda mensal menor que um salário mínimo. Esses valores são um pouco menores que aqueles obtidos por Nordi (1992), de 1 a 2 salários, para os catadores de caranguejo-uçá de Várzea Nova, PB. De acordo com os depoimentos dos catadores, antes da mortandade de caranguejos, esse crustáceo era muito mais abundante, ressaltando que esse fato provocou uma diminuição da produção e conseqüentemente da renda mensal. De um modo geral, a renda auferida pelos catadores difere muito da realidade nacional, sendo inferior ao rendimento médio de 2,2 salários para empregados não registrados (IBGE, 1998).

Vale destacar, porém, que alguns fatores como: ciclo de vida da espécie, fases da lua, saúde do catador, demanda etc, podem provocar alterações na produção dos catadores. Em virtude disso, quando a produção cai, alguns continuam catando caranguejos, mas muitos procuram um aditivo advindo de outras atividades, entre estas: a pesca, servente de pedreiro, trabalho no corte da cana-de-açúcar e catação de ostras, aratus, siris ou mariscos.

O baixo nível de instrução observado entre os catadores de caranguejo-uçá, neste trabalho, também foi verificado por Nordi (1992), entre catadores de caranguejo do estuário do rio Paraíba, procedentes da comunidade de Várzea Nova, PB, onde 71% dos entrevistados eram analfabetos e 28% semi-analfabetos, e por Nishida (2000), entre os catadores de moluscos do litoral paraibano, que constatou que apenas 21% dos entrevistados eram alfabetizados. Costa (1977) ressalta que a incidência do analfabetismo nos pescadores artesanais é um dos fatores que determinam que a pesca artesanal seja considerada primitiva, já que estes pescadores teriam grandes dificuldades de contextualizar a sua atividade e vislumbrar melhores possibilidades na elaboração de políticas públicas.

A falta de escolas, a ausência de incentivos para continuar os estudos e a necessidade de trabalhar para contribuir para melhoria da renda familiar representam os principais fatores que ocasionam o abandono das salas de aula. Maneschy (1993) observou que quando jovens que vivem próximos a áreas de manguezal confrontam as perspectivas longínquas de "melhorar de vida" através da obtenção de um diploma e a possibilidade imediata de ganhar seu próprio dinheiro todo dia, apanhando caranguejo ou pescando, esta última prevalece sobre a primeira, levando-o a deixar prematuramente a escola.

O abandono dos estudos e a inserção no mundo do trabalho resultam do contexto social e econômico em que essas comunidades estão inseridas, no qual o sucesso na escola, por membros de seu grupo social, constitui uma exceção. As informações obtidas neste estudo mostram que os entrevistados apresentaram um nível de escolaridade baixo (Figura 4), problema que não se restringe às localidades aqui estudadas. Essa situação reflete a precariedade do sistema educacional vigente, no qual a falta de material didático, ausência de bibliotecas, deficiente formação de professores, insuficiência de escolas, entre outros fatores, contribuem para reproduzir a situação de exclusão observada nessas comunidades.

Nas comunidades estudadas, observou-se que os catadores geralmente moram em casas de taipa, cobertas com telhas de cerâmica. Essas constatações são similares às de Paludo e Klonowsky (1999), nas comunidades de Barra de Mamanguape, Lagoa de Praia, Tramataia e Ilha de Arintingui, cujas porcentagens de casas de taipa foi de 68%, 77%, 90% e 100%, respectivamente. As referidas comunidades localizam-se no estuário do rio Mamanguape e estão inseridas na área de abrangência da APA da Barra do rio Mamanguape. Já Nishida (2000) assinalou que casas de taipa são raras nas comunidades do estuário do rio Paraíba, onde a facilidade de se obter tijolos de cerâmica, mais práticos e duráveis, está fazendo com que a taipa esteja caindo em desuso.

Muitos caranguejeiros manifestaram a disposição de deixar a profissão, caso tivessem outra alternativa, entretanto, fora atividade de catação, praticamente não há possibilidade de se conseguir emprego ou outra fonte de renda. A impossibilidade de conseguirem trabalho em centros urbanos maiores deve-se ao baixo grau de instrução, de modo que as opções disponíveis são, geralmente, as de menor nível de remuneração.

Constatou-se que os catadores constituem uma categoria ainda bastante desmobilizada, pois geralmente não fazem parte de nenhuma cooperativa ou associação. Maneschy (1993) observou a mesma situação entre catadores do Pará, sugerindo que a desmobilização da categoria traduz certamente o fato de que eles incorporam a imagem desvalorizada e estereotipada de seu trabalho que predomina na sociedade, e que inibe a tomada de consciência de sua importância enquanto grupo profissional.

Em relação à mortandade de caranguejos ocorrida em 1998, embora o motivo não tenha sido identificado até o momento, as possíveis causas apontadas pelos catadores mostram que esses são conscientes da existência de diversos fatores que degradam o ambiente e que têm influência na redução da quantidade de caranguejos. A maioria manifesta essa percepção quando mostra preocupação com a escassez de caranguejos e com a qualidade ambiental, associando a queda acentuada na produção a fatores como: poluição, introdução de técnicas de captura predatórias, intensificação do esforço de pesca e falta de fiscalização por parte dos órgãos ambientais.

Desse modo, os catadores demonstram estar conscientes da necessidade de preservação ambiental, apontando sua preocupação com a diminuição crescente do estoque de caranguejo-uçá, pois sentem que sua vida cotidiana está intimamente relacionada à preservação da espécie. Castanheira (1997) menciona que, em muitos locais, os próprios caranguejeiros solicitam e buscam formas de conservar os estoques desse crustáceo, pois já perceberam que seu meio de sobrevivência é proporcionalmente afetado quando as populações de caranguejo do seu local de coleta são alteradas.

Todavia, deve-se levar em conta que esses trabalhadores estão inseridos numa sociedade cuja economia estimula o crescimento desordenado e uma relação cada vez mais predatória com a natureza, a ponto de quase inviabilizar, em muitos locais, a sobrevivência por meio da pesca artesanal. É necessário destacar que as populações de catadores sofrem a influência de transformações históricas, estando integradas as economias de mercado e aos sistemas políticos, o que acaba por interferir no modo de vida, nas formas de exploração do recurso e na riqueza cultural dessas comunidades. Nordi (1992) ressalta que a situação de extrema carência por que passam essas comunidades, associada aos fatores que influenciam a pesca artesanal, como a imprevisibilidade de captura e a incerteza do mercado, pode levar a situações em que as populações não sejam capazes de atuar em harmonia com a natureza.

A luta pela sobrevivência, associada ao contexto socioeconômico em que estão inseridos, leva os catadores de caranguejo-uçá a desenvolverem suas atividades econômicas mantendo uma relação de sujeição com grupos de compradores que exploram seu trabalho, impossibilitando, muitas vezes, a percepção que sua prática pode estar relacionada a possíveis danos causados ao meio ambiente. Entre os próprios produtores existem opiniões divergentes quanto à leis que regulamentam a captura da espécie e quanto ao caráter predatório de uma ou outra forma de captura. Nesse sentido deve-se levar em consideração a situação de marginalidade social a que estão submetidas as comunidades de catadores de caranguejo-uçá, quando se estabelecem propostas de manejo para a espécie. Como menciona Nordi (1992), as populações humanas estão submetidas à leis sociais, mais do que às leis ecológicas, sendo fundamental uma visão integrada e prospectiva nas abordagens das relações humanas.

Vale destacar que, excetuando-se a comunidade de Marcação, as demais abordadas neste estudo estão inseridas em terras indígenas dos Potiguara. Segundo Cunha et al. (1994), as comunidades indígenas do litoral, durante muito tempo, viveram basicamente da agricultura de subsistência, da pesca e coleta de frutos do mar (peixes, camarões, ostras, mariscos, etc) e da captura de caranguejos. Estas atividades de produção têm sido prejudicadas, desde o final da década de 80, com a implementação do Programa Nacional do Álcool (Pro-álcool), que na mesma proporção dos subsídios financeiros às usinas sucroalcooleiras, proporcionou freqüentes mortandades de peixes, crustáceos e moluscos devido aos despejos de vinhoto (resíduo do processo de extração do álcool da cana), defensivos agrícolas e herbicidas nos rios Mamanguape, Sinimbu e Camaratuba, ocasionando a diminuição gradativa da produção pesqueira e a conseqüente diminuição da qualidade de vida desta população indígena, já afetada ao longo dos séculos de convivência com a sociedade nacional.

Não bastasse essa tragédia ambiental afetar o combalido sistema tradicional de produção potiguara, a captura do caranguejo-uçá, que era considerada a atividade mais importante do ponto de vista socioeconômico, sendo responsável pelo sustento de centenas de famílias indígenas, atualmente encontra-se bastante comprometida, uma vez que esse crustáceo fora praticamente dizimado por razões ainda não explicadas, causando sérios problemas aos catadores (Nishida et al., 1999). Neste sentido, observa-se o aumento de algumas práticas de pescarias predatórias e o agravamento das condições sociais e econômicas entre as populações envolvidas com a atividade de coleta do caranguejo-uçá em toda área de abrangência da APA de Barra do rio Mamanguape. Diante desse contexto, nas áreas sob influência estuarina dos rios Mamanguape, Estiva e Camaratuba, a carcinicultura tem sido vista como atividade redentora da crise socioeconômica de suas comunidades. Infelizmente a implantação desse tipo de atividade não vem ocorrendo de forma ecologicamente sustentável, o que tem gerado graves problemas ambientais (Ministério Público Federal, 2001), comprometendo ainda mais os estoques dos recursos explorados tradicionalmente.

Os catadores afirmam que as técnicas mais utilizadas por eles são o tapamento e o braceamento. Estas constatações corroboram o que foi observado por Nordi (1992), entre os catadores de caranguejo de Várzea Nova, estuário do rio Paraíba, onde os procedimentos que se fixaram ao nível populacional foram o "tapamento" e o "braceamento". Esse autor ressalta ainda a possibilidade de que o tapamento seja a forma originária de coleta desenvolvida pelos indígenas em séculos passados, levantando como indício dessa possibilidade, o fato de os tapadores serem até hoje considerados os "verdadeiros caranguejeiros" e revelarem mais conhecimentos sobre o recurso que coletam e fatores do ambiente. Ainda observa que embora a técnica de tapamento seja a de menor eficiência, essa parece ser a mais elaborada, menos predatória, mais seletiva e menos perigosa; essa última característica, associada ao maior valor comercial dos caranguejos tapados, parece ser a principal razão da persistência dos tapadores em número bastante representativo. Já Maneschy (1993), que realizou estudos em manguezais do Pará, sugere que o braceamento seria a forma mais antiga de apanha de caranguejo.

Embora um grande número de catadores concorde com uma possível proibição de não pegar caranguejo-uçá durante um período de defeso, estes afirmam que não cessariam suas atividades de coleta, alegando que não teriam outra alternativa de subsistência. Essa afirmação corrobora as observações de Rodrigues et al. (2000), que afirmam que uma legislação proibindo a atividade de cata durante o período integral de reprodução da espécie estaria provavelmente fadada ao descumprimento e ao descrédito, porque, além de esta atividade se encontrar revestida de forte caráter cultural, há ainda as condições sociais das populações usuárias do recurso e as dificuldades históricas para manutenção de uma fiscalização eficiente pelos órgãos governamentais.

Quando indagados sobre qual a importância do mangue, as falas dos catadores deixam transparecer a dimensão que esse ambiente representa para os mesmos. Para um deles "O mangue é importante porque é uma coisa que Deus deixou ali e quando precisa vamos pegar alguma coisa para comer". Por outro lado, segundo verificou Nordi (1992), denunciam o conformismo e a impotência diante da situação em que vivem. O depoimento de um deles de que "O mangue é sem futuro, pois trabalhamos muito e não arrumamos nada, mas ao mesmo tempo é importante, pois sem o mangue não temos outra opção de sobrevivência", corrobora as afirmações desse autor.

A atividade de catação constitui um trabalho árduo, que requer bastante esforço físico, de forma que quase todos os catadores de caranguejo-uçá afirmam que deixariam a profissão se tivessem outra alternativa. Um paradoxo, se considerarmos o extremo reconhecimento e respeito que esses trabalhadores, em sua maioria, demonstram pelo ecossistema de mangue, dando-lhes, em alguns casos, uma conotação divina.

Considerações Finais

A diminuição dos estoques de caranguejo-uçá e a introdução de técnicas de captura predatórias nos manguezais paraibanos alerta para o problema de uma possível ameaça à manutenção da espécie em níveis ecologicamente sustentáveis. Desse modo, a integração dos catadores ao meio ambiente aparece como racional para seu equilíbrio, já que a atividade de catação repousa justamente sobre a manutenção do habitat do caranguejo. Segundo Nordi (1992), a integração dos caranguejeiros ao ambiente de mangue pode ser uma forma eficiente de preservação do sistema ecológico, pois seus interesses como um grupo permanente sempre conflitarão com grupos fluidos, que se formam apenas para exploração do ecossistema, aproveitando-se das alterações ocorridas.

Programas que possibilitem a melhoria da qualidade de vida das famílias de catadores de caranguejo-uçá, sem sombra de dúvida, terão reflexos positivos na preservação da espécie. A geração de fontes alternativas de renda em períodos importantes do ciclo de vida da espécie, como a reprodução e muda, diminuiria a pressão de captura, favorecendo a recomposição dos seus estoques naturais e contribuiria para manutenção dessas comunidades e de sua cultura. Diante disso, como observado por Maneschy (1993), o associativismo dos produtores reveste-se de singular importância, para que se possa estimular a criação de alternativas de renda, não somente durante possíveis períodos de defeso, como também em ocasiões em que esses trabalhadores estejam impossibilitados de ir ao mangue, por motivo de saúde, por exemplo. Além disso, os catadores não representam uma categoria profissional regulamentada, não são cadastrados nos órgãos oficiais, portanto não tendo acesso aos direitos trabalhistas, como se não existissem para a sociedade. Torna-se evidente que o estabelecimento de medidas que visem a preservação da espécie deve ser feito de uma maneira gradativa e integrada, aliada ao acompanhamento das comunidades envolvidas, as quais deverão ser inseridas dentro de programas de educação ambiental e assistência social. Dessa forma elas poderão ser parte do processo de gestão, e não vítimas dele, assim como terão resgatado direitos mínimos à cidadania.

Diante dessa complexa realidade, o processo participativo de implantação de programas de gestão ambiental incorporado a uma dinâmica social, através de atividades que envolvam os catadores de caranguejo, parece ser uma solução plausível. Isso possibilitaria uma mudança na qualidade de vida e do meio ambiente, beneficiando um número significativo de pessoas que vivem no entorno de áreas de manguezais, modificando-se assim a situação de extrema miséria e abandono a que está submetida essa população marginal.

AGRADECIMENTOS

Aos catadores de caranguejo-uçá da Paraíba, pela amizade e contribuição para realização dessa pesquisa; a Gilson do Nascimento Melo, pelos comentários e sugestões propostas durante o desenvolvimento desse trabalho; a NEPREMAR, PPGCB (Zoologia), Universidade Federal da Paraíba; a CAPES, WWF-Brasil e USAID, pelo apoio financeiro.

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