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versión impresa ISSN 0378-1844

INCI v.28 n.4 Caracas abr. 2003

 

ECOLOGIA DA PESCA ARTESANAL EM POPULAÇÕES CAIÇARAS DA ESTAÇÃO ECOLÓGICA DE JURÉIA-ITATINS, SÃO PAULO, BRASIL

Milena Ramires e Walter Barrella

Milena Ramires. Bióloga, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduanda, Programa de Ecologia de Agroecossistemas da ESALQ/USP. Endereço: Av. Aldo Coli, 1081. Vila Mirim, Praia Grande, SP. Brasil. Cep: 11704-760. e-mail: micaicara@bol.com.br.

Walter Barrella. Biólogo, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Ecologia, UNICAMP. Doutor em Zoologia, Universidade Estadual de São Paulo (UNESP). Professor Associado e Diretor, Departamento de Ciências do Ambiente, Faculdade de Ciências Biológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). e-mail: dinamica@splicenet.com.br .

Resumen

La pesca artesanal fue estudiada en dos comunidades caiçaras de la Estación Biológica de Juréia-Itatins, São Paulo, Brasil. El objetivo fue conocer la composición del pescado capturado, la productividad pesquera y sus relaciones con variables abióticas (lluvia, marea y luna). Los datos fueron obtenidos a través de muestreos de desembarques pesqueros y de fichas de campo y cuestionarios, en el periodo setiembre 2000 - agosto 2001. Los análisis de productividad fueron hechos a través del cálculo de captura por unidad de esfuerzo (CPUE). En Barra de Una fueron analizados 20 desembarques, con un total de 282,6kg de pescado capturado; 19340m2 de redes utilizadas; 177,5 horas invertidas; 12 especies de peces capturadas; CPUE1 de 0,001kg/m2/hora; y CPUE2 de 10526kg/pescador/hora. En Guaraú fueron analizados 32 desembarques, con un total de 607,9kg de pescado capturado; 27320m2 de redes utilizadas; 246,5 horas invertidas; 24 especies de peces capturadas; CPUE1 de 0,0015kg/m2/hora; y CPUE2 de 1,0191kg/pescador/hora. La similitud de especies observada en los desembarques de las dos comunidades fue de 33%, de acuerdo el Coeficiente de Similitud de Jaccard. Una colección zoológica de peces de la región fue elaborada y cuenta con 54 especies identificadas, pertenecientes a 28 familias.

Summary

Artisanal fishery at two villages in Juréia-Itatins Ecological Station, São Paulo State, Brazil, was studied between September 2000 and August 2001, in order to analyze fish composition and yield, and their relation to environmental variables (rain, tides and moon). Productivily analysis was made through capture per unit of effort (CPUE). In Barra do Una, 20 disembarkations caught 282.6kg of 12 fish species, using 19340m² of nets, in 177.5 hours, obtaining a yield of 0.001kg/m²/hour (CPUE1) or 1.0526kg/fisherman/hour (CPUE2). In Guaraú, 607.9kg of 24 fish species were collected in 32 disembarkations, utilizing 27320m² of nets in 246.5 hours of fishing effort, with yields was 0.0015kg/m²/hour (CPUE1) or 1.0191kg/fisherman/hour (CPUE2). In spite of closeness of yield values, the disembarkations composition at these two villages was distinct, with only 33% similarity (Jaccard Index). A fish collection of 54 species belonging to 28 families was made.

Resumo

A pesca artesanal foi estudada em duas comunidades caiçaras da Estação Ecológica de Juréia-Itatins, São Paulo, Brasil. O objetivo foi o de conhecer a composição do pescado capturado, a produtividade pesqueira e suas relações com variáveis abióticas (chuva, maré e lua). Os dados foram obtidos através de amostragem dos desembarques pesqueiros e de fichas de campo e questionários, no período setembro 2000 - agosto 2001. As análises da produtividade foram feitas através do cálculo de captura por unidade de esforço (CPUE). Na Barra do Una foram analisados 20 desembarques, com um total de 282,6kg de pescado capturado; 19340m2 de redes utilizadas; 177,5 horas gastas; 12 espécies de peixes capturadas; CPUE1 de 0,001kg/m2/hora; e CPUE2 de 10526kg/pescador/hora. No Guaraú foram analisados 32 desembarques, com um total de 607,9kg de pescado capturado; 27320m2 de redes utilizadas; 246,5 horas gastas; 24 espécies de peixes capturadas; CPUE1 de 0,0015kg/m2/hora; e CPUE2 de 1,0191kg/pescador/hora. A similaridade de espécies observada nos desembarques das duas comunidades foi de 33%, de acordo com o Coeficiente de Similaridade de Jaccard. Uma coleção zoológica de peixes da região foi elaborada e conta com 54 espécies identificadas, pertencentes a 28 famílias.

PALAVRAS CHAVE / Ecologia Humana / Peixes / Pesca Artesanal / Populações Caiçaras / Atividade Pesqueira /

Recebido: 17/04/2002. Modificado: 27/01/2003. Aceito: 07/04/2003

A organização Internacional do Trabalho (OIT) define como pescadores os trabalhadores que se dedicam à captura de pescado e exercem as funções de membros das tripulações de barcos pesqueiros, executando diversas tarefas de pesca de altura no caso dos pescadores marítimos ou tarefas específicas da pesca de água doce e águas costeiras. Ainda fazem parte desta definição os coletores de esponjas e pérolas, algas e sargaços, moluscos e crustáceos, os ostricultores e baleeiros (Maldonado, 1986). A pesca artesanal é definida como aquela em que o pescador sozinho ou em parcerias participa diretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples. Da pesca, retiram a maior parte de sua renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares (Diegues, 1988a). Enquanto processo de trabalho, a pesca artesanal encontra-se em contraste com a pesca industrial por ser exercida com métodos simples e suas características são muito diversificadas, tanto em relação aos hábitats onde atuam quanto aos estoques que exploram (Begossi, 1992; Maldonado, 1986).

No Brasil, do século XVIII ao início do século XX, verificou-se a formação de várias comunidades marítimas e litorâneas, cujos membros viviam inteira ou parcialmente da atividade pesqueira (Silva, 1993). Trata-se das comunidades caiçaras caracterizadas como frutos da miscigenação entre índios, europeus e negros. Durante longo período estas comunidades ficaram relativamente isoladas próximas ao litoral do sudeste brasileiro e têm uma cultura particular que as diferencia das comunidades tradicionais do interior do continente (Diegues, 1988b; Luchiari, 1992, 1997). Até o final do século XIX, as comunidades caiçaras do Litoral Sul do Estado de São Paulo e as caipiras do interior do Vale do Ribeira praticavam amplamente a agricultura itinerante. Já por volta de 1910, com a falência do comércio agrícola, as comunidades caiçaras se voltaram às atividades de pesca artesanal, com fins de subsistência, estimulando pouco a pouco o comércio de pescado, comprado pelos barcos vindos de Santos (Sanches, 1997).

Hoje em dia, a pesca artesanal é uma das características marcantes da cultura caiçara e opera dentro dos limites impostos pelo meio ambiente, tanto devido ao baixo esforço da pesca quanto à heterogeneidade e incertezas do ambiente como clima, tempo, viabilidade de peixes, entre outros fatores também importantes que afetam a viagem de pesca e estratégias utilizadas (Bartheim et al., 1997; Begossi, 1992; Diegues, 1988a).

O presente trabalho teve como objetivo analisar a dinâmica da pesca artesanal realizada em duas comunidades caiçaras da Estação Ecológica de Juréia-Itatins com respeito à composição do pescado, produtividade e suas possíveis relações com variáveis abióticas.

Metodologia

A Estação Ecológica de Juréia-Itatins (EEJI) situa-se no Litoral Sul de São Paulo, Brasil, sob as coordenadas 24º18’42"S, 24º36’10"S e 47º00’03"W, 47º30’07"W. Possui uma área de aproximadamente 80000ha abrangendo terras pertencentes aos municípios de Itariri, Miracatu, Pedro de Toledo, Iguape e Peruíbe (Oliveira, 1993). As comunidades caiçaras estudadas são a Barra do Una e o Guaraú, pertencentes ao município de Peruíbe.

Através de amostragens de desembarques pesqueiros realizados nas comunidades estudadas foram obtidas as seguintes informações sobre a atividade pesqueira das comunidades: a) quantidade de peixes capturados (em kg); b) métodos de pesca e aparelhos utilizados; c) o tempo de viagem e distância até o local de pesca; d) o tempo de permanência das redes na água; e) o tamanho das redes; f) o período do dia e g) o número de pessoas envolvidas na pescaria. O pescado foi pesado de duas maneiras: 1) em conjunto, representando o produto final da pesca (biomassa); e 2) o pescado separado por espécie. Também foram anotadas as variáveis abióticas, como as fases da lua, nível da maré (alta, média ou baixa) e ocorrência de chuva.

Foram feitas entrevistas com os pescadores artesanais das comunidades estudadas com o intuito de descrever a pesca realizada por eles, bem como as técnicas e estratégias empregadas na atividade pesqueira. Alguns exemplares das espécies capturadas pelos pescadores foram gentilmente cedidos e outros foram comprados de moradores da comunidade. Estes peixes foram fixados em formol 10% e levados para o Laboratório de Ecossistemas Aquáticos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (campus Sorocaba), onde foram armazenados em álcool 70%, em seguida, identificados através de chaves de identificação taxônomica seguindo principalmente Figueiredo (1977), Figueiredo e Menezes (1978; 1980; 2000) e Menezes e Figueiredo (1985).

A análise referente ao esforço da pesca foi padronizada através de cálculos de captura por unidade de esforço (cpue). Segundo Lowe-McConnell (1999), estatísticas confiáveis de captura são vitais para a pesquisa pesqueira, uma vez que as áreas tropicais remotas são de consistência muito variável. Usa-se a CPUE para comparar capturas de diferentes locais, períodos e métodos utilizados. Segundo a autora, fatores como o tamanho das redes, a velocidade das embarcações, o método utilizado, o tempo gasto nas pescarias e outros fatores afetam a eficiência da pesca. Conforme a pesca se desenvolve, a CPUE inevitavelmente declina à medida que aumenta o número de pescadores participantes das capturas ou à medida que são utilizadas maiores quantidades de redes. Devido a esses fatores, convencionou-se fazer os cálculos de CPUE de duas formas: CPUE1 (kg/m²/h), que relaciona o peso (kg) total da pesca com o tamanho das redes utilizadas (m²) e o tempo gasto nas pescarias (horas); e a CPUE2 (kg/pescador/ h), que relaciona o peso (kg) total com o número de indivíduos envolvidos na pescaria e tempo gasto (horas).

Resultados

A pesca realizada nas duas comunidades se caracteriza por ser realizada em família, ou seja, a mão de obra que auxilia o pescador nas pescarias vem sempre de membros da família, como filhos, irmãos, primos etc. Na comunidade da Barra do Una todas as famílias possuem pelo menos uma pessoa que pesca, porém, a principal fonte de renda das famílias é proveniente do turismo. Os moradores também trabalham como caseiros na casa dos turistas, comerciantes nos bares, donos de campings, pilotos de barcos para passeios, guias para pesca esportiva e também vendem iscas vivas para os pescadores esportivos. Apenas duas famílias vivem exclusivamente da pesca. Na comunidade do Guaraú existe um bar administrado por uma senhora que atende aos turistas que procuram a área para lazer e para a prática da pesca esportiva. Seus filhos, irmãos e sobrinhos são encarregados de capturar o pescado para ser comercializado no bar. Além disso, há uma pequena banca de peixes junto ao bar onde os pescadores comercializam o pescado. Em épocas nas quais há um excedente de peixes, ou seja, a quantidade de peixes capturada é superior à demanda do bar e da banca de peixes, o excesso é vendido no Mercado Municipal de Peruíbe.

Na comunidade da Barra do Una não há mais uma rotina de pesca. Os pescadores saem para armar as redes conforme a disponibilidade de tempo de cada um. Diferente da comunidade do Guaraú, mesmo desenvolvendo atividades como passeios de barcos ou aluguel para pescadores esportivos, os pescadores artesanais sempre procuram armar ou visitar suas redes no início da manhã ou no final da tarde para que possam fazer outras atividades enquanto as redes estão armadas.

A pesca das duas comunidades utiliza a "rede de espera"como principal método de pesca. Este método é realizado com redes chamadas pelos pescadores locais de "malhadeiras", confeccionadas com panos de redes simples, com bóias na parte superior e chumbos na parte inferior. As redes são armadas de modo a permanecerem na posição vertical dentro da água, para que alcancem a maior parte da coluna d’água. Cada rede possui de 70 a 100m de comprimento por aproximadamente 2 ou 2,5m de altura. Os pescadores das comunidades da EEJI usam redes cujas malhas variam de 7 a 14cm entre nós opostos. As redes malhadeiras são também usadas para o "caceio", uma técnica de pesca onde os pescadores, ao avistarem um cardume, vão soltando aos poucos as redes e deixando com que a correnteza as leve até um determinado ponto onde os peixes se emalham e assim a despesca é feita.

Além das redes malhadeiras, há também outros métodos de pesca como, por exemplo, o "picaré", que é uma pequena rede de arrasto de praia manual, normalmente manejada por dois pescadores, um em cada lado da rede, que entram na água e arrastam a rede até um determinado ponto; depois, são trazidas até a praia para a despesca. Outro método utilizado pelas comunidades da EEJI é a "tarrafa", um tipo de rede cônica, com chumbos em toda a margem e uma corda presa ao centro. Na comunidade do Guaraú, um pescador mencionou este método, mas nenhuma pescaria realizada com tarrafa foi amostrada.

O deslocamento dos pescadores até os locais de pesca é feito através de barcos de alumínio e motor de popa. Alguns pescadores da Barra do Una utilizam canoas a remo quando as redes são armadas mais próximas. As canoas a remo também são utilizadas por alguns pescadores quando pescam com "tarrafas".

Na Barra do Una foram amostrados 20 desembarques que totalizaram 282,6 kg de pescado, enquanto que na comunidade do Guaraú, foram amostrados 32 desembarques pesqueiros, que totalizaram 607,9kg de pescado, conforme mostra a Tabela I. A Tabela I também mostra os dados de rendimento relacionados com as variáveis: fase da lua, nível da maré e presença ou ausência de chuva.

Diferentemente do que foi observado na comunidade da Barra do Una, no Guaraú ocorreram desembarques tanto na presença como na ausência de chuva. Foi possível verificar que na presença de chuva o rendimento foi maior do que na ausência de chuva. Os pescadores das duas comunidades evitam pescar com chuva, pois ela influência as condições da maré que torna perigoso o deslocamento com as embarcações até os pontos de pesca.

A Tabela II mostra a distribuição temporal e os respectivos pesos (kg) das espécies capturadas na comunidade da Barra do Una. Foram capturadas 12 espécies de peixes, com total de 282,6 kg, com esforço pesqueiro total referente a 19340m² de redes e 177,5 horas gastas. Em um desembarque foi observada a presença de "mistura". A mistura é composta por peixes de várias espécies de baixo ou nenhum valor comercial e que normalmente são de tamanhos inferiores aos peixes freqüentemente comercializados.

Na comunidade do Guaraú, foram capturadas 24 espécies, totalizando um peso de 607,9kg, com esforço referente a 27320m² de redes utilizadas e 246,5 horas foi o total de tempo gasto nas pescarias amostradas, conforme mostra a Tabela III, bem como a distribuição e os respectivos pesos (kg) das espécies capturadas.

A Tabela IV mostra as espécies de peixes coletadas e identificadas nos desembarques pesqueiros analisados nas duas comunidades caiçaras estudadas.

Através do Coeficiente de Similaridade de Jaccard (Ccj), no qual foram utilizados os dados de presença e ausência das espécies contidas nos conjuntos amostrais, ou seja, nos desembarques pesqueiros observados, foi possível verificar a similaridade entre as duas comunidades. Nove espécies foram comuns nas duas comunidades. O resultado foi de 33% de similaridade entre as espécies capturadas nas duas comunidades.

Discussão

A pesca artesanal realizada pelas comunidades da EEJI assemelha-se aos moldes de pequena produção mercantil diferenciada por Diegues (1983) da pesca capitalista (industrial). Este tipo de pesca se caracteriza por apresentar: processo de trabalho organizado dentro da unidade familiar ou grupo de vizinhança, tecnologia de baixo poder de predação, nicho explorado restrito, uso de instrumentos simples e de propriedade familiar, tradição como fonte de conhecimentos acerca da pesca, entre outras características. Porém, a pesca artesanal não é a única atividade desenvolvida pelas comunidades da EEJI. Na comunidade da Barra do Una, a principal fonte de renda das famílias provém de atividades relacionadas ao turismo. Apenas duas famílias vivem exclusivamente da pesca o ano todo e, mesmo assim, apresentam relações com o turismo, uma vez que a maior parte do pescado é vendida aos turistas em época de férias. Os demais pescadores pescam apenas para consumo da família ou em épocas em que não há turistas na comunidade. Alguns deles acabam pescando para vender o produto no mercado de peixes de Peruíbe.

Na comunidade do Guaraú, a pesca continua sendo a principal fonte de renda, porém também apresenta forte relação com o turismo. Os pescadores pescam diariamente e preferem vender o pescado para os turistas que freqüentam a comunidade. Segundo eles, o turista já chega na comunidade à procura de peixe fresco e pagam o preço que for pedido. Para eles é mais vantajoso vender aos turistas que levar o pescado até o mercado municipal de peixes em Peruíbe, ou entregar aos atravessadores que pagam menos pelos peixes. Mesmo pescando diariamente, os pescadores do Guaraú também desenvolvem outras atividades, como, passeios de barco, guias para pesca esportiva, etc. Os pescadores costumam armar as redes pela manhã ou no final da tarde. Enquanto as redes permanecem no mar, eles aproveitam o tempo para desenvolver essas atividades paralelas. A despesca das redes é realizada no final do dia quando as redes foram armadas de manhã, ou no dia seguinte bem cedo quando as redes foram armadas no final do dia anterior.

No período em que o turismo diminui, a pesca acaba sendo a única atividade dos pescadores do Guaraú e o pescado é vendido no mercado municipal de Peruíbe. Porém a maioria, continua pescando só para consumo familiar. Em algumas comunidades caiçaras de outras regiões, a pesca artesanal ainda é desenvolvida como principal fonte de renda, como, por exemplo, as comunidades do Parque Estadual de Ilha Bela (SP), onde Maldonado (1997), aponta que a pesca, além de ser a principal fonte de renda, é também em 80% dos casos praticada como forma de subsistência. A pesca artesanal também é a principal atividade econômica da comunidade de Marituba do Peixe no Rio São Francisco (Silva et al., 1990).

Segundo os pescadores, a "rede de espera" é o método mais produtivo. E de acordo com o tamanho da malhagem das redes utilizadas elas fazem com que o resultado da pesca seja mais seletivo quanto ao tamanho dos peixes pretendidos para a comercialização. A rede de espera o malhadeira, foi o principal método utilizado pelos pescadores das comunidades do Rio Piracicaba estudadas por Begossi et al. (sem data). A forma como essas redes são usadas são semelhantes às da EEJI, ou seja, a malhagem empregada varia de acordo com as espécies-alvo da pescaria. Por exemplo, para a pesca de peixes como o dourado e curimbatá os pescadores do Rio Piracicaba no interior de São Paulo (Brasil) utilizam malhas de 10 a 14cm entre nós opostos. A corvina, o mandi e a traíra são capturados com malha 7cm entre nós opostos, enquanto que os lambaris são capturados com redes de malha pequena (3cm entre nós opostos).

Em outras comunidades caiçaras, a rede de espera também é o método mais utilizado, como mencionado por Hanazaki (1995) na comunidade da Ponta do Almada, em Ubatuba (SP). Ao contrário do que acontece na comunidade de Mamanguá (RJ) onde Diegues e Nogara (1999) relatam o uso da rede de espera por apenas 8,3% dos pescadores.

Na comunidade da Barra do Una, os pescadores preferem pescar na região do estuário, próximo à Barra do Rio Una do Prelado, ou ainda no próprio rio. Apenas um pescador sai em mar aberto para pescar. Já na comunidade do Guaraú os pescadores preferem armar suas redes em mar aberto e utilizam a foz do Rio Guaraú apenas para o tráfico das embarcações. O "picaré", é utilizado apenas na Barra do Una. Este método não é muito praticado pelos pescadores do Guaraú, uma vez que esta comunidade se localiza na beira do Rio Guaraú; por isso, os pescadores necessitam desloca-se de barco para chegar até a praia, local onde é praticado o picaré. Por outro lado, o "caceio" é um método utilizado apenas no Guaraú. Este método é utilizado para a pesca do cação e é praticado em mar aberto. Portanto, não é praticado pela comunidade da Barra do Una. Alguns métodos citados em estudos realizados em outras regiões do litoral brasileiro não são utilizados pelas comunidades da EEJI. Na comunidade de Búzios (SP) estudada por Begossi (1992), o jangarelho foi o aparelho mais utilizado durante o estudo. A autora ainda aponta a especificidade de alguns métodos, como o corrico e a lambreta, que são usados para a pesca da enchova (Pomatomus saltatrix), e o picaré, que é utilizado apenas para a pesca do panaguairú (Heminaphus balao) nos meses de maio e junho. Tanto o jangarelho como o corrico e a lambreta não foram citados e nem observados na pesca desenvolvida pelas comunidades da EEJI. O picaré é usado na Barra do Una, mas o paranaguairú (H. balao), que em Búzios (SP) é pescado com este instrumento não foi citado por nenhum pescador da EEJI e não foi observado em nenhum desembarque pesqueiro amostrado.

Segundo Begossi (1998) os pescadores da Ilha de Búzios também utilizam linhas e anzóis para a pesca de espécies como a enchova (P. saltatrix), além de outros aparelhos como canoas a motor e redes de cerco para a pesca da corvina, betara e tainha. Nas comunidades da EEJI, redes de cerco e canoas a motor não são utilizadas; linhas e anzóis, segundo os pescadores, são pouco produtivos e gastam muito tempo. Por isso que quase nunca são utilizados. As mesmas espécies que os pescadores da Ilha de Búzios capturam com o cerco, nas comunidades da EEJI são capturadas com redes de espera ou picarés.

Os resultados do rendimento pesqueiro (CPUE 1 e 2) comprovam a influência de variáveis ambientais, como as fases da lua, o nível da maré e a presença ou não de chuva no rendimento da pesca. Clauzet (2000) realizou análises da atividade pesqueira relacionada a variáveis ambientais em Ubatuba/SP e mostrou que os desembarques pesqueiros amostrados renderam mais durante as fases de lua crescente e na maré baixa, o que mostra a influencia das variáveis ambientais no rendimento pesqueiro.

Nas entrevistas, os pescadores sempre apontaram a chuva e o vento como fatores modificadores das condições ambientais. As más condições do tempo dificultam o trabalho por tornar o tráfico de embarcações perigoso, uma vez que a chuva e o vento, na maioria das vezes, deixam as barras dos rios e o mar muito agitados. Tendo em vista o perigo, os pescadores evitam sair com suas embarcações quando está chovendo ou ventando muito. Begossi (1992), em seu trabalho realizado na Ilha de Búzios (SP), mostrou que a chuva não interferiu na atividade pesqueira, enquanto que o vento forte de setembro e outubro foi um fator limitante para a pesca desta comunidade porque as canoas usadas eram pequenas e nos dias em que o tempo estava ruim devido à atividade do vento, o risco era maior, fazendo com que estas variáveis interferissem no rendimento pesqueiro da comunidade estudada em relação ao número de desembarques realizados.

Os pescadores avaliam se suas pescarias foram produtivas ou não através da relação entre o peso total e as espécies capturadas. Para eles, uma pesca de 10kg de caratinga (Eugerres brasilianus) parece ser maior que uma pesca de 5kg de robalo (Centropomus undecimalis). Porém, na hora da comercialização, a pesca do robalo será mais rentável, pois trata-se de um peixe mais caro e de melhor comercialização porque é muito procurado pelos turistas.

Conclusões

A pesca artesanal é uma atividade pouco praticada atualmente pelas comunidades caiçaras da Estação Ecológica de Juréia-Itatins. Trata-se de uma atividade pouco rentável econômicamente se comprada com outras atividades como o turismo. Os pescadores que antes viviam apenas da pesca, hoje trabalham como guias de pesca esportiva, alugam os quintais de suas casa para campistas, são caseiros, donos de bares, etc.

Não existe uma rotina de pesca. Os pescadores saem para pescar esporádicamente ou de acordo com a sazonalidade do turismo, ou seja, em épocas de muito turismo pescam apenas para atender a demanda dos próprios turistas e para o consumo familiar. Em épocas de baixo turismo pescam mais para comercializar o excedente. Devido a isso, foram poucos os desembarques pesqueiros amostrados no período de estudo. O baixo esforço empregado na atividade de pesca resulta em baixa produtividade pesqueira.

Espécies como o robalo, a pescada e a tainha são freqüentemente mais procuradas pelos turistas e conseqüentemente mais capturadas pelos pescadores. Portanto, estiveram mais presentes nos desembarques pesqueiros amostrados.

As variáveis (lua, chuva e maré) observadas pouco influenciaram na produtividade pesqueira, devido à baixa quantidade de desembarques amostrados, o que impossibilitou maiores conclusões.

Embora pouco praticada a pesca artesanal ainda faz parte do cotidiano dessas comunidades, tanto em relação à obtenção de recursos para consumo familiar e atividade econômica, como em relação à forma peculiar como é praticada, mostrando fortes traços da cultura caiçara.

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