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Utopìa y Praxis Latinoamericana

versión impresa ISSN 1315-5216

Utopìa y Praxis Latinoamericana v.12 n.36 Maracaibo mar. 2007

 

Gramsci além de Maquiavel e Croce: Estado e sociedade civil nos "Quaderni del carcere" 

Gramsci beyond Maquavelo y Croce: State and Civil Society in "Prison Notes" 

Álvaro BIANCHI

Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Centro de Estudos Marxistas da Unicamp, Brasil 

RESUMEN 

Este artículo pretende investigar la construcción gramsciana de los conceptos de Estado y sociedad civil en los Quaderni del carcere. Por intermedio de una lectura genético-diacrónica, que valoriza el carácter fragmentario de la obra, las fuentes a las cuales recurre su autor y el tiempo de su producción, se busca revalorizar el carácter unitario y orgánico del pensamiento de Gramsci. Es posible, de ese modo, encontrar una comprensión de la sociedade civil y la sociedad política (Estado strictu sensu) en la cual esos diferentes términos no se encuentran en una relación de antagonismo, como podría afirmarse de una lectura hegemónica de esa obra, y si en una relación de unidad-distinción.

Palabras-clave: Estado, sociedad civil, Gramsci, Machiavelli, Croce. 

ABSTRACT 

This paper aims at investigating the Gramscian construction of the concepts of State and civil society within the Quaderni del carcere. By means of a genetic-diachronic reading, which emphasizes the fragmentary character of this work, the sources to which resorts its author and the time period of its production, it is sought the revaluation of the unitary and organic character of Gramsci’s thought. Therefore, it is possible to found an understanding of the civil society and the political society (the State strictu sensu/) in which these distinct terms do not have an antagonistic relationship, as stated by a hegemonic reading of this work and rather a relationship of unity-distinction.

Key words: State; civil society, Gramsci, Machiavelli, Croce. 

Recibido: 15-10-2006  Aceptado: 11-12-2006 

“Buscar a real identidade na aparente diferença e contradição, e procurar a substancial diversidade sob a aparente identidade é a mais delicada, incompreendida e contudo essencial virtude do crítico das idéias e do historiador do desenvolvimento histórico” (Gramsci: Q 24, § 3, p. 2268). 

Não há como negar a existência de uma leitura hegemônica da obra de Gramsci. Nela, o marxista sardo se afirmaria como um teórico das superestruturas, um profeta da sociedade civil “organizada” e um defensor da “conquista de espaços” na democracia. O epicentro dessa leitura pode ser encontrado em uma apropriação reducionista do conceito gramsciano de Estado em seu sentido “orgânico e mais amplo” para a qual a interpretação de Norberto Bobbio tornou-se paradigmática. Nessa apropriação, a unidade entre estrutura e superestrutura, sociedade política e sociedade civil, ditadura e hegemonia era cindida e uma relação de antagonismo era constituída entre cada um desses termos. 

O objetivo deste artigo é proceder a uma reconstrução do conceito gramsciano de Estado, com vistas a superar o falso antagonismo instituído entre esses conceitos e revalorizar o caráter unitário e orgânico do pensamento de Gramsci. Tal reconstrução exige uma leitura genético-diacrônica, que valorize o caráter fragmentário da obra do marxista sardo, as fontes às quais ele recorre e o tempo de sua produção. 

ESTADO EN SEU SENTIDO “ORGÂNICO” E MAIS AMPLO 

O ponto de partida para a análise do conceito de Estado pode ser uma nota, presente já no Primo Quaderno, intitulada La concezione dello Stato secondo la produttività [funzione] delle classi sociale. Nessa nota, afirmava Gramsci: “Para as classes produtivas (burguesia capitalista e proletariado moderno) o Estado não é concebível mais que como forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção”1

O Estado é a expressão, no terreno das superestruturas, de uma determinada forma de organização social da produção. Assim, a conquista do poder e a afirmação de um novo mundo econômico e produtivo são indissociáveis e é dessa condição unitária que decorre a própria unidade da classe que é, ao mesmo tempo, política e economicamente dominante. 

Esta definição é, entretanto, apenas um ponto de partida. Perguntas pertinentes não encontram neste marco preliminar, respostas satisfatórias. Gramsci está ciente destas dificuldades. Ainda nesse parágrafo coloca a necessidade de conceber essa relação entre economia e política sem descurar as complexas relações existentes entre desenvolvimento econômico e político local (nacional) e internacional. Bem como o processo de racionalização por meio do qual os intelectuais fazem com que a função histórica do Estado apareça como determinação do absoluto. 

A segunda versão dessa nota, inscrita no interior do Quaderno 10, revela que Gramsci considerava necessário aumentar as salvaguardas que impedissem a constituição de uma concepção reducionista do Estado. Essa nova versão denota um esforço crescente do autor ao longo dos Quaderni com vistas à depurar o materialismo histórico de todo resíduo economicista. Esse empenho torna-se cada vez mais evidente à medida que a redação avança no tempo e que as notas anteriores são retomadas nos cadernos especiais2. Na segunda versão do texto que está aqui sendo analisado, o marxista italiano reproduz uma importante passagem da versão original, más acrescenta alguns cuidados: 

Se bem que seja certo que para as classes produtivas fundamentais (burguesia capitalista e proletariado moderno) o Estado não seja concebível mais que como forma concreta de um determinado mundo econômico, de um determinado sistema de produção, não é dito que a relação entre meios e fins seja facilmente determinada e assuma o aspecto de um esquema simples e óbvio a primeira vista3

As precauções tomadas pelo marxista italiano são plenamente justificadas. Afinal, como explicar, por exemplo, o caso de seu próprio país no século XIX sem tomar esses cuidados e evitar uma concepção instrumentalista? A necessidade de renovação do Estado italiano não foi definida por uma profunda transformação na estrutura social. Se bem que esta transformação estivesse se processando, ela ainda não havia gerado forças sociais progressivas vigorosas o suficiente para dirigir a mudança social. As forças sociais emergentes representavam, mais do que a força do presente, as possibilidades do futuro. As mudanças que se processavam no Estado não refletiam uma organização econômica previamente existente. A renovação do Estado italiano precedia, assim, a modernização da economia. 

Mas para além dessa realidade que se apresentava sobre o terreno nacional italiano, havia uma situação internacional favorável à expansão e à vitória dessas forças. E foi a combinação entre as forças progressivas escassas e insuficientes e essa situação internacional o que permitiu a renovação do Estado italiano e determinou os limites sob os quais ela se deu4. O caso italiano mostra que as relações entre Estado capitalista e o mundo econômico (relações entre superestrutura e estrutura) não podem ser determinadas de maneira fácil sob a forma de um simples esquema. Para entendê-las é preciso ter em mente que esses dois conjuntos formam uma totalidade que possui, em seu interior, diversas temporalidades. Este desencontro dos tempos das superestruturas e das estruturas constitui a maior dificuldade enfrentada pelas teorias instrumentalistas do Estado que, definindo-o como mero reflexo do mundo econômico, não conseguem explicar as transições ao capitalismo nas quais a transformação do Estado se antecipa à plena transformação do mundo econômico5

O desenvolvimento da economia e da política encontra-se intimamente vinculado e marcado por influências, ações e reações recíprocas, pelas lutas que protagonizam as classes em presença e as formas superestruturais destas no terreno nacional e internacional. Reconhecer esses vínculos não implica em admitir que transformações no mundo econômico provoquem uma reação imediata a modificar as formas superestruturais, ou vice-versa. Certo descompasso entre as mudanças ocorridas nesses conjuntos é, até mesmo, previsível, muito embora exista uma tendência à adequação de um a outro. Esta tendência não é, senão, a busca de uma otimização das condições de produção e reprodução das relações sociais capitalistas através da unidade econômica e política da classe dominante, unidade que se processa no Estado. 

Desta maneira, o “Estado é concebido como organismo próprio de um grupo, destinado a criar as condições favoráveis à máxima expansão do próprio grupo”6. Mas atenção, essa expansão para ser eficazmente levada a cabo, não pode aparecer como a realização dos interesses exclusivos dos grupos diretamente beneficiados. Ela deve apresentar-se como uma expansão universal – expressão de toda a sociedade –, através da incorporação à vida estatal das reivindicações e interesses dos grupos subalternos, subtraindo-os de sua lógica própria e enquadrando-os na ordem vigente. Incorporação essa que é o resultado contraditório de lutas permanentes e da formação de equilíbrios instáveis e de arranjos de força entre as classes. Processo limitado pelas necessidades de reprodução da própria ordem e que se restringe, portanto, ao nível das reivindicações econômico-corporativas. 

Chegamos ao ponto da exposição no qual se faz necessário precisar os contornos do Estado. Os elementos gerais foram, em grande medida apresentados e o leitor mais atento e familiarizado com o tema não terá muitas dificuldades em prever aonde se quer chegar. O Estado é, aqui, entendido em seu sentido orgânico e mais amplo como o conjunto formado pela sociedade política e sociedade civil. É no Quaderno 6, redigido entre novembro de 1930 e janeiro de 1932  e composto em sua maioria de textos B que essa definição é apresentada de modo explícito por Gramsci, sob o conceito de “Estado integral”. 

A formulação aparece pela primeira vez quando o marxista sardo analisa o processo de constituição de uma ordem social após a Revolução Francesa de 1789 na qual a burguesia “pode apresentar-se como ‘Estado’ integral, com todas as forças intelectuais e morais necessárias e suficientes para organizar uma sociedade completa perfeita”7. A construção do texto gramsciano põem-se em nexo evidente com o prefácio de 1859. Tendo reunido as condições necessárias e suficientes para a superação da antiga ordem pôde a burguesia proceder à completa reorganização da sociedade. No mesmo sentido, fazendo referência ao desenvolvimento político da Revolução Francesa após 1793, Gramsci referia-se à iniciativa jacobina de 

(...) unificar ditatorialmente os elementos constitutivos do Estado em senso orgânico e mais amplo (Estado propriamente dito e sociedade civil) em uma busca desesperada de apertar no punho toda a vida popular e nacional, mas aparece também como a primeira raiz do Estado laico moderno, independente da Igreja, que procura e encontra em si próprio, em sua vida complexa, todos os elementos de sua personalidade histórica8

Fica claro que a definição de Estado até aqui esboçada procura evitar uma concepção que o reduz ao aparelho coercitivo. A construção do consenso também encontra lugar nesse Estado. De modo resumido, mas nem por isso menos significativo, Gramsci apresenta sua concepção de maneira já clássica, “Estado= sociedade política + sociedade civil, ou seja, hegemonia encouraçada de coerção”9, ou como dirá mais adiante, no mesmo Quaderno, “Estado (no sentido integral: ditadura + hegemonia)”10. É esta definição que Christine Buci-Gluksmann sintetiza com a fórmula de “Estado ampliado”11. Embora forte, essa fórmula pode gerar, e tem gerado, simplificações excessivas e algumas confusões, por essa razão são prudentes as observações de Liguori a respeito: 

Que sentido pode ter a definição desta categoria de Estado ampliado? Ela me aprece indicar ao mesmo tempo dois fatos: por um lado, acolhe o nexo dialético, de unidade/distinção, do Estado e da sociedade civil sem ‘suprimir’ nenhum dos dois termos; por outro indique também, contextualmente, que esta unidade advém, se a expressão me é permitida, sob a hegemonia do Estado12. 

No mesmo sentido, Prestipino afirma que o esquema rudimentar Estado = coerção e sociedade civil = hegemonia é contrário à complexa análise gramsciana, na qual não existe uma rígida divisão de tarefas entre as duas esferas e, pelo contrário, tem em vista dar conta das novas tarefas hegemônicas próprias do Estado13

Deixarei de lado, por ora, o termo hegemonia, não sem antes enunciar que ele, aqui, é usado como sinônimo de consenso, distinto de coerção, ou de direção de uma classe ou um grupo social sobre as classes e grupos aliados, distinta de dominação. Tomemos estes dois termos chaves: sociedade política e sociedade civil. O conceito de sociedade política está claro no texto gramsciano. Trata-se do Estado no sentido restrito, ou seja, o aparelho governamental encarregado da administração direta e do exercício legal da coerção sobre aqueles que não consentem nem ativa nem passivamente, também chamado nos Quaderni de “Estado político” ou “Estado-governo”. Gramsci não perde, em momento nenhum, esta dimensão do Estado, ou seja, não perde de vista sua dimensão coercitiva, muito embora não reduza o Estado a essa dimensão. Retenhamos esta idéia para voltarmos a ela posteriormente. 

Mais complexa é a definição do conceito de sociedade civil. Seja porque no texto gramsciano o conceito tem contornos bastante imprecisos; seja, porque não existe apenas uma definição para o termo; seja porque na linguagem política contemporânea o termo “sociedade civil” foi incorporado fazendo, muitas vezes, referências ao próprio Gramsci, embora com um sentido diferente; seja por tudo isso, a confusão é grande14

A LEITURA DE BOBBIO E SEUS HERDEIROS 

Responsável por parte considerável dessa confusão é a influente interpretação de Norberto Bobbio15 do conceito de sociedade civil em Gramsci. Identificando uma dicotomia entre sociedade civil e Estado no pensamento gramsciano, Bobbio afirmou que Gramsci afastou-se da acepção marxiana do primeiro termo. Enquanto para Marx o momento da sociedade civil coincidiria com a base material da sociedade, a estrutura, por oposição à superestrutura, para o marxista italiano, a sociedade civil “não pertenceria ao momento da estrutura, mas aquele da superestrutura”16 Segundo Bobbio, Gramsci, partilharia, com Marx, entretanto a idéia de que a sociedade civil determinaria o conjunto do desenvolvimento histórico: “tanto em Marx como em Gramsci a sociedade civil, e não o Estado como em Hegel, representa o momento ativo e positivo do desenvolvimento histórico. Mas em Marx esse momento ativo e positivo é estrutural enquanto para Gramsci é superestrutural”17. Para sustentar sua tese, Bobbio toma como ponto de partida uma nota de Gramsci sobre os intelectuais: 

É possível, por enquanto, estabelecer dois grandes ‘planos’ superestruturais, o que se pode chamar de ‘sociedade civil’, ou seja, do conjunto de organismos vulgarmente chamados ‘privados’ e o da ‘sociedade política ou Estado’ e que correspondem à função de ‘hegemonia’ que o grupo dominante exerce em toda a sociedade e a de ‘domínio direto’ ou de mando que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’18

Tal é, sem dúvida, a acepção mais freqüente que o termo sociedade civil encontra nos Cadernos do cárcere. Nessa acepção, a sociedade civil, é entendida como o “conjunto de organismos vulgarmente chamados ‘privados’”. Sobre esses “organismos” é importante destacar seu caráter material, como faz Gramsci no já citado Quaderno 6, utilizando de modo preciso as expressões “aparelho hegemônico de um grupo social”19 e “aparelho ‘privado’ de hegemonia”20. A materialidade dos processos de conformação de uma hegemonia ganha, assim, destaque21. A luta de hegemonias não é apenas luta entre “concepções de mundo”, como, por exemplo, aparece no Quaderno 10, ela é também, luta dos aparelhos que funcionam como suportes materiais dessas ideologias organizando-as e difundindo-as. 

A lista de tais aparelhos hegemônicos é grande, más conhecida: igrejas, escolas, associações privadas, sindicatos, partidos e imprensa, são alguns deles. A função desses organismos é articular o consenso das grandes massas e a adesão destas à orientação social impressa pelos grupos dominantes. Esse conjunto de organismos, entretanto, não é socialmente indiferenciado. Os cortes classistas e as lutas entre os diferentes grupos sociais atravessam os aparelhos hegemônicos e contrapõem uns a outros. Este alerta se justifica na medida em que, no vocabulário político hodierno, um conceito tocquevilliano de “sociedade civil” tornou-se preponderante. Neste conceito, sociedade civil passou a significar um conjunto de associações situadas fora da esfera estatal, indiferenciadas e potencialmente progressistas, agentes da transformação social e portadoras de interesses universais não contraditórios. Tal concepção é partilhada implicitamente por Bobbio no momento em que afirma uma positividade imanente a essa esfera. 

Mas vale alertar a existência daquilo que Simone Chambers e Jefrey Kopstein denominaram apropriadamente de “bad civil society”: o desenvolvimento de correntes autoritárias ou, até mesmo, totalitárias, no interior da própria sociedade civil e não à sua margem, como foi o caso do nazismo na República de Weimar e do fascismo na Itália de Gramsci 22. Percebida não como um todo indiferenciado, mas como um conjunto marcado pelos profundos antagonismos classistas, a sociedade civil perde seu véu ilusório. Não se trata apenas da distribuição desigual de recursos comunicativos que impediriam o livre acesso a uma esfera pública, trata-se, também, da defesa de desenhos societários antagônicos. Ao invés do local da universalização de interesses particularistas ela passa a ser vista como um espaço da luta de classes e da afirmação de projetos antagônicos23. A estratégia política de ocupação de espaços na sociedade civil, advogada por uma leitura reformista, quando não liberal de Gramsci, não faz sentido para o autor dos Quaderni. O que se trata é da criação de novos espaços autônomos das classes subalternas e da negação dos espaços políticos das classes dominantes. 

Além de afirmar a positividade imanente da sociedade civil, Bobbio lhe atribuiu o papel de determinação da história. Segundo Bobbio, o conceito de sociedade civil expresso por Gramsci derivaria diretamente de Hegel, e não de Marx, ao contrário do que muitos acreditam. Pois é em Hegel que a sociedade civil compreenderia não apenas o momento das relações econômicas, como, também, as formas de organização espontâneas e voluntárias que ele identifica nas corporações, consideradas pelo filósofo alemão “a segunda raiz ética do Estado, a que está fundada na sociedade civil”24. A fórmula hegeliana aparece de modo quase literal em um esclarecedor texto A inserido por Gramsci no Quaderno 6 e citado, também, por Bobbio: 

É preciso distinguir a sociedade civil tal como é entendida por Hegel e no sentido em que freqüentemente emprega-se nestas notas (ou seja, no sentido de hegemonia política e cultural de um grupo social sobre a sociedade inteira, como conteúdo ético do Estado) do sentido que lhe dão os católicos, para os quais a sociedade civil é, pelo contrario, a sociedade política ou o Estado em confronto com a sociedade familiar e a Igreja25

A proximidade da formula gramsciana daquela de Hegel é, assim, não só evidente como assumida por ele próprio. É de se notar, entretanto, que o conhecimento que Gramsci possuía da obra de Hegel nem sempre era consistente26. Assim, era provavelmente a partir de Croce que o marxista sardo se aproximava de Hegel. Coube a Bobbio o mérito de colocar em destaque de maneira enfática esse nexo Gramsci-Hegel. Mas não é possível deduzir a partir desse nexo a afirmação que Gramsci, apropriando-se livremente do conceito hegeliano, teria atribuído à sociedade civil (e, portanto, à superestrutura) o lugar ativo a ela atribuído por Marx. 

A aproximação de Gramsci a Hegel, por parte do filósofo turinês teria como propósito marcar o rompimento do sardo com a teoria marxista e sua reconversão a um idealismo. Como um “teórico das superestruturas” o marxista sardo veria, desse modo, sua teoria reduzida à denominada “história ético-política” de Benedetto Croce27. A recorrente crítica que Gramsci leva a cabo, principalmente no Quaderno 10, à hipóstase do momento ético-político por parte de Croce desautoriza, entretanto, essa redução. 

De modo adequado, Coutinho critica a interpretação de Bobbio afirmando que se o conceito de sociedade civil de Gramsci não é mesmo de Marx, não haveria razão para atribuir-lhe a mesma função de determinação em última instancia28. E não há, de fato, no texto gramsciano, nada que permita afirmar que o marxista sardo tivesse reinvertido Hegel, colocando-o de novo sobre sua própria cabeça e afirmado a superestrutura como determinante do processo histórico. 

O argumento de Bobbio revela-se ainda mais frágil quando analisados os demais sentidos que o conceito de sociedade civil assume no pensamento gramsciano. Como alertou Texier a própria passagem citada por Bobbio revela que Gramsci define “freqüentemente” (“spesso”, no texto em italiano), más não de modo exclusivo, a sociedade civil como lugar da “hegemonia política e cultural de um grupo social”29. De fato, esse parece não ser o único significado que Gramsci atribui ao termo sociedade civil. Vejamos, por exemplo, uma passagem do § 19 do Quaderno 13, intitulada Alcuni aspetti teorici e pratici dell’“economismo”. 

A formulação do movimento da livre troca baseia-se num erro teórico do qual não é difícil identificar a origem prática: a distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de distinção metódica se transforma e é apresentada como distinção orgânica. Assim, afirma-se que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve intervir em sua regulamentação. Mas, como na realidade factual sociedade civil e Estado se identificam, deve-se considerar que também o liberismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal, introduzida e mantida por caminhos legislativos e coercitivos: é um fato de vontade consciente dos próprios fins, e não a expressão espontânea, automática, do fato econômico30

A idéia de que Gramsci teria excluído a economia capitalista da sociedade civil, ao contrário de Marx e, até mesmo de Hegel31, idéia sustentada não só por Bobbio, como também por Cohen e Arato32 não resiste a uma análise detalhada da passagem acima. Nela a sociedade civil aparece como o locus da atividade econômica propriamente dita; o terreno dos interesses materiais imediatos, da propriedade privada; a sociedade econômica burguesa; ou aquilo que hoje se chamaria o mundo dos negócios. 

Estes dois sentidos são utilizados de modos diferentes por Gramsci. No primeiro, a sociedade civil está associada às formas de exercício e afirmação da supremacia de uma classe sobre o conjunto da sociedade. Faz parte de um programa de pesquisa que visa esclarecer não só os processos de revolução burguesa e de fundação de um novo Estado, como a longevidade e fortaleza das instituições políticas do Ocidente capitalista e a possibilidade de instauração de uma nova ordem social e política. No segundo sentido, freqüentemente apresentado entre aspas, destaca-se a capacidade de iniciativa econômica que o Estado possui no capitalismo contemporâneo. 

O nexo entre essas duas formas de manifestação do conceito nem sempre se encontra claro em Gramsci, daí que autores como Badaloni33  e Francioni34  possam afirmar que Gramsci não trabalharia com um uma tríplice distinção: sociedade econômica, sociedade civil e sociedade política. Nessa perspectiva, a análise dos três momentos da relação de forças presentes no Quaderno 13 seria uma análise das relações que se verificariam na sociedade econômica, como relações de forças objetivas; na sociedade civil, como relações de forças político-ideológicas; e na sociedade política, como relações de forças político-militares35

Entretanto, o que aqui cabe ressaltar é que a sociedade civil num sentido – conjunto de organismos privados responsáveis pela articulação do consenso – como no outro – locus da atividade econômica – mantém uma relação de unidade-distinção com a sociedade política. A reelaboração do “nexo dos distintos” croceano constitui-se uma importante contribuição de Gramsci, fundamental para a compreensão desses nexos entre sociedade política e sociedade civil. Croce procurava, em seu projeto de reforma conservadora e especulativa da dialética a recusa da negação interna ao conceito: 

(...) a distinção do conceito não implica negação do conceito e sequer qualquer coisa que esteja fora do conceito, mas apenas o próprio conceito em sua verdade, o uno-distinto: uno somente porque distinto, e distinto somente porque uno. A unidade e a distinção são correlativas, ou seja, inseparáveis36

A crítica de Gramsci a essa concepção é explícita e aponta para a superação da dialética dos distintos croceana. Sem rejeitar a idéia de que no interior de uma unidade seja possível encontrar não apenas opostos, como também distintos, o marxista sardo rejeita severamente o caráter especulativo do pensamento croceano, que reduz a dialética histórica a uma alternância de formas puras do conceito37. Rejeita, também, a supressão croceana da negação e a conseqüente reprodução infindável da tese que não é nunca superada pela antítese. É desse modo que para Gramsci a distinção é concebida como uma forma de oposição não antagonista na qual cada distinto encontra em uma relação de “tensão (dialética) com o outro”38

É por meio das categorias de unidade e distinção que Gramsci tematiza a “elaboração superior da estrutura em superestrutura”39, ou seja, o processo por meio do qual o particular que tem sede na sociedade econômica se universaliza na sociedade civil. Nesse processo, a sociedade econômica se “faz Estado”, ou seja, no seu vir-a-ser a estrutura se superestruturaliza como sociedade civil no Estado integral40

Mantendo a sociedade política e sociedade civil uma relação de unidade-distinção, formam dois planos superpostos que só podem ser separados com fins meramente analíticos. É por essa razão que Gramsci destaca que a unidade (“identidade”) entre Estado e sociedade civil é sempre “orgânica” e que a “distinção” é apenas “metódica”41. Não é essa, entretanto, a interpretação de Texier, para quem a unidade orgânica apontada por Gramsci na citação acima entre sociedade civil e sociedade política vale apenas para a relação entre Estado (sociedade política) e economia (sociedade civil) e não para a relação hegemonia-ditadura42. A unidade existente entre sociedade política e sociedade civil como o locus da atividade econômica, aparece de forma explícita em Gramsci na passagem já citada de Alcuni aspetti teorici e pratici dell’“economismo”. Mas também existe a unidade entre a sociedade política e a sociedade civil como o conjunto de organismos privados responsáveis pela articulação do consenso. 

A incompreensão dessa unidade orgânica entre sociedade civil e sociedade política, tem levado alguns autores a afirmarem que Gramsci teria caracterizado a sociedade civil como uma esfera autônoma do Estado, sustentada dentre outros por Baker43 e por Cohen e Arato44. Coutinho partilha essa concepção e chega a afirmar a existência de uma “autonomia material (e não só funcional) em relação ao Estado em sentido estrito”45. A afirmação de Coutinho encontra-se assentada em um pressuposto histórico questionável e em uma concepção teórica equivocada – o estabelecimento de uma relação algébrica entre dominação e direção. 

Historicamente Coutinho afirma que a autonomia material da sociedade civil é um “traço específico de sua manifestação nas sociedades capitalistas mais complexas”46. Não deixa, entretanto, de reconhece a ambigüidade presente nos Quaderni, onde Gramsci pareceria oscilar entre uma posição que afirma a presença da sociedade civil em sociedades pré-capitalistas e outro, no qual esta seria característica distintiva das sociedades nas quais haveria níveis elevados de socialização da política e de auto-organização de grupos sociais”47. Como dito anteriormente, a tese é historicamente questionável e ampara-se em uma concepção historiograficamente ultrapassada sobre as sociedades pré-capitalistas e, particularmente sobre o medioevo. 

Foge completamente dos propósitos deste texto discutir a impropriedade histórica dessa tese. Ressalte-se apenas que ela é inconsistente com o texto dos Quaderni no qual as relações Estado-Igreja na Idade Média, fornecem importante recurso analógico para a discussão do Estado contemporâneo e de suas relações com a sociedade civil. Más não se trata apenas de uma analogia histórica como revela a pesquisa gramsciana sobre a “formação dos grupos intelectuais italianos” e seu lugar na sociedade civil, presente já no índice do Primo Quaderno, datado de 1929. Pesquisa essa que extrapola em muito o reduzido âmbito das “sociedades complexas”, eufemismo com o qual Coutinho quer designar os países de avançado desenvolvimento do capitalismo48

Certamente, não se pretende aqui estabelecer um conceito trans-histórico de sociedade civil que identifique formas de socialização que se desenvolveram em realidades muito diferentes entre si e sob diferentes maneiras. Mas também aqui história e política se identificam. A questão principal para Coutinho não é de ordem historiográfica e sim política. Seu argumento é construído de modo rigoroso com o propósito de estabelecer uma identidade entre “sociedades complexas do capitalismo recente” e a afirmação de uma concepção algébrica da relação entre consenso e coerção na qual uma variável apresentaria comportamento inversamente proporcional à outra. Segundo Coutinho: 

(...) o fato de que um Estado seja mais hegemônico-consensual e menos ‘ditatorial’, ou vice-versa, depende da autonomia relativa das esferas superestruturais, da predominância de uma ou de outra, predominância e autonomia que, por sua vez, dependem não apenas do grau de socialização da política alcançado pela sociedade em questão, mas também da correlação de forças entre as classes sociais que disputam entre si a supremacia49. 

Por mais que Coutinho afirme liturgicamente a unidade entre coerção e consenso, o verdadeiro sentido dessa unidade se perde em sua fórmula algébrica. Pois se uma ampliação da sociedade civil implica um esvaziamento das funções coercitivas do Estado isso só pode ocorrer porque uma anula a outra. Nessa concepção algébrica perde-se a dialética da unidade-distinção que caracteriza a formulação gramsciana. O próprio exercício da hegemonia é entendido por Gramsci como uma combinação entre coerção e consenso, mesmo nos regimes políticos nos quais imperam as formas democrático-liberais: 

O exercício ‘normal’ da hegemonia, no terreno clássico do regime parlamentar, caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram variadamente, sem que a força suplante muito o consenso, ou melhor, procurando obter que a força pareça apoiada no consenso da maioria, expresso pelos chamados órgãos da opinião pública – jornais e associações – os quais, por isso, em determinadas situações, são artificialmente multiplicados50

Assim, se na conhecida fórmula do Quaderno 6 a hegemonia aparecia em uma fórmula clássica “encouraçada de coerção”. Ora, na passagem acima apresentada, é a força que aparece “encouraçada pela hegemonia”51. Não se justifica, portanto, a pouca importância que alguns autores inspirados no pensamento gramsciano dão à dimensão coercitiva do Estado. Justificando a pouca importância dada ao tema em sua obra Gramsci et l’Etat, Christine Buci-Glucksmann afirmou que o pensamento marxista havia enfatizado tanto a coerção, que julgava apropriado enfatizar o consenso para contrabalançar os resultados.52 O resultado, entretanto, é uma análise unidimensional, na qual a “dupla perspectiva” gramsciana perde-se, restando apenas a articulação do consenso como forma de afirmação política. Gramsci como proto-habermasiano. 

MAQUIAVEL E A METÁFORA DO CENTAURO 

A respeito da relação dialética de unidade-distinção entre força e consenso é importante retomar as fontes do pensamento gramsciano e, em primeiro lugar Maquiavel. A importância da pesquisa sobre o florentino torna-se evidente já no Primo Quaderno, muito embora esta não fizesse parte do índice que Gramsci coloca em seu início. O florentino era, entretanto, um dos temas enumerados tanto na coleção de argumento dos “Saggi principali”, como no “Raggruppamenti di matéria” antepostos ao Quaderno 8. A respeito das notas sobre Maquiavel, Leonardo Paggi destacou que é possível identificar dois grandes temas, que embora interconectados se apresentam de modo formalmente distinto: 1) uma pesquisa sobre a interpretação marxista da obra de Maquiavel; 2) a tradução para o marxismo de alguns conceitos presentes na obra de Maquiavel53. À observação de Paggi é necessário acrescentar que Gramsci começa sua investigação no Primo Quaderno no âmbito de uma reflexão sobre a interpretação da obra de Maquiavel, ressaltando o tempo que lhe era próprio e a necessidade de tratá-la de modo histórico54. A pesquisa a respeito de Maquiavel e a “autonomia do fato político” própria daquele segundo bloco temático apontado por Paggi aparecerá apenas mais tarde, no Quaderno 4, § 5655

A reflexão a respeito de Maquiavel, que a princípio aparecia do modo esparso nos Quaderni ganhou ritmo e intensidade no interior do importante Quaderno 8, em um conjunto de notas escritas entre janeiro e abril de 1932 e depois reescritas, em sua maioria no Quaderno 13, entre maio de 1932 e os primeiros meses de 1934.56 A abordagem corrente dessas notas tende a destacar a metáfora do “moderno príncipe”, presente já no § 1 do Quaderno 13 e o lugar do partido político no processo de constituição de um novo Estado. De modo apropriado Rita Medici chamou a atenção para a escassez de referências a essa temática nos Quaderni57. Tal temática é, sem dúvida, de grande importância, mas ela não fornece um critério interno de unidade da abordagem gramsciana de Maquiavel. 

A questão fundamental que permite compreender a importância de Maquiavel para o pensamento gramsciano aparece em uma nota na qual o comunista sardo pretendia estabelecer a distinção entre “pequena política” e “grande política”: “Maquiavel examina especialmente as questões de grande política: criação de novos Estados, conservação e defesa de estruturas orgânicas em seu conjunto; questões de ditadura e de hegemonia sobre vasta escala, isto é, sobre toda a área estatal”58. O tema chave, que unifica a discussão sobre a interpretação histórica da obra do florentino e a tradução de alguns conceitos para o âmbito do marxismo é, portanto, a criação e a conservação de novos Estados. 

É nesse contexto teórico-político que a passagem citada torna-se de grande importância para uma valoração adequada das relações entre coerção e consenso. A questão é antecipada na seqüência da frase acima citada. Referindo-se a distinção que Luigi Russo fazia no interior da obra maquiaveliana, destacando Il Principe como o tratado da ditadura e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio como o tratado da hegemonia, Gramsci observava que em Il Principe não faltavam referências “ao momento da hegemonia ou do consenso ao lado daquele da autoridade e da força” e concluía afirmando que “não há oposição de princípio [em Maquiavel] entre principado e república mas que se trata, acima de tudo, das hipóstases dos dois momentos da autoridade e da universalidade”59. Na interpretação de Gramsci torna-se claro que a separação entre autoridade e universalidade, força e consenso, ditadura e hegemonia eram, para Maquiavel, arbitrárias. É em uma nota na qual Gramsci faz referência a um contemporâneo de Maquiavel, Francesco Guicciardini, que tal arbitrariedade revela-se plenamente:60 

Afirma Guicciardini que para a vida de um Estado duas coisas são absolutamente necessárias: as armas e a religião. A fórmula de Guicciardini pode traduzir-se em várias outras fórmulas menos drásticas: força e consenso, coerção e persuasão, Estado e Igreja, sociedade política e sociedade civil, política e moral (história ético-política de Croce), direito e liberdade, ordem e disciplina ou, com um juízo implícito de sabor libertário, violência e fraude61

A referência não deixa de ser a Maquiavel, uma vez que Guicciardini põe a questão em um comentário aos Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio. Afirmava Maquiavel nessa obra, que “a religião servia para comandar os exércitos, animar a Plebe, preservar os homens bons e fazer com que os culpados se envergonhem” e que “onde há religião facilmente podem se introduzir as armas e onde há apenas armas dificilmente poder-se-á introduzir aquela”62. A esse respeito Guicciardini escrevia em suas Considerazioni intorno ai Discorsi del Machiavelli sopra la prima deca di Tito Livio: “É certo que armas e religião são fundamentos principais das repúblicas e dos reinos e são tão necessários que faltando qualquer um deles pode-se dizer que faltam as partes vitais e substanciais”63

O tema presente nos Discorsi não é estranho a Il Príncipe. Nesta última obra, Maquiavel registrava que “os principais fundamentos que devem ter todos os estados (stati), sejam novos, velhos ou mistos, são as boas leis e as boas armas”64. A questão dos fundamentos do poder tem longa tradição no pensamento político e sua investigação foi, por muitos, considerada o objeto da filosofia política par excellence. O tratamento dado a essa questão por Maquiavel e Guicciardini destaca-se no interior dessa tradição por duas razões. Em primeiro lugar, porque unifica a condição do exercício do poder político (a coerção, “as armas”) e a condição de legitimidade desse poder (a “religião’, “as leis”) criando um nexo indissociável entre ambas. Em segundo lugar porque esta dupla fonte do poder político se afirma, em seu caráter indissociável, como necessária em todas as formas de Estado, sejam “repúblicas” ou “reinos”, “novos, velhos ou mistos”. 

O Estado é marcado, dessa maneira pela presença de elementos que mantêm entre si uma relação tensa de distinção, sem que cada um deles chegue a anular seu par no processo histórico mas, pelo contrário, cada um moldando e até mesmo reforçando o outro. A separação orgânica desses elementos não é senão uma hipóstase e, como tal, uma arbitrária abstração. É esta concepção unitária do poder político que Gramsci denomina de “dupla perspectiva”: 

Outro ponto a ser fixado e desenvolvido é o da ‘dupla perspectiva’ na ação política e na vida estatal. Vários são os graus através dos quais se pode apresentar a dupla perspectiva, dos mais elementares aos mais complexos. Mas eles podem se reduzir teoricamente a dois graus fundamentais correspondentes à natureza dúplice do Centauro maquiavélico, férica e humana, da força e do consenso, da autoridade e da hegemonia, da violência e da civilidade, do momento individual e daquele universal (da ‘Igreja’ e do ‘Estado’), da agitação e da propaganda, da tática e da estratégia65

A imagem do Centauro é forte e serve para destacar a unidade orgânica entre a coerção e o consenso. É possível separar a metade fera da metade homem sem que ocorra a morte do Centauro? É possível separar a condição de existência do poder político de sua condição de legitimidade? É possível haver coerção sem consenso? Mas tais questões podem induzir a um erro. Nessa concepção unitária, que é de Maquiavel, mas também de Gramsci, não é apenas a coerção que não pode existir sem o consenso. Também o consenso não pode existir sem a coerção. 

Trata-se, portanto de uma “relação dialética” entre essas duas naturezas do poder político. O marxista sardo protestava no parágrafo citado contra aqueles que faziam da “dupla perspectiva” algo mesquinho ou banal reduzindo as duas naturezas do poder político a suas formas imediatas e colocando-as em relação de sucessão – primeiro uma, depois a outra. Esse protesto torna-se pleno de significado se referido àquela forma de apropriação da obra do secretário florentino já citada que separava Il Príncipe dos Discorsi, reduzindo a primeira obra a uma análise do momento coercitivo da fundação de um novo Estado e a segunda a uma análise do momento do consenso e da expansão de um Estado. A ressalva que Gramsci fez a respeito de Il Príncipe identificando nessa obra várias referências ao “momento da hegemonia” lhe permitiu recusar a separação entre coerção e consenso. Agora, tratava-se de reconhecer que as duas naturezas do poder político, embora possuam tempos distintos, são coetâneas entre si. 

Cabe ver, entretanto, se além de coetâneas, coerção e consenso podem ser, também, coextensivas, ou seja, se podem atingir com intensidades diversas os mesmos espaços da vida política. Gramsci, é sabido, enfatizou que a coerção tinha sede na sociedade política e o consenso na sociedade civil. Mas isso significaria para o marxista sardo a definição de esferas exclusivas e excludentes para uma função e para a outra? A questão não é tratada de modo direto no Quaderno 13, no qual parte importante da reflexão sobre o florentino encontra seu lugar, nem nos quaderni que o antecedem. Mas ela aparece em varias notas presentes nos quaderni 14, 15 e 17

Esse conjunto de quaderni tem características bastante particulares. A redação do Quaderno 14 começa em dezembro de 1932, após ter início o Quaderno 13, portanto, com o parágrafo 4. Os três parágrafos precedentes são de março de 1935, conforme constata Francioni66 a partir do estudo das referências neles citadas. Ele é interrompido em fevereiro de 1933, quando Gramsci empreende a redação do Quaderno 15, e é retomado em março de 1935. O Quaderno 15, por sua vez, registra em uma importante advertência em sua primeira folha a tônica desses novos miscelâneos: “Caderno iniciado em 1933 e escrito sem ter em conta aquelas divisões das matérias e dos reagrupamentos de notas em cadernos especiais”67. O último desses novos quaderni é o de número 17. Ele tem início após o término do Quaderno 15, em agosto de 1933, e será concluído em junho de 1935, pouco antes de Gramsci interromper seu trabalho. 

A redação desses quaderni coincide com o momento no qual a confecção dos quaderni 10, 11, 12 e 13 encontra-se bastante avançada ou em vias de conclusão e marca uma fase de transição que se estenderá até meados de 1933 constituindo o último período de uma atividade criativa intensa. Após sua transferência a Formia, em dezembro de 1933 e com a piora de seu estado de saúde esse trabalho criativo chegou praticamente a seu fim. A partir daí o prisioneiro do fascismo limitou-se, praticamente, a transcrever para os cadernos especiais, de modo cada vez mais literal, os textos já presentes nos miscelâneos68

Por que razão Gramsci teria dado início a novos cadernos miscelâneos depois de já ter começado a redação dos especiais? E por que a rubrica Maquiavel aparece nesses miscelâneos em um momento no qual a redação do Quaderno 13 encontrava-se adiantada ou em vias de conclusão? É possível que tivesse constatado lacunas existentes em sua pesquisa e que retomasse desse modo o trabalho dos miscelâneos com vistas a saná-las, ao mesmo tempo em que dava seqüência á redação dos especiais. É possível, também, que pretendesse posteriormente transcrever esse material em novos especiais, como sugere Frosini69. De fato, nos primeiros meses de 1934, depois de ter concluído o Quaderno 13, o marxista sardo deu início a um novo caderno especial intitulado Niccolò Machiavalli. II no qual escreveu apenas três páginas, recolhendo três notas C presentes já no Quaderno 2. É possível, assim, que esta fosse a sede prevista das notas contidas nos quaderni 14, 15 e 17

Os temas presentes nesses novos cadernos miscelâneos são aqueles já identificados por Paggi e aos quais foi feita menção acima. Predominam nitidamente, entretanto, as notas referentes ao segundo tema: a tradução para o marxismo de conceitos e temas maquiavelianos. Uma comparação ente alguns temas presentes no Quaderno 13 e no Quaderno 14 é importante para um maior enriquecimento dos conceitos de sociedade civil e Estado, bem como para uma identificação mais precisa dos nexos existentes entre consenso e coerção. Discutindo as questões do “homem coletivo” e do “conformismo social”, registrava Gramsci no Quaderno 13

Tarefa educativa e formativa do Estado, que sempre tem a finalidade de criar tipos de civilização novos e mais elevados, de adequar a ‘civilização’ e a moralidade das massas populares mais vastas às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho econômico de produção, e, portanto, de elaborar também fisicamente os novos tipos de humanidade70

A conformação do “homem coletivo” encontra seu momento crucial na passagem do indivíduo singular para a esfera universalizada das classes, e, mais especificamente para aquela esfera na qual as classes se apresentam como sujeitos universais, a esfera da política. Essa passagem é compreendida por Gramsci como uma “relação pedagógica” ativa, distinta, portanto, de uma mera relação escolar. É no nexo existente entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos, intelectuais e não intelectuais que se torna possível identificar de modo mais preciso essa relação, e o processo de formação de uma “personalidade histórica”. Desse modo, toda “relação de hegemonia é, necessariamente, uma relação pedagógica” de construção de novos sujeitos sociais e políticos71

É essa relação pedagógica, relação de hegemonia, que Gramsci tem em mente quando destaca a tarefa “educativa e formativa do Estado”. É o processo de afirmação de formas civilizatórias que se afirma nessa tarefa. A incorporação do indivíduo singular no homem coletivo, a afirmação de uma forma civilizatória que encontre seu resumo no Estado, exige a aquiescência ativa ou passiva desses indivíduos. Para tal o Direito cumpre uma importante função. Não é, entretanto o Direito como mero dispositivo jurídico que atua por maio de sanções legais do que se trata. O marxista sardo apresenta naquele parágrafo do Quaderno 13 uma concepção integral do Direito, o qual abrangeria, também, 

(...) aquelas atividades que hoje são compreendidas na fórmula de ‘indiferente jurídico’ e que são de domínio da sociedade civil, que opera sem ‘sanções’ e sem ‘obrigações’ taxativas, mas que nem por isso deixa de exercer uma pressão coletiva e obtém resultados objetivos de elaboração nos costumes, nos modos de pensar e de operar, na moralidade, etc72

Sabe-se, desde Durkheim que “pressão coletiva” não deixa de ser uma forma de coerção. A sociologia simbólica contemporânea, que seguiu as trilhas abertas pelo fundador do L’Année sociologique muito contribuiu para desvelar essas formas de violência simbólica que se manifestam fora da esfera regulada pelas formas jurídicas do Direito. Não há nada nos Quaderni que permita indicar que Gramsci conhecesse a obra do francês. Mas Benedetto Croce a conhecia e a cita uma única vez em Materialismo storico ed economia marxistica73. O próprio Croce já havia, em Etica e política, chamado a atenção para a necessidade de ter um conceito de força que fosse além da violência física e recobrisse outras formas de coação: “A idéia de força não deve reduzir à tosca representação que sói sugerir essa palavra, quase a de tomar pelos cabelos e obrigá-los a curvar-se”74

Gramsci não partilhava com Croce a localização dessa afirmação no âmbito de uma concepção na qual a sede dessa força, o Estado, “não é um fato, é sim uma categoria espiritual”75. Mas podia, muito bem, subscrever a afirmação que o critico napolitano fazia a respeito da relação entre força e consenso: 

(...) força e consenso são em política termos correlatos e onde aparece um o outro não faltará. Consentimento ‘forçado’ objetar-se-á; mas todo consentimento é ‘forçado’, ou seja, resulta da ‘força’ de certos fatos e, portanto, está ‘condicionado’. Não existe formação política que elida essa vicissitude: no mais liberal dos Estados, assim como na mais opressora da tiranias, o consentimento está sempre, e sempre forçado, condicionado e transitório. Se assim não fosse não existiriam nem o Estado nem a vida do Estado76

Ao colocar aspas nas expressões “sanções” e “obrigações” quando estas encontravam sua sede na sociedade civil, Gramsci afastava-se da conotação que assumiam no senso comum e aproximava-se da fórmula croceana. Mas não era, essa, entretanto, uma questão resolvida de modo explícito ou mesmo definitivo pelo sardo, embora houvesse sinais que a considerava importante. A concepção ampliada do Direito aventada por Gramsci era um desenvolvimento teórico da idéia de Estado integral. É por essa razão que a resolveu inscrevê-la na nota do Quaderno 13 muito embora ela estivesse completamente ausente na primeira redação77

O tema foi retomado em algumas notas do Quaderno 14, justamente aquele que abre um novo ciclo na pesquisa. A maioria dessas notas é registrada sob a rubrica Machiavelli, muito embora os temas predominantes não digam respeito à interpretação da obra do secretário florentino, que raras vezes é citado diretamente nesse Quaderno. Mas o registro da rubrica é importante, pois assinala a continuidade dos temas tratados no Quaderno 13, a unidade que existe entre os diversos blocos temáticos que se articulam nela e a inserção dessas notas em um projeto de pesquisa abrangente. 

A propósito de um artigo de Mauro Fasiani, colaborador da revista Riforma Sociale, o autor dos Quaderni perguntava: “Quem é o legislador?”78. A interrogação motivava uma série de importantes reflexões pertinentes para o desenvolvimento de uma teoria integral do Estado. A primeira delas dizia respeito a necessidade de distinguir a “voluntas legislatoris”, ou seja, a intenção do legislador no ato de concepção da lei, da “voluntas legis” o conjunto de conseqüências não previstas decorrentes da aplicação de determinada lei, aquilo que a teoria economia contemporânea denomina de “unintended consequences”. A investigação sobre a “voluntas legislatórias” não esgota todo o Direito e é necessário para a pesquisa sobre o que este realmente é levar em conta a “volunta legis”. O resultado efetivo da atividade legislativa é marcado, assim, pela relação dialética existente entre a produção da lei e sua aplicação efetiva. 

Essa observação prepara o terreno para outra, de maior alcance para uma teoria do Estado integral. Se a vontade legislativa não pode ser reduzida à vontade do legislador, então, é necessário atribuir a palavra legislador um sentido mais amplo, “até o ponto de indicar com ela o conjunto de crenças, de sentimentos, de interesses e raciocínios difusos em uma coletividade em um dado período histórico”79. A questão reaparecerá poucas páginas à frente, em uma nota inscrita sob a mesma rubrica. Afirmava Gramsci nela que o conceito de “legislador’ deveria ser identificado com o de ‘político” e dado que todos são “políticos”, na medida em que fazem parte ativa ou passivamente da vida política, todos, também, são ativa ou passivamente “legisladores”80

Em seu sentido restrito, a palavra “legislador” tem um significado jurídico-estatal preciso, indicando aquelas pessoas que tem um mandato para exercer a atividade legislativa e têm essa atividade reconhecida e regulamentada pelas leis de um país. Acontece com a atividade do “legislador” o mesmo que com a atividade de intelectual. Todos são legisladores, mas nem todos têm e função legislativa. Mesmo adotando uma concepção ampliada do Direito e do legislador é necessário estabelecer a esfera no qual esse Direito e esse legislador cumprem uma condição de legitimidade, ou seja, são reconhecidos como tal por aqueles que representam. É necessário, também, identificar a efetividade real dessa atividade, ou seja, até que ponto os representados praticam, de fato, aquelas regras que nascem da atividade do “legislador” e que têm “expressão sistemática normativa”81

O ato legislativo do legislador não pode, portanto, colocar-se além da história, assumindo a posição de demiurgo do real. Esse ato ganha significado, na medida em que estimula ou reprime tendências já postas na vida social e política. Tal significado é, então, o resultado das ações e reações intrínsecas a uma dada esfera social e ao ato legislativo em si. Por essa razão, 

(...) nenhum legislador pode ser visto como indivíduo, salvo abstratamente e por comodidade de linguagem, porque na realidade, expressa uma determinada vontade coletiva disposta a tornar efetiva sua ‘vontade’, que só é vontade porque a coletividade está disposta a dar-lhe efetividade82

Revela-se nessa passagem o diálogo com Maquiavel no uso particular que seu autor faz da expressão “effetuale”83. O diálogo torna-se mais intenso quando, na seqüência, Gramsci afirma que todo aquele que no ato legislativo prescindir de uma vontade coletiva, não passa de um “fogo-fátuo”, um “profeta desarmado”84. O profeta, o legislador precisa ter as armas à disposição para legislar de modo efetivo. A referência a Maquiavel é menos metafórica do que parece a primeira vista, pois Gramsci afirmava que o legislador não é apenas quem “elabora diretrizes que deverão tornar-se normas de conduta para outros”. É também aquele que “elabora os instrumentos por meio dos quais essas diretivas serão ‘impostas’ e sua aplicação será verificada”85

Essa concepção ampliada a respeito do poder de legislar integra uma concepção orgânica ou integral do Estado. Ela afirma a existência de uma “atividade legislativa” tanto no âmbito da sociedade política o que é bastante evidente, como naquele da sociedade civil. E afirma que a eficácia dessa atividade reside na capacidade de mobilizar os instrumentos de coerção tanto no âmbito da sociedade política, como no âmbito da sociedade civil: 

(...) o poder legislativo máximo reside no pessoal estatal (funcionários eleitos e de carreira), que têm à disposição as forças coercitivas legais do Estado. Mas não se pode dizer que os dirigentes de organismos e organizações ‘privadas’ também não tenham a sua disposição sanções coercivas, até mesmo a pena de morte86

Esse tema continua a ser desenvolvido no § 11 do mesmo Quaderno, muito embora sob outra rubrica (“Argomenti di coltura”). Discute-se nessa nota a capacidade que constituições têm de adaptar-se a diversas conjunturas políticas, particularmente àquelas que seriam desfavoráveis à classe dominante. O modelo do autor dos Quaderni é a análise que Marx fez da Constituição espanhola de 1812. Nessa perspectiva, afirma Gramsci, retomando a idéia da função pedagógica do Estado: “Pode-se dizer, em geral, que as constituições são acima de tudo ‘textos educativos’ ideológicos e que a Constituição ‘real’ está noutros documentos legislativos (mas especialmente, na relação efetiva das forças sociais no momento político-militar)”87

A verdade efetiva da Constituição encontra assim seu espelho na relação de forças entre as classes sociais e, particularmente, na relação de forças sociais que se manifesta no conflito aberto, o “momento político-militar”. Conceber o direito como expressão dessas relações é, para Gramsci, um modo de combater “a abstração mecanicista e o fatalismo determinista”. Tal concepção necessita valorizar as particularidades históricas e nacionais de cada país para ser realmente efetiva, bem como a capacidade legislativa (em um sentido ampliado) e, portanto, coercitiva, que emana da sociedade civil. A relação existente entre religião e política nos Estados Unidos é, nesse ponto, esclarecedora. Em uma observação de grande atualidade, registrava Gramsci, 

Nos Estados Unidos, legalmente e de fato não falta a liberdade religiosa dentro de certos limites, como recorda o processo contra o darwinismo, e se legalmente (dentro de certos limites) não falta liberdade política, esta falta de fato pela pressão econômica e pela aberta violência privada88. 

A força das palavras não deixa dúvida de que Gramsci reencontra agora a coerção também na esfera da sociedade civil. A seqüência dessa nota permite ainda esclarecer que esta violência privada é coetânea e coextensiva à violência jurídico-estatal. Para o autor dos Quaderni, o exame crítico da organização judiciária e policial era de grande importância para a compreensão da configuração política dos Estados Unidos, pois revelava como essas organizações da sociedade política “deixam impune e apóiam a violência privada voltada para impedir a formação de outros partidos além do republicano e do democrático”89

CONCLUSAO 

Gramsci não foi um contratualista, nem um teórico do consenso comunicativo. As leituras hegemônicas de sua obra tendem a conduzi-lo a uma segunda prisão: a do pensamento dominante. A complexidade de seu pensamento e o caráter fragmentário de sua obra facilitam esse novo encarceramento. Sendo de difícil compreensão torna-se fácil substituir o escrito pelo dito. Prevalece assim um “senso comum filosófico”, uma leitura superficial marcada por slogans: “a sociedade civil contra o Estado” e “ocupar espaços” e seus sucedâneos, “democratizar a democracia” e “reformismo revolucionário”. 

Mas tal senso comum não é senão a negação da radical contribuição de Gramsci à teoria marxista. Sociedade civil e sociedade política (Estado strictu sensu) não estão em uma relação de antagonismo e sim de unidade distinção. O mesmo pode ser dito de outros conhecidos pares conceituais: Oriente e Ocidente, guerra de movimento e guerra de posição, revolução permanente e hegemonia. Uma retomada crítica do texto dos Quaderni del carcere, valorizando o ritmo do pensamento de seu autor e as fontes de pesquisa por ele mobilizadas pode contribuir para um melhor esclarecimento a respeito de seu pensamento. Trata-se de um pensamento que não se caracteriza pela construção de dicotomias e sim pela identificação da radical unidade que existe na radical diversidade. 

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Notas:

GRAMSCI, A (1977): Quaderni del carcere. Edizione critica dell’Istituto Gramsci. A cura di Valentino Gerratana. Turim: Giulio Einaudi, Q 1, § 150, p. 132. Para facilitar a leitura e a comparação entre diferentes edições, citamos os Quaderni del carcere sempre a partir de sua edição crítica, adotando a seguinte nomenclatura: Q xx, § yy, p. Zz (onde Q indica a edição crítica, xx o número do caderno, yy o parágrafo e zz a página). A edição crítica permite identificar os parágrafos que são textos A, redigidos nos cadernos chamados de miscelâneos e reescritos, com ou sem modificações, nos cadernos especiais como textos C; e textos B, de redação única, presentes na maioria das vezes nos cadernos miscelâneos

Cf. COSPITO, G (2000): “Struttura e sovrastruttura nei “Quaderni” di Gramsci”, Critica Marxista (nuova serie), Roma, nº. 3-4, mag.-ago, p. 101. 

Q 10/II, § 61, p. 1360. 

Q 10/II, § 61, p. 1360. 

Cf. SAES, D (1994): Estado e democracia: ensaios teóricos. Campinas, IFCH/Unicamp, 1994, p. 20. 

Q 13, § 17, p. 1584. Na redação original Gramsci refere-se ao conceito de “Estado-governo” (Q 4, §38, p. 458). 

Q 6, § 10, p. 691. 

Q 6, § 87, p. 763. 

Q 6, § 88, pp. 763-764. 

10 Q 6, § 155, pp. 810-811. 

11 BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980): Gramsci e o Estado: por uma teoria materialista da filosofia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, pp. 126-148. 

12 LIGUORI, G (2004): “Stato-società civile”, In: FROSINI, F e LIGUORI, G. Le parole di Gramsci: per un lessico dei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, p. 208. 

13 PRESTIPINO, G (2004): “Dialettica”, In: FROSINI, F e LIGUORI, G. Le parole di Gramsci: per un lessico dei Quaderni del carcere. Roma: Carocci, pP.  70-71. 

14 Vários são os autores que identificaram o uso variado e muitas vezes indiscriminado do conceito de sociedade civil. Destacamos a respeito COSTA, S (1997): “Categoria analítica ou passe-partout político-normativo: notas bibliográficas sobre o conceito de sociedade civil”, BIB – Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, São Paulo, nº. 43, pp. 3-25. 

15 BOBBIO, N (1975): “Gramsci e la concezione della società civile”, In: ROSSI, P (1975): Gramsci e la cultura contemporanea. Atti del Convegno internazionale di studi grasmciani tenuto a Cagliari il 23-27 aprile 1967. Roma: Riuniti/Istituto Gramsci, v. 1, pp. 75-100. 

16 Idem, p. 85. 

17 Idem, p. 86. 

18 Q 12, § 1, p. 1518 e BOBBIO, N (1975): Op. cit., p. 85). 

19 Q, 6, § 136, p. 800. 

20 Q, 6, § 137, p. 801. 

21 Cf. LIGUORI, G (2004) : Op. cit., p. 221. 

22 CHAMBERS, S & KOPSTEIN, J (2001): “Bad Civil Society”, Political Theory, v. 29, nº. 6, Dec., pp. 837-865. 

23 Cf. DIAS, EF (1996): “Hegemonia: racionalidade que se faz história”, In: DIAS, EF et alli (1996): O outro Gramsci. São Paulo: Xama, pp. 66-68. 

24 HEGEL, GWF (2003): “Linhas fundamentais da Filosofia do Direito ou Direito natural e ciência do Estado em compêndio”. Terceira parte – A Eticidade. Segunda seção – A sociedade civil. A sociedade civil: tradução, introdução e notas Marcos Lutz Muller. Clássicos da Filosofia: Cadernos de Tradução, Campinas, nº. 6, out., § 255, p. 68. 

25 Q 6, § 24 p. 703. Grifos meus. 

26 Cf. nota SEMERARO, G (2001): Gramsci e a sociedade civil: cultura e educação para a democracia. 2 ed. Petrópolis: Vozes, p. 134 a partir da análise de Q 1, § 152, pp. 134-135. 

27 Cf. SEMERARO, G (2001): Op. cit., p. 185. 

28 COUTINHO, CN (1999): Gramsci. Um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 122. 

29 TEXIER, J (1988) : « Significati di società civile in Gramsci » Critica Marxista, Roma, a. 26, nº. 5, set. ott., p. 8. 

30 Q, 13, § 18, pp. 1589-1590. 

31 Vale destacar que para Hegel, a “mediação da carência e a satisfação do singular pelo seu trabalho e pelo trabalho e pela satisfação de todos os demais”, o denominado “sistema de carências”, é momento constitutivo da sociedade civil. Cf. HEGEL, GWF. (2003): Op. cit., §188, p. 21. 

32 COHEN, J & ARATO, A (2000): Sociedad civil y teoría política. México D.F., Fondo de Cultura Económica, p. 174. 

33 BADALONI, N (1978): “Liberdade individual e homem coletivo em Gramsci”, In: INSTITUTO GRAMSCI. Política e história em Gramsci. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, pp. 37-47. 

34 FRANCIONI, G (1984): L’Officina gramsciana: ipottesi sulla struttura dei “Quaderni del carcere”. Napolis: Bibliopolis, pp. 191-193. 

35 Cf. tb. os comentários de MEDICI, R (2000): Giobbe e Prometeo: filosofia e politica nel pensiero di Grasmci. Firenze: Alínea, pp. 166-167. 

36 CROCE, B (1947): Logica come scienza del concetto puro. Bari: Laterza, p. 49. 

37 Cf. PRESTIPINO, G (2004): Op. cit., p. 56. 

38 Ibid., p. 68. 

39 Q 10/II, § 61, p. 1244. 

40 PRESTIPINO, G (2004): Op. cit., p. 71. 

41 Idem

42 TEXIER, J (1988): Op. cit., p. 10. 

43 BAKER, G (1998): “Civil society and democracy: the gap between theory and possibility”. Politics, Oxford, v. 18, nº. 2, p. 81. 

44 COHEN, J & ARATO, A (2000): Op. cit. 

45 COUTINHO, CN (1999): Op. cit., p. 129. 

46 Ibid., p. 131. 

47 Idem

48 Uma análise historicamente bem informada sobre o lugar desses intelectuais na Idade Média, próxima a Gramsci em muitos sentidos e distante de Coutinho, pode ser encontrada em LE GOFF, J (2003): Os intelectuais na Idade Média. Rio de Janeiro: José Olympio. 

49 COUTINHO, CN (1999): Op. cit., p. 131. 

50 Q, 13, § 37, p. 1638. 

51 A nota do Quaderno 6 é datada por Francioni entre março e agosto de 1931. A nota do Quaderno 13 aprece como texto A já no Primo Quaderno (§ 48, p. 59) e é datada por Francioni ente fevereiro e março de 1929 e sua segunda redação (aquela que citamos) é, datada entre maio de 1932 e os primeiros meses de 1934 pelo mesmo autor. (Cf. FRANCIONI, G (1984): Op. cit., p. 140, 142 e 144). 

52 BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980): Op. cit. e BUCI-GLUCKSMANN, Ch (1980): “Entrevista con Christine Buci-Glucksmann”, Revista Mexicana de Sociologia, v. XLII, nº. 1, pp. 289-301. 

53 PAGGI, L (1984): La strategia del potere in Gramsci. Roma: Riuniti, p. 387. Cf. tb. FINOCCHIARO, MA (2002): Gramsci and the history of dialectical thought. Cambridge: Cambridge University, pp. 125-126. 

54 Q 1, § 10, pp. 8-9. 

55 Segundo Francioni, esse parágrafo data de novembro de 1930 (Op. cit., p. 141). é concomitante, portanto, daquelas discussões na prisão narradas por Athos Lisa, discussões essas que assinalam um giro político no interior dos Quaderni

56 Maquiavel é citado em todos os quaderni anteriores ao 8, com a exceção do 7. Mas neles nunca dedicou mais do que três parágrafos ao florentino. No Quaderno 8, ao invés, é possível encontrar referências nos §§ 21, 37, 43, 44, 48, 48, 56, 58, 61, 78, 84, 86, 114, 132, 162 e 163. 

57 MEDICI, R (2000): Giobbe e Prometeo: filosofia e politica nel pensiero di Grasmci. Firenze: Alínea, p. 162. De fato, no Quaderno especial dedicado a Maquiavel só há duas referências ao “príncipe moderno” (Q 13, § 1, p. 1558 e § 21, p. 1601-1602). 

58 Q 13, § 5, p. 1564. Grifos meus. 

59 Idem

60 É possível que a referência a Guicciardini seja apenas indireta, decorrente da leitura de artigo de Paolo Treves (cf. o aparelho crítico de Gerratana em Q, p. 2720). 

61 Q, 6, § 87, pp. 762-763. 

62 MACHIAVELLI, N (1971): Tutte le opere. Florença: Sansoni, p. 94. 

63 GUICCIARDINI, F (1933): Scritti politici e ricordi. A cura di Roberto Palmarocchi. Bari: Laterza, p. 21. 

64 MACHIAVELLI, N (1971): Op. cit., p. 275. 

65 Q 13, § 14, p. 1576. 

66 FRANCIONI, G (1984): Op. cit., p. 116. 

67 Q 15, p. 1748. 

68 Cf. FROSINI, F (2003): Gramsci e la filosofia: saggio sui Quaderni del cárcere. Roma: Carocci, p. 26. 

69 Ibid., p. 27. 

70 Q 13, § 7, p. 1565-1566. 

71 Q 10/II, § 44, p. 1331. 

72 Q 13, § 7, p. 1566. 

73 CROCE, B (1972): Materialismo storico ed economia marxistica. Bari: Laterza, p. 112. 

74 CROCE, B (1952): Etica y política: seguidas de la contribución a la crítica de mí mismo. Buenos Aires: Imán, p. 193. 

75 Idem

76 Idem

77 Q 8, § 52, p. 972. 

78 Q 14, § 9, p. 1662. 

79 Fasiani apud Q 14, § 9, p. 1663. 

80 Q 14, § 13, p. 1668. 

81 Idem

82 Q 14, § 9, p. 1663. Grifos meus. 

83 Afirmava Maquiavel em Il Principe que seu objeto de pesquisa era a “verdade efetiva da coisa e não sua imaginação” (MACHIAVELLI, N (1971): Op. cit., p. 280). 

84 “Segue-se que todos os profetas armados vencem e que os desarmados se arruínam” (MACHIAVELLI, N (1971): Op. cit., p. 263). 

85 Q 14, § 13, p. 1668. 

86 Idem

87 Q 14, § 11, p. 1666. 

88 Q 14, § 11. p. 1666. Grifos meus. 

89 Q 14, § 11, pp. 1666-1667. Grifos meus.