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Tiempo y Espacio

versión impresa ISSN 1315-9496

Tiempo y Espacio vol.27 no.67 Caracas jun. 2017

 

A artilharia brasileira e a defesa de Fernando de Noronha durante a 2ª Guerra Mundial

Brazilian artillery and the defense of Fernando de Noronha during the 2nd World War

La artilharia brasileña y la defensa de Fernando de Noronha durante la 2ª Guerra Mundial

Carlos Roberto Carvalho Daróz

Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro, mestrando em História do Brasil pela Universidade Salgado de Oliveira, especialista em História Militar pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e pelo Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, licenciado em História pela Universidade Salgado de Oliveira. Professor da Universidade do Sul de Santa Catarina. E-mail: cdaroz@yahoo.com.br

Resumo: Com a entrada do Brasil na 2ª Guerra Mundial, em 1942, a possibilidade de uma invasão ao Nordeste brasileiro apresentava-se em cores vivas e reais. No contexto do Teatro de Operações Nordeste, o arquipélago de Fernando de Noronha representava um dos vértices do chamado triângulo estratégico de defesa e, para defendê-lo, o Exército Brasileiro organizou um Destacamento Misto, forte em unidades de artilharia, capazes de fazer frente a um ataque. O presente artigo tem como propósito revisitar a história da presença do Exército Brasileiro na ilha durante a 2ª Guerra Mundial e analisar o papel das unidades de artilharia no dispositivo defensivo.

Palavras chave: Artilharia, defesa do litoral, 2ª Guerra Mundial

Abstract: With Brazil's entry into the World War Two, in 1942, the possibility of an invasion of northeastern Brazil presented in vivid and real colors. In the context of Northeast Operations Theatre, the Fernando de Noronha archipelago represented a defense of the so-called strategic triangle vertices, and to defend him, the Brazilian Army organized a Joint Detachment, strong in artillery units, able to cope with an atack. This article aims to revisit the history of the presence of the Brazilian Army on the island during the 2nd World War and analyze the role of artillery units on the defensive device.

Keywords: Artillery, coastal defence, World War Two

Resumen: Con la entrada de Brasil en la Segunda Guerra Mundial, en 1942, la posibilidad de una invasión del Nordeste de Brasil se presentó en colores vivos y reales. En el contexto del Teatro de Operaciones del Nordeste, el archipiélago de Fernando de Noronha representó la defensa de uno de los vértices del llamado triángulo estratégico, y que para defenderlo, el Ejército de Brasil organizó un destacamento conjunto, fuerte en las unidades de artillería, capaz de hacer frente a un ataque. Este artículo tiene como objetivo revisar la historia de la presencia del Ejército de Brasil en las islas durante la Segunda Guerra Mundial y analizar el papel de las unidades de artillería en el dispositivo defensivo.

Palabras clave: Artillería, defensa de la costa, Segunda Guerra Mundial.

Recibido: 2/10/2016

Aceptado: 5/11/2016

Introdução

Quando se estuda a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), são de conhecimento geral os combates no Oceano Pacífico, onde forças anfíbias norte-americanas assaltaram ilhas isoladas na imensidão do oceano, fortemente defendidas pelos japoneses. Nomes como Guadalcanal, Midway, Saipan, Iwo Jima e Okinawa – todas ilhas – são uma referência no imaginário coletivo do conflito. Da mesma forma, é bem conhecida a defesa da ilha de Malta pelas tropas da Commonwealth1, que impediu o domínio do Mediterrâneo pelas forças alemãs e italianas. O que pouca gente sabe, contudo, é que, durante a guerra, o Exército Brasileiro teve que defender um arquipélago, Fernando de Noronha, para que não viesse a cair em mãos inimigas.

O presente trabalho tem por propósito revisitar esse episódio e analisar como as unidades de artilharia foram empregadas para defender o arquipélago de um possível ataque procedente do mar ou do ar. Busca responder também a indagações como: de que forma os soldados brasileiros, muitos recém-convocados e sem experiência, superaram uma imensa quantidade de obstáculos e instalaram-se no arquipélago, ponto mais avançado do dispositivo defensivo do Nordeste brasileiro, para defendê-lo de um ataque que nunca veio? Essa é a história dos homens e seus canhões que defenderam Fernando de Noronha entre 1942 e 1945.

A guerra chega ao Brasil

Nos primeiros anos da guerra, a Alemanha venceu praticamente todas as campanhas de que tomou parte na Europa Ocidental, isolando a Grã-Bretanha que, privilegiada por seu território insular, continuou resistindo. Em seguida, em junho de 1941, rompendo o pacto de não agressão2 que havia firmado menos de dois anos antes, Hitler invadiu a União Soviética, abrindo a Frente Oriental. Na África do Norte, os alemães foram em socorro a seus aliados italianos com seu Afrika Korps3, dando início à Campanha do Deserto.

Inicialmente, o Brasil permaneceu neutro, embora muitos integrantes do governo – inclusive o próprio presidente Getúlio Vargas – e oficiais do Exército Brasileiro nutrissem evidente simpatia pelo regime nazista da Alemanha. O governo dos Estados Unidos (EUA), principal potência das Américas também permaneceu em posição de neutralidade, pressionado por sua opinião pública que considerava a guerra um assunto essencialmente europeu. No entanto, aos poucos, os EUA passaram a apoiar, com equipamentos militares, a Grã-Bretanha em sua resistência contra a Alemanha.

A guerra, no entanto, não tardaria a chegar ao Atlântico Sul. O episódio do afundamento do encouraçado de bolso alemão Graf Spee pela Marinha Real britânica, a 17 de dezembro de 1939, diante de Montevidéu, na foz do Rio da Prata, demonstrou que a manutenção da neutralidade seria tarefa difícil.4

Em julho de 1940, na conferência de Havana, as nações americanas firmaram um compromisso estabelecendo que um ato de agressão contra um de seus países seria considerado um atentado contra toda a América. Assim, o Brasil precisou tomar uma posição após o ataque japonês contra a Esquadra do Pacífico norte-americana no Havaí, em 7 de dezembro de 1941, e a subsequente declaração de guerra dos EUA contra o Japão, a Alemanha e a Itália, no dia seguinte. Como participante desta cúpula, o país se solidarizou com os EUA e, “honrando seus compromissos no plano internacional”, apoiou a decisão rompendo as relações diplomáticas com o Eixo durante a Terceira Reunião dos Chanceleres, em janeiro de 1942.5

Encerrada a via diplomática, de meados de junho até fins de julho de 1942 as marinhas de guerra da Itália e da Alemanha respeitaram uma trégua unilateral, na expectativa de uma mudança de posição do Governo brasileiro. Todavia, o intenso comércio do país com os EUA, assim como a cooperação militar, prosseguiram em ritmo acelerado. Para o Eixo, não havia mais esperanças e, em fins de julho, os submarinos alemães e italianos foram autorizados a intensificar as operações contra os navios mercantes brasileiros, e, a partir do mês seguinte, foram desencadeados os mais violentos ataques contra a Marinha Mercante brasileira.6 Em apenas sete meses, dezenove navios nacionais foram afundados pelos u-boat alemães e submarinos italianos, ceifando a vida de mais de 900 brasileiros, o que gerou grande comoção e clamor popular.7 Em resposta, no dia 22 de agosto de 1942 o Brasil decretou o estado de guerra contra os governos da Alemanha e da Itália.8

Parceria no Atlântico Sul

Antes mesmo de o Brasil entrar efetivamente no conflito, o governo dos EUA procurou se aproximar das autoridades brasileiras, particularmente em função do valor militar do nordeste brasileiro para o controle do Atlântico Sul, área de importância geopolítica fundamental para o esforço de guerra estadunidense.9 Além disso, a instalação de bases aeronavais dos EUA no saliente nordestino – localizadas no ponto de menor distância entre as Américas e o norte da África – possibilitaria o abastecimento dos aviões que mantinham a linha de suprimentos para as tropas lá desdobradas.10 Nesse sentido, depois de complexas tratativas diplomáticas entre EUA e Brasil, que incluíram a visita do presidente Franklin Delano Roosevelt a Natal, em 23 de julho de 1941, os dois países firmaram um acordo de cooperação econômica e militar. Conforme observa Moura,

[...] a aliança Brasil–Estados Unidos não era o resultado natural de elos históricos culturais comuns entre os dois países, nem era um exemplo de boa vontade unilateral. Ela resultou de um processo de negociações árduas e contínuas entre os dois países.11

A Comissão Militar Mista Brasil-EUA12, constituída por oficiais de estado-maior brasileiros e estadunidenses, passou a gerenciar a vertente militar do acordo, que definia claramente as responsabilidades de ambos os signatários, conforme assinala Duarte:

O Brasil prometia auxiliar com todas as suas forças e meios disponíveis a defesa comum do continente americano; construir bases aéreas e navais, permitindo sua utilização às outras nações americanas; organizar e defender sua costa e as ilhas ao longo do litoral, bem assim, as estradas e os meios de comunicação do país. Por seu turno, os Estados Unidos prometiam não só o emprego de suas forças armadas em auxílio do Brasil, na defesa contra ataque de força armada de Estado extracontinental, com a obtenção de armamento e todos os meios materiais de que pudesse necessitar o Brasil para a meta em questão, bem como fornecer o que este país declarasse necessitar.13

Em decorrência desse acordo, foram organizados a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e o 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira (FAB), que combateriam na Itália. Além disso, os EUA forneceram expressiva quantidade de material de guerra, armamento, viaturas, navios e aviões. Para a defesa do litoral do Nordeste e do Atlântico Sul, o acordo possibilitou a construção de bases aéreas e navais, quartéis, o fornecimento de material e equipamentos de guerra e a instalação, com base no Recife, da 4ª Esquadra da Marinha dos EUA, à qual ficou subordinada a Força Naval do Nordeste brasileira. No segundo semestre de 1941, com a situação da África do Norte ainda indefinida, a ameaça de um ataque alemão contra o litoral nordestino era bastante plausível.14

Organizando a defesa do nordeste

Ainda em meados do ano de 1941, ou seja, antes mesmo do ataque japonês à base da Marinha dos EUA, em Pearl Harbor, e da entrada do Brasil na guerra, o governo brasileiro criou o Teatro de Operações (TO) Nordeste, que, por sua vez, era dividido em dois setores de defesa, cada qual compreendendo dois estados da federação e mobiliados com uma divisão de infantaria (DI), ainda a serem organizadas.

O Setor Sul englobava os estados de Pernambuco e Alagoas e ficou sob a responsabilidade da 7ª DI, com quartel-general (QG) no Recife, posto que também era sede da 4ª Esquadra da Marinha dos EUA e da base aérea do Ibura15, construída pela engenharia do Exército dos EUA.

A 14ª DI, com QG em João Pessoa, era responsável pela defesa do Setor Norte, que abrangia os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Próximo a Natal, na localidade de Parnamirim, foi construída uma imensa base aeronaval norte-americana16, ponto de partida das patrulhas antissubmarino e com instalações de reabastecimento de aviões e navios em trânsito dos EUA para a África17.

Complementando o dispositivo de defesa do saliente nordestino, decidiu-se pela ocupação militar do arquipélago de Fernando de Noronha, que, juntamente com Natal e Recife, passou a formar o triângulo estratégico de defesa sul do continente americano.

Com o estabelecimento do TO Nordeste, foram iniciadas as providências efetivas para prover a devida defesa da região. Diversas unidades do exército baseadas nas regiões Sul e Sudeste foram transferidas para completar as novas DI e outras tantas foram criadas e organizadas localmente. O novo TO requeria um comandante com boa capacidade organizacional e, em janeiro de 1942, o experiente General Estevão Leitão de Carvalho18 foi nomeado comandante do 1º Grupo de Regiões Militares (1º GRM) e, um mês depois, comandante dos TO Este e Nordeste, cuja área de responsabilidade se estendia desde o estado da Bahia até o Piauí.

Uma das primeiras providências tomadas pelo novo comandante foi realizar uma viagem de reconhecimento ao Nordeste, com o objetivo de conhecer o valor e o poder de combate das tropas à sua disposição, bem como identificar as possibilidades defensivas e vulnerabilidades do terreno do TO. Como resultado dessa viagem de inspeção, o General Leitão de Carvalho elaborou um Plano de Manobra para a defesa do Nordeste, que, dentre outras disposições, definia como missão que

A defesa do Nordeste far-se-á mediante grupamentos de força, concentrados em torno dos portos marítimos e das bases aéreas da região, competindo a esses grupamentos:

[...]

- impedir o estabelecimento do inimigo no Arquipélago de Fernando de Noronha;

[...]19

O plano, protocolado no Ministério da Guerra em 30 de maio de 1942, propunha a seguinte composição de forças:

- uma DI com sede em Natal;

- uma DI com sede no Recife;

- uma DI em reserva;

- um Centro de Resistência em Fernando de Noronha;

- uma rede de postos de vigilância ao longo do litoral.20

Mesmo com modificações e vencidas algumas resistências, o plano foi adotado, dando início à ocupação militar de Fernando de Noronha, objeto do presente trabalho.

Defendendo a ilha: o exército brasileiro em Fernando de Noronha

Composto por 21 ilhas e ilhotas de origem vulcânica, o arquipélago de Fernando de Noronha dista 345 km de Natal e 545 km do Recife. A ilha de Fernando de Noronha é a mayor do arquipélago, tendo uma área de 17 km² e algumas elevações, que podem ser avistadas a distância.21 Em meados de 1941, a ilha abrigava um presídio com cerca de 400 detentos, que eram guardados por uma força policial de 165 homens. Um relatório da época aponta as deficiências de infraestrutura da ilha:

Uma informação procedente da ilha, datada dos últimos dias de 1941, e assinada por Coriolano Monteiro de Oliveira, endereçada ao QG da 7ª Região Militar, adiantava que “existia um grande campo de aviação cimentado, com possibilidade de alongamento por ambos os lados, tendo nas proximidades um poço artesiano, produzindo 3.200 litros d´água por hora; que o presídio possuía uma lancha de alto-mar e grandes jangadas para desembarque de pessoal e material, além de dois caminhões, fabricação de 1939; que a energia elétrica era assegurada por um motor Wortington, de 100 HP, e dois outros de 36 e 24 HP; a voltagem do primeiro era de 2.300 volts, passando por uma transformação para corrente de 220 volts alternada, com possibilidade de ampliação”.22

Uma rápida leitura do relatório permite verificar a precariedade da infraestrutura da ilha, particularmente no que diz respeito à obtenção de água potável, um enorme desafio para as forças de ocupação. O contato com o continente era efetuado por intermédio de uma estação radiotelegráfica de alta potência, de prefixo PYV-2, que operava na faixa de 32 metros. Para minimizar os problemas estruturais e planejar as tarefas de ocupação da ilha, uma comissão da 7ª Região Militar (7ª RM) visitou a ilha para verificar as necessidades logísticas da operação.

No decorrer do ano de 1941 discutiu-se a respeito de qual força poderia ocupar Fernando de Noronha, a Marinha ou o Exército. Em uma longa carta pessoal enviada ao Presidente Getúlio Vargas, o Almirante Alberto Lemos Bastos, comandante do 2º Distrito Naval, com sede em Salvador, queixou-se da falta de disposição do Ministro da Marinha em enviar os Fuzileiros para a missão:

[...] O Fuzileiro Naval deve ser especialista em operações de desembarque. Os nossos nunca praticaram essas coisas, nem têm os meios necessários para fazê-los e não se os quiseram ter. Não têm armamento, nem barracas, nem cozinhas de campanha. A ocupação de Fernando de Noronha deveria, penso, ter sido feita pela Marinha. Quando nisto falei ao Ministro, ele me disse que a Marinha não tinha como fazê-la.23

Apesar dos lamentos do comandante naval, a realidade é que os Fuzileiros Navais não teriam condições para cumprir uma missão com a envergadura que a ocupação exigia. Assim, no final do ano, o Conselho de Segurança Nacional decidiu que o arquipélago seria ocupado por uma força do Exército Brasileiro.

A necessidade de incluir o arquipélago no sistema defensivo do Nordeste já era evidente em meados de 1941, de acordo com estudos realizados pelo Comandante Paulus Powel, integrante da Missão Naval dos EUA no Brasil, que se baseava nas ameaças existentes e nos meios disponíveis para a defesa, ressaltando que

Devido a não haver comunicações terrestres regulares, ferroviárias ou rodoviárias, entre o norte e o sul do país, o efeito imediato da ocupação de Fernando de Noronha, por um inimigo que tivesse superioridade aérea, seria o isolamento dos estados setentrionais, da Bahia para o norte, dos meridionais, onde está concentrado o poder político e econômico do Brasil.24

De acordo com a estimativa do oficial da Marinha dos EUA, se Fernando de Noronha caísse em poder do inimigo e fosse utilizada como base aérea para ataque ao continente e à navegação de cabotagem, o Brasil corria o risco de ser dividido em dois. Concluía seu estudo ressaltando a importância estratégica da ilha e a necessidade de ocupá-la, ainda que houvesse enormes dificuldades logísticas.

Com seu imenso litoral, o Brasil era, em fins de 1941, bastante vulnerável a ataques provenientes do mar – particularmente desfechados por submarinos, que já operavam amplamente no Atlântico – e do ar. Com a premissa de enfrentar tais ameaças, foi preparada a defesa de Fernando de Noronha. Para guarnecer o arquipélago, em 13 de janeiro de 1942 foi formalmente criado o Destacamento Misto de Fernando de Noronha, sob o comando de um oficial general, e composto por unidades de infantaria, artilharia de campanha, artilharia de costa e artilharia antiaérea, com seus respectivos apoios.

O primeiro boletim interno do Destacamento Misto resumia o valor militar de Fernando de Noronha para o sistema defensivo do Nordeste:

A existência dessa ilha, indefesa, em posição dominante sobre o litoral, é um ponto fraco em qualquer organização defensiva costeira, e, nas mãos do inimigo, uma ameaça permanente e séria a essa defesa.

Realmente, grande é o valor do arquipélago por sua singular posição geográfica e a sua queda hoje em mãos estranhas poria em perigo nossa linha de comunicações marítima, além de proporcionar ao invasor a faculdade de aproveitá-la como base avançada, de onde se preparariam operações preliminares para a posse de outras no litoral do Nordeste.25

A ameaça era bastante clara: se Fernando de Noronha caísse em mãos inimigas, a navegação aliada no Atlântico Sul estaria comprometida e o litoral nordestino ameaçado.

Para o comando do Destacamento Misto, foi designado o General-de-Brigada Francisco Gil Castelo Branco, que, juntamente com seu estado-maior, realizou uma viagem de reconhecimento e inspeção ao arquipélago na primeira semana de fevereiro de 1942 e, posteriormente, tomou as providências para reunir os meios alocados para seu comando e coordenou com a Marinha do Brasil o transporte das unidades com as devidas escoltas.

Como os meios de transporte marítimo disponíveis eram escassos, foi necessário planejar a ocupação do arquipélago em diferentes escalões, seguindo, em primeiro lugar, as tropas necessárias para estabelecer sua defesa imediata. A respeito da prioridade de embarque das unidades, o General Castelo Branco definiu sua intenção:

Parece-me que a primeira tropa combatente a seguir deva ser a infantaria, para tomar posse efetiva da ilha e evitar qualquer golpe de mão. [...] Com o primeiro BC [batalhão de caçadores] a embarcar, poderá seguir a bateria de obuses que já se acha no Recife.26

Após dois dias de navegação, com escolta e obedecendo à disciplina de luzes no período noturno, em 16 de abril de 1942 chegou a Fernando de Noronha o primeiro contingente, composto pelo Comando e estado-maior do Destacamento, 30º Batalhão de Caçadores (30º BC), 1ª Bateria Independente de Obuses (1ª Bia Indep O) e elementos de apoio. O 30º BC havia sido organizado em dezembro de 1941, na cidade de Olinda27, e possuía em seu efetivo expressiva quantidade de soldados recrutas, com pouca instrução militar. A 1ª Bia Indep O fora organizada no Rio de Janeiro, na mesma época do BC28, e deslocou-se para o Recife, por via marítima, em fevereiro de 1942, antes de seguir para Fernando de Noronha. Seu armamento consistia em obuseiros Krupp C/14 de 105mm.

Quase um mês depois, no dia 18 de maio, o segundo contingente chegou no transporte Itapura, com o comando e uma bateria do 1º Grupo Móvel de Artilharia de Costa (1º GMAC), um destacamento de pontoneiros, e outro de transmissões. O 1º GMAC era uma unidade nova, criada há apenas quatro meses na cidade do Rio de Janeiro29, e possuía duas baterias de canhões, cada qual dotada de duas peças Vickers-Armstrong30 calibre 152,4mm (6 polegadas), e uma seção de projetores Modelo Sperry, destinados a iluminar os alvos.

O terceiro contingente chegou em 10 de julho, a bordo do navio Santarém, trazendo a bateria restante do 1º GMAC e o 1º Grupo do 2º Regimento de Artilharia Antiaérea (I/2º RAAAe), unidade originalmente sediada em Quitaúna-SP e que permaneceria na ilha por quase dois anos e meio31. O I/2º RAAAe era dotado dos modernos canhões antiaéreos Krupp Flak 18 de 88mm, de fabricação alemã (que angariariam fama nos combates da 2ª Guerra Mundial por sua precisão e capacidade de destruição), tracionados por viaturas meia-lagartas Sdkfz 7, e tinha por missão realizar a defesa da ilha contra possíveis ataques de aeronaves inimigas. Todo o material do Grupo havia sido adquirido dos alemães antes da declaração de o Brasil declarar guerra à Alemanha.

O quarto e último contingente também chegou à Fernando de Noronha a bordo do Santarém, no dia 9 de julho, com o 31º Batalhão de Caçadores (31º BC), unidade organizada no Recife, em fins de 194132, além de alguns elementos de apoio. Com a chegada dessa unidade, completava-se o dispositivo do Destacamento Misto de Fernando de Noronha, que ficou assim constituído:

O grupo de apoio abrangia pequenas unidades logísticas, administrativas e de apoio ao combate, dentre as quais figuravam o Serviço de Saúde da 7ª RM, Serviço de Veterinária, Serviço de Intendência, Serviço de Material Bélico, Companhia de Transmissões, Serviço de Polícia, Depósito de Material de Engenharia, Serviço Religioso, prefeitura militar e o Conselho Extraordinário de Justiça, além do destacamento de pontoneiros.

Tão logo foram vencidas as dificuldades relativas ao desembarque do material pesado na ilha – não havia porto ou local de atracação, o que obrigou os pontoneiros a construírem um trapiche – deu-se prosseguimento ao Plano de Defesa nº 1, datado de 20 de julho de 1942, elaborado pelo estado-maior do General Castelo Branco. O QG do comandante do Destacamento Misto foi instalado na antiga casa paroquial, ao lado da igreja da Vila dos Remédios, principal centro populacional da ilha, onde também permaneceram acantonadas quase todas as unidades de apoio. O 30º BC construiu um quartel no largo da antiga usina33, enquanto o 31º BC ficou responsável pela defesa da porção sueste da ilha.

Com tanto litoral e possíveis áreas de desembarque a defender, o 1º GMAC desdobrou-se em diferentes locais, ficando seu comando na antiga diretoria do presídio, a 1ª Bateria de Canhões no Hospital Velho, a 2ª Bateria na antiga prefeitura e a Seção de Projetores distribuída pela ilha, nas alturas que dominavam as praias adjacentes34.

No intuito de cooperar com a Artilharia de Costa, a 1ª Bia Indep O ocupou posição na vila do Porto de Santo Antônio e, mais tarde, foi deslocada para as proximidades do Forte da Conceição. O I/2º RAAAe ocupou posições elevadas do terreno, para otimizar os campos de tiro de seus canhões Krupp 88mm contra possíveis ataques aéreos, destacando suas baterias para o Morro do Curral e o Morro Dois Irmãos.

Complementavam o sistema defensivo os Núcleos de Segurança, constituídos por postos de observação e vigilância, localizados no Porto de Santo Antônio, estação da Air France, Fortaleza dos Remédios, Morro do Pico, Praia da Quixaba, Praia do Boldró, Baía do Sancho, Baía Sueste, Praia do Leão, Morro do Espinhaço e Praia do Atalaia. A missão dos núcleos era dar o alerta antecipado no caso de uma tentativa de invasão ou localização de aeronaves suspeitas.

Dadas as imensas dificuldades logísticas – foi necessário desembarcar mais de quarenta canhões e viaturas sem porto ou atracadouro adequado – e as carências normais de uma ilha localizada na imensidão do oceano, o plano foi executado com bastante rapidez e eficiência e logo as unidades puderam entrar em operação e participar de inúmeros exercícios coordenados de defesa. O Major José Campos Aragão, primeiro comandante do I/2º RAAAe, descreveu um desses treinamentos que simulavam ataques aéreos e tentativas de desembarque inimigos no arquipélago:

[...] um foguete, de lagartas amarelas, subiu ao céu no Alto da Floresta. Seguiu-se o badalar constante dos sinos e silvos estridentes de sirenes [...] Incontinenti, o grupamento de defesa contra aeronaves aprontou-se para a ação simulada. Canhões esticavam os longos tubos, de boca aberta, farejando o ar. Metralhadoras contra aviões em voo baixo, também foram acionadas. Da posição da bateria pudemos ver o desencadeamento do alarme em todos os pormenores. Correria interessante para as trincheiras antiaéreas. No aquartelamento do 30º BC tinha-se a impressão de colmeia atacada.35

O soldado Ayrton Guimarães também registrou suas impressões sobre um desses treinamentos:

Trabalhávamos dia e noite na fortificação da ilha e logo iniciaram os treinamentos antiaéreos. A ilha, quase sempre, era um eterno black-out. Apagavam toda a iluminação existente; até o cigarro era proibido. Quando tocava a sirene de alarme, todos corriam para os abrigos, armados até os dentes, e os faróis de longo alcance entravam em ação, vasculhando todo o céu. Quando se descobria o avião, todos os faróis ficavam dirigidos para o céu, até que soltasse uma sinalização em cores e codificada, secretamente para o Brasil, avisando ser avião aliado e autorizado a voar sobre a ilha. Então, cessava o alarme e voltava ao normal a situação.36

Para reforçar ainda mais as defesas da ilha, em outubro de 1942 foi criado o 1º Grupo Independente de Artilharia37 (1º GIA), dotado de canhões de tiro rápido Saint-Chamond 75mm C/36 TR, de fabricação francesa. A unidade, no entanto, teve vida curta na ilha, sendo, posteriormente, transferida para Niterói, contando apenas quatro meses de serviço no Destacamento Misto. No período em que esteve na ilha, o 1º GIA permaneceu aquartelado no Hospital Velho.

Um rochedo duro - problemas enfrentados pelos soldados

Mesmo antes de enviar as tropas, os planejadores da ocupação militar de Fernando de Noronha puderam visualizar a dificuldade que teriam para alojar e abastecer mais de 2.500 homens em um território de apenas 17 km2 e com escassas edificações construídas. Nesse sentido, uma das primeiras providências adotadas foi transferir todos os presos políticos e a maioria dos detentos comuns para o continente, com o objetivo de diminuir a população da ilha. Para um melhor controle da tropa, ficou determinado que, para servir no Destacamento Misto, os homens deveriam ser, prioritariamente, solteiros ou, se casados, não terem filhos.

Com o propósito de manter a motivação e a saúde física e mental dos homens, foi estabelecido um período de serviço de seis meses na ilha, após o qual os soldados seriam substituídos em sistema de rodízio. Em meados de 1943, o tempo de permanência foi estendido para dez meses de serviço ininterrupto. Dada a carência de meio de transporte aéreo ou marítimo, é possível avaliar as dificuldades enfrentadas pelos comandos para colocar em prática esse sistema, mas, em que pese as limitações, os rodízios foram realizados com relativo sucesso.

O trabalho de preparação dos quartéis e das posições de combate foi bastante árduo e exigia muito dos homens, conforme testemunhou o soldado Ayrton Guimarães:

Durante o dia, nosso trabalho era o de preparara o terreno da ilha para a nossa defesa. Trincheiras e casamatas, que eram lugares que agasalhavam os combates, em local de difícil acesso ao inimigo, em caso de invasão. Como a ilha era uma rocha só, as escavações foram penosas e nossas mãos ficavam cheias de calos. O arquipélago não tinha nenhuma defesa e, pela gravidade da situação e riscos ao nosso continente, havia a necessidade do exército estar aquartelado e fortificando-a para a defesa de todos.38

Um problema que perseguia o soldado e a administração militar era a obtenção de água potável. Embora houvesse algumas fontes naturais – a principal delas era a Cacimba do Padre, que abastecia a ilha – o súbito crescimento da população no arquipélago levou os soldados ao expediente de cavarem poços, onde a água era, frequentemente, salobra e de qualidade duvidosa. Não raro os soldados enfrentavam situações de sede e precisavam de muita criatividade para atender às suas necessidades. Mais uma vez nos reportamos ao depoimento do soldado Ayrton Guimarães, que exemplifica a dificuldade para se obter água na ilha:

Tive minha primeira sede na ilha. Como achar água? Perguntei a um colega que estava ali há mais tempo, como encontrar água para beber. Ele respondeu:

- Rapaz, você vai ter que fazer o seu “poço” também. [...]

Vim a saber que o “poço” a que ele se referia era feito da seguinte maneira: cada um possuía um litro, de vidro, tampado por uma cortiça. A garrafa era amarrada a um cordão grosso no gargalo e marcada com o nome de cada um, para não ser tirada pelos outros, e atirada ao mar. No outro dia pescava-se a garrafa e, dentro dela, vinha uma água salobra, para beber e lavar o rosto.39

É oportuno observar que, decorridos setenta anos da ocupação militar de Fernando de Noronha, o abastecimento de água potável continua a ser um dos maiores problemas de infraestrutura da ilha.

Obter alimentos frescos, especialmente a carne verde, era outro desafio. A carne, normalmente, vinha do Recife, por via marítima, procedente do matadouro de emergência construído pelo Serviço de Subsistência da 7ª RM, mas as entregas eram bastante irregulares, em função da dificuldade em realizar, em ambiente de guerra, o transporte marítimo para o arquipélago. No intuito de ter uma reserva alimentar para ser consumida em caso de emergência, o Serviço de Veterinária do Destacamento Misto mantinha a criação de um rebanho na ilha que, em fins de 1943, compreendia 558 bovinos, 238 suínos, 400 caprinos e 27 ovinos40.

As carências de água e alimentação de boa qualidade, associadas ao próprio isolamento na imensidão do Atlântico, tinham um peso na saúde dos homens, provocando doenças físicas e mentais que os soldados apelidavam, genericamente, de “fernandite”. O relatório anual de 1943, elaborado pelo Estado-Maior da 7ª RM, alertava para os problemas sanitários da tropa:

As condições de vida da ilha, alimentação incompleta e escassa, deficiência de água para beber e higiene individual não permitiam, como não permitem, que se exijam grandes esforços dos homens. Isso se acentuou com o incremento dos casos de carência (avitaminose) e beribéri havidos.41

Diversas ações foram realizadas no sentido de minimizar as doenças e os problemas sanitários da tropa. Foram implantadas rigorosas normas de higiene individual e coletiva, com particular atenção para os alojamentos da tropa. O lixo passou a ser enterrado e uma equipe do Serviço de Febre Amarela deslocou-se do Recife para a ilha, para tentar erradicar os mosquitos e ratos, bastante comuns em Fernando de Noronha.

É interessante observar que, no auge da ocupação militar, em meados de 1943, o Destacamento Misto reunia aproximadamente 2.600 homens. A eles, somavam-se quase 300 militares da base da Marinha dos EUA existente nas proximidades da Baía de Sueste.

Novo comando, novos planos

No princípio de 1943, o General Francisco Gil Castelo Branco foi substituído no comando do Destacamento Misto pelo General-de-Brigada Ângelo Mendes de Morais, que havia sido promovido ao generalato recentemente. Em março, logo após a posse do novo comandante, o Destacamento recebeu da 7ª RM a Instrução nº 2, que atualizava a missão das tropas:

– Manter o arquipélago contra as investidas por mar, organizando-se na ilha de Fernando de Noronha, sobretudo diante da Baía de Santo Antônio, de sorte a impedir qualquer tentativa de desembarque;

– precaver-se contra os bombardeios navais e aéreos e atuar contra as tropas ou agentes vindos por ar e que desçam no arquipélago, destruindo-os ou aprisionando-os; em qualquer caso, impedir que a ilha seja utilizada como base aérea de operações contra o continente.42

Com base nessas instruções, o General Morais emitiu uma nova ordem de operações43, que estabelecia um novo dispositivo defensivo. A ilha foi dividida em dois quarteirões defensivos de infantaria, cujo limite era materializado, no terreno, pela linha Pico – Morro da Boa Vista – Morro do Macedo. O Quarteirão Leste ficou sob a responsabilidade do 30º BC (menos uma companhia) e o Oeste passou a ser defendido pelo 31º BC, também desfalcado de uma subunidade. As duas companhias subtraídas dos BC passaram a constituir a reserva móvel, juntamente com a tropa de choque do QG do Destacamento. Tal organização tinha por objetivo implantar uma defesa mais flexível, capaz de responder rapidamente a ataques em qualquer ponto da ilha.

Redução dos efetivos e o fim do destacamento misto

Com a derrota das forças do Eixo na África do Norte, a ameaça de uma invasão contra o Nordeste e contra o arquipélago diminuiu consideravelmente. Com efeito, o governo brasileiro deu início a um processo gradual de redução das unidades desdobradas em Fernando de Noronha e, em meados de 1943, foram transferidos da ilha para o continente o 1º GIA, que permaneceu apenas quatro meses subordinado ao Destacamento Misto, e o 31º BC, que passou a ocupar aquartelamento em Campina Grande, na Paraíba.

Na primeira semana de agosto de 1943, o General Ângelo Mendes de Morais partiu para o Rio de Janeiro e o comando do Destacamento passou a ser exercido, interinamente, pelo Coronel Tristão de Alencar Araripe. Um mês depois, no dia 6 de setembro, foi criado o Território Federal de Fernando de Noronha44, e o Coronel Araripe foi nomeado governador do Território e efetivado como comandante do Destacamento Misto, acumulando as funções de comandante militar e gestor administrativo do arquipélago.

Uma das providências tomadas pelo novo comandante foi expedir o Plano Defensivo nº 3 que, com a volta de algumas unidades para o continente, teve que atender ao princípio de economia de meios e passou a ser baseado em um centro de resistência, na Vila dos Remédios e adjacências, e uma rede de postos de observação e postos de vigilância.

Na segunda metade de 1944 a situação estratégica da guerra tinha-se modificado completamente em favor dos Aliados, eliminando, na prática, a ameaça de invasão ao arquipélago. As tropas anglo-americanas haviam invadido a Sicília e a Normandia, os soviéticos pressionavam as forças nazistas na Frente Oriental europeia e a 4ª Esquadra dos EUA dominava o Atlântico Sul. Pouco a pouco, as unidades do Destacamento Misto foram sendo desmobilizadas ou transferidas para o continente. Com o fim da guerra na Europa, no entanto, não havia mais razão para manter em Fernando de Noronha um contingente tão numeroso, e, em agosto de 1945, o Destacamento Misto foi extinto, dando lugar à Guarnição de Fernando de Noronha, ato regulamentado pelo Aviso nº 1.732, de 13 de agosto de 1945:

Fica criada, na conformidade do Art 2º do Decreto-Lei nº 19.116, de 6 do corrente, a Guarnição de Fernando de Noronha, em substituição ao Destacamento Misto de mesmo nome, extinto pelo referido decreto. A citada Guarnição terá efetivo em pessoal constante do quadro aprovado pela Portaria nº 21/21, de 13 de julho de 1945 (Reservada). Em consequência da alteração supra, ficam extintos o QG do Destacamento, a 1ª Cia Independente de Infantaria, tipo especial, e o Hospital Militar de Fernando de Noronha.45

É oportuno observar que, por ocasião da extinção do Destacamento Misto, praticamente todas as suas unidades originais já haviam sido desmobilizadas ou transferidas. A Guarnição de Fernando de Noronha permaneceu sob a responsabilidade do Exército até 1981, quando passou à jurisdição do Ministério da Aeronáutica.

Considerações finais

Por ocasião do ingresso do Brasil na guerra o arquipélago foi incluído como um dos vértices do triângulo estratégico de defesa do Nordeste, pois sua queda poderia resultar na divisão do território brasileiro em dois, segregando o Norte–Nordeste do Centro-Sul do país. Para tal, o governo brasileiro decidiu por enviar um Destacamento Misto, forte em unidades de artilharia, para estabelecer a defesa de Fernando de Noronha, tarefa que não foi realizada sem dificuldades. Unidades recém-formadas, compostas em grande parte por recrutas; dificuldades de transporte e abastecimento; além do enorme desafio logístico de praticamente quintuplicar a população da ilha foram alguns dos obstáculos superados. No entanto, a tropa enviada cumpriu sua missão da melhor maneira possível, estabelecendo um dispositivo defensivo de 360º ao redor da Vila dos Remédios e da pista de pouso.

Embora o esperado ataque não tenha se concretizado, as unidades do Exército Brasileiro estiveram prontas para o combate durante dois anos e oito meses. Encerrava-se, assim, a história do Destacamento Misto de Fernando de Noronha, grande unidade que atuou, na imensidão e no isolamento do Oceano Atlântico, como ponta de lança do dispositivo da defesa do Nordeste brasileiro.

Notas

1 Comunidade Britânica das nações.  

2 O pacto de não agressão, também conhecido como Pacto Molotov-Ribbentrop, foi firmado entre a Alemanha e a União Soviética em 23 de agosto de 1939, às vésperas da 2ª Guerra Mundial e definia um período de cinco anos de paz entre os dois países e a invasão da Polônia (que seria divida entre ambos), dos países Bálticos e da Finlândia.

3 Corpo Expedicionário Africano, comandado pelo General Erwin Rommel, a “Raposa do deserto”.

4 COSTA, Octávio. Trinta anos depois da volta. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1976, p.16.

5 MASCARENHAS DE MORAES, João Batista. A FEB pelo seu comandante. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2005, p.23.

6 SEITENFUS, Ricardo. O Brasil vai à Guerra: O processo de envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial. São Paulo: Manole, 2003, p.295.

7 Os afundamentos de navios brasileiros resultaram na cifra de 972 mortos (dos quais 470 tripulantes e 502 passageiros) de um total de 1.889 brasileiros mortos em função da guerra, perfazendo cerca de 51% das baixas fatais.

8 COSTA, Octávio. Trinta anos depois da volta..., p.16.

9 ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO. História do Exército Brasileiro. Brasília: IBGE, 1972, p.826.

10 LAVENÈRE-WANDERLEY, Nelson Freire. História da Força Aérea Brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975.

11 MOURA, Gerson. Sucessos e ilusões: Relações internacionais do Brasil durante e após a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: FGV, 1991, p.13.

12 A Comissão Militar Mista Brasil-EUA resultava das bases firmadas no Acordo de Cooperação entre EUA e Brasil, de 29 de outubro de 1940.

13 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Record, 1971, p.131.

14 MCCANN, Frank. Aliança Brasil-Estados Unidos, 1937-1945. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995.

15 Atual Aeroporto Internacional dos Guararapes / Gilberto Freire, que serve à capital pernambucana, e Base Aérea do Recife, da FAB.

16 Atual aeroporto internacional de Natal / Augusto Severo e Base Aérea de Natal, da FAB.

17 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.92.

18 O Geral Estevão Leitão de Carvalho foi um dos fundadores da revista A defesa nacional. Adido militar no Chile (1918-21), membro da delegação na V Conferência Pan-Americana (Chile); consultor militar na IV Assembleia da Liga das Nações (Genebra 1923-1936), consultor militar da delegação do Brasil à Conferência do Desarmamento (Genebra, 1932), chefe da delegação brasileira na Comissão Militar Neutra incumbida de executar o acordo de Paz entre o Paraguai e a Bolívia (Questão do Chaco, 1935), chefe da delegação brasileira na Conferência de São Francisco (EUA), que elaborou a Carta das Nações Unidas.

19 CARVALHO, Estevão Leitão. A serviço do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Edições d´A Noite, 1952.

20 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.144.

21 Para simplificar o entendimento e adotando a linguagem corrente no Brasil, a partir daqui designaremos de Fernando de Noronha tanto a ilha maior, única habitada, quanto o arquipélago no todo.

22 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.155.

23 Carta do Almirante Alberto Lemos Bastos ao Presidente Getúlio Vargas, de 2 de março de 1943. Acervo da Diretoria de Patrimônio Histórico da Marinha.

24 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.153.

25 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.161-162.

26 Ibid, p.157.

27 O 30º BC foi criado por intermédio do Aviso Reservado nº 556-491, de 23 de dezembro de 1941.

28 A 1ª Bia Indep O foi criada pelo Decreto-Lei nº 3.959, de 19 de dezembro de 1941, e foi organizada, inicialmente, no quartel do 1º Grupo de Obuses (1º GO), em São Cristóvão, na Capital Federal.

29 O 1º GMAC foi criado pelo Decreto-Lei nº 4.074, de 31 de janeiro de 1942, e também viu seus primeiros dias no quartel do 1º GO, no Rio de Janeiro.

30 De acordo com Duarte (1971, p.23), o Brasil adquiriu nos EUA, no final da década de 1930, 99 canhões de artilharia de costa Vickers-Armstrong, ao custo apenas do preço do transporte e que terminaram por artilhar diversos pontos do litoral brasileiro. Para utilizá-los efetivamente, a Diretoria de Material Bélico determinou que uma empresa particular projetasse uma plataforma visando aumentar-lhes o campo horizontal. O primeiro modelo de plataforma, contudo, foi rejeitado pelo Exército Brasileiro, mas estas foram distribuídas aos canhões que constituíram a defesa de Fernando de Noronha.

31 O I/2º RAAAe havia sido criado pelo Decreto-Lei nº 2.830, de 3 de dezembro de 1940, sendo, das unidades presentes em Fernando de Noronha, a que existia há mais tempo. É interessante observar que possuía menos de dois anos de funcionamento, quando foi enviada para o arquipélago.

32 O 31º BC foi criado pelo Decreto-Lei nº 3.992, de 30 de dezembro de 1941, e foi organizado, inicialmente, no Colégio Padre Machado, na capital de Pernambuco.

33 Localidade atualmente conhecida como Vila do Trinta, que teve seu nome originado do número “30”, pintado no telhado do quartel que abrigou o 30º BC.

34 Alto da Ponta da Sapata, Ponta da Pedra Alta e Alto da Viração.

35 ARAGÃO, José Campos. Guardando céu nos trópicos: Ilha de Fernando de Noronha. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1950.

36 GUIMARÃES, Ayrton Vianna Alves. Do teatro ao teatro de guerra: caminhos e descaminhos de um pracinha pernambucano na Segunda Guerra Mundial. Recife: Gráfica e Editora do Nordeste, 2001.

37 O 1º GIA foi criado pelo Decreto-Lei nº 4.798, de 6 de outubro de 1942.

38 GUIMARÃES, Ayrton Vianna Alves. Do teatro ao teatro de guerra.., p.25.

39 Ibid.

40 DUARTE, Paulo. O Nordeste na II Guerra Mundial..., p.167.

41 Arquivo Histórico do Exército. Acervo da 7ª Região Militar.

42 Arquivo Histórico do Exército. Acervo do Destacamento Misto de Fernando de Noronha.

43 Ordem Geral de Operações nº 2 para Instalação Defensiva, de 26 de março de 1943. Arquivo Histórico do Exército. Acervo do Destacamento Misto de Fernando de Noronha.

44 O Território foi criado por intermédio do Decreto-Lei nº 5.718, de 6 de setembro de 1943.

45 Aviso nº 1.732, de 13 de agosto de 1945.