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Agroalimentaria
versión impresa ISSN 1316-0354
Agroalim v.16 n.31 Mérida jul. 2010
A "PRODUÇÃO INVISÍVEL" NA AGRICULTURA FAMILIAR: AUTOCONSUMO, SEGURANÇA ALIMENTAR E POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO RURAL
Grisa, Catia 1; Gazolla, Marcio 2; Schneider, Sergio 3
1 Engenheira Agrônoma (UFPel, Brasil); Mestre
2 Engenheiro Agrônomo (UFSM, Brasil); Mestre
3 Sociólogo (UFRGS, Brasil); Mestre; Doutor e Pós-Doutor em Sociologia (UFRGS, Brasil e Cardiff, Gales). Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Coordenador do Programa de Pós-Graduação
RESUMO
O objetivo do presente artigo é demonstrar a importância que a produção para autoconsumo possui para os agricultores familiares do Rio Grande do Sul-Brasil, em importantes dimensões do seu processo de reprodução social, como é o caso da geração da segurança alimentar e nutricional, assim como nos processos diversificação produtiva e econômica destas famílias. Esta produção longe de ser «invisível» como muitos estudos rurais do passado a definiram, ela é base importante dos processos de manutenção das formas familiares no rural, sejam estas mais ou menos integradas aos mercados. As políticas públicas, assim mesmo, muitas vezes desconsideram este tipo de produção, ou no pior dos casos, acabam solapando os seus processos produtivos, devido estas políticas incentivarem produções com maiores valores nos mercados, como é o caso das commodities agrícolas e a integração agroindustrial a grandes empresas de alimentos.
Palavras chaves: autoconsumo, agricultura familiar, políticas públicas e autonomia, Rio Grande do Sul, Brasil.
RESUMEN
El objetivo del presente artículo es demostrar la importancia que la producción para autoconsumo tiene para los agricultores familiares de Rio Grande do Sul-Brasil, en importantes dimensiones de su proceso de reproducción social, como es el caso de la generación de la seguridad alimentaria y nutricional, así como de los procesos de diversificación productiva y económica de estas familias. Esta producción, lejos de ser «invisible» como muchos estudios rurales del pasado la definieron, es base importante para los procesos de manutención de la agricultura familiar rural, independientemente de que estén más o menos integrados a los mercados. Asimismo, muchas veces las políticas públicas omiten este tipo de producción, o en el peor de los casos, acaban solapando sus procesos productivos; esto debido a que tales políticas incentivan producciones con mayores valores en los mercados, como es el caso de las commodities agrícolas y la integración agroindustrial en grandes empresas de alimentos.
Palabras clave: autoconsumo, agricultura familiar, políticas públicas, autonomía, Río Grande del Sur, Brasil
ABSTRACT
This article expresses the importance that the self-consumption production have for the social reproduction of the family farmers in the Rio Grande do Sul, Brazil, mainly for food security and productive diversification process. This production is far from being treated as «invisible», as many rural studies of past described, it is an important basis for reproduction process of rural family farms, whether more or less integrated markets. However, very often the public policies disregard this production and, at this place, stimulate the production of commodities and the integration to conventional agro-food markets. Keywords: self-consumption, family farm, public policies, autonomy, Rio Grande do Sul, Brazil. Lobjectif de cet article et de démontrer limportance de la production de lautoconsommation pour les agriculteurs familiales de la zone de Rio Grande do Sul-Brésil, par ses dimensions importantes de son processus de reproduction sociale, comme cest le cas de la génération de la sécurité alimentaire et nutritionnel, ainsi que des processus de différentiation productive et économique de ces familles. Différemment de ce que beaucoup détudes ruraux ont approuvés, loin dêtre «invisible» cette production est une base importante pour le processus de sustentation des différentes forme familiales dans le milieu rural, celles-ci qui sont plus ou moins intégrées dans les marchés. En outre, souvent les publiques politiques omettent ce type de production, ou dans le pire des cas, achèvent aves des dissimulations de leurs processus de production. Cela à cause de telles politiques quencouragent les productions avec des valeurs plus élevées sur les marchés. Cest comme le cas des produits agricoles et lintégration agro industrielle pour les grandes entreprises alimentaires.
Mots-clé: autoconsommation, agriculture familiale, politiques publiques, autonomie, Rio Grande du Sud, Brésil.
Recibido: 09-12-2009 Revisado: 27-04-2010 Aceptado: 30-04-2010
1. INTRODUÇÃO
Este artigo discute a importância de uma das estratégias de reprodução social da agricultura familiar que, embora tradicional, muitas vezes é «invisível» no âmbito dos estudos rurais e das políticas públicas: trata-se da produção para autoconsumo. Também denominado como produção para autoprovisionamento ou «pro gasto », o autoconsumo refere-se a toda produção realizada pela família cujos produtos são destinados ao seu próprio consumo. Diz respeito ao cultivo de alimentos para o consumo familiar (horta, pomar, criação de animais etc.) e dos animais presentes no estabelecimento, à fabricação de ferramentas e à produção de insumos para o processo produtivo. Pretende-se argumentar neste trabalho que, diferentemente de outrora quando era qualificado como uma produção «marginal» ou «insignificante» do ponto de vista econômico, o autoconsumo é tradição recontextualizada que exerce vários papéis junto aos agricultores familiares e no mundo rural contemporâneo.
Em diferentes contextos sociais e em distintas dinâmicas da agricultura familiar é possível observar que, malgrado as mudanças tecnológicas advindas a partir das décadas de 1960/1970 e a crescente integração aos mercados, esta produção é uma estratégia recorrente. Todas as formas familiares de produção, sejam elas mais empresariais ou mercantis, sejam menos inseridas no mercado (produtores de subsistência), realizam algum tipo de produção cujo fim é o consumo familiar. Ao contrário de desaparecer ou definhar, assiste-se em muitas regiões rurais um fortalecimento da produção para autoconsumo, cujas razões e significados permanecem ainda, em certa medida, desconhecidos ou mal entendidos. Estudos recentes vêm insistindo na idéia de que os agricultores não são atores sociais passivos. Afirma-se que os mesmos desempenham um papel ativo na construção de suas estratégias de resistências, o que lhes permite retomar a autonomia e criar «espaços de manobra» em face do contexto e da sociedade em que se situam. Para Van der Ploeg (2008), os camponeses e agricultores familiares tornam-se atores que manipulam uma base de recursos autocontrolada, o que lhes garante certa autonomia em relação à existência de um ambiente hostil. Da mesma forma, Scott (2002) assinala que o campesinato define sua identidade e condição através de formas cotidianas de resistência, que constituem dispositivos de luta e resistência contra os grupos dominantes e o próprio Estado.
Também Ellis (2000) alude que os agricultores perseguem diferentes estratégias, sejam elas de resistência ou reação, para manter e ampliar os seus meios de vida (livelihoods). De um modo geral, estes autores assinalam a importância do desenvolvimento de estratégias autocontroladas (selfcontroled) pelos camponeses e agricultores de modo a criar e fortalecer sua autonomia em face de ambientes hostis que ameaçam ou restringem sua reprodução. Não significa, todavia, afirmar que os mesmos buscam um «isolamento» da sociedade envolvente ou a construção de economias semi-autônomas. Os agricultores familiares contemporâneos encontram-se intrinsecamente ligados aos mercados e a sua reprodução social depende das relações estabelecidas com estes. Pensar uma reprodução autônoma, como defende Van der Ploeg (2006), denota a participação nos mercados e o acesso a outras instituições, mas desde que estes não acarretem dependência a recursos externos e a crescente externalização da agricultura4 (como ocorre no caso do mercado de insumos agrícolas). Trata-se de perseguir estratégias que possibilitem às famílias o máximo de controle sobre os recursos necessários a sua reprodução. É neste sentido, portanto, que o autoconsumo deve ser interpretado: como uma estratégia que é utilizada pelas unidades familiares visando garantir a autonomia sobre uma dimensão vital: a alimentação. Com efeito, a produção para autoconsumo possibilita o acesso direto aos alimentos. Estes seguem direto da unidade de produção (lavoura) para a unidade de consumo (casa), sem nenhum processo de intermediação que a torne valor de troca.
Como afirma Garcia Jr. (1989: 127), «(...) ao autoconsumir diretamente durante parte do ano, [as unidades familiares] diminuem o tempo em que estão expostas à flutuação dos preços pagos ao consumidor, reduzindo os momentos em que são apenas compradoras». Ademais, as famílias podem escolher os alimentos segundo seus «gostos e costumes» e portam o saber-fazer necessário para cultivá-los. Todos elementos fundamentais em se tratando de segurança alimentar. Além da autonomia alimentar, pode-se citar a importância do autoconsumo em pelo menos mais dois sentidos: a) esta produção constitui-se como uma fonte de renda não-monetária, a qual possibilita que as famílias economizem recursos na aquisição de alimentos nos mercados, fazendo frente a outras necessidades relevantes a sua reprodução social e; b) é uma estratégia de diversificação dos meios de vida, contribuindo, por conseguinte, para maior estabilidade econômica das famílias rurais.
Retomar este tema, já discutido por autores clássicos da sociologia e da antropologia (Chayanov, 1974; Wolf, 1976), em contextos como o Brasil e a América Latina é de extrema importância haja vista a forte presença do campesinato e da pobreza no meio rural. A posse de um pedaço de terra e a existência de certa da autonomia na produção de alimentos pode ser considerada nestes universos sociais a principal «arma dos fracos» (Scott, 2002). Deste modo, este artigo apresenta dois objetivos principais. O primeiro é justamente debater a importância do autoconsumo e demonstrar que esta prática integra o conjunto de estratégias de reprodução social, econômica e alimentar que caracterizam o modo de vida dos agricultores. O segundo consiste em evidenciar como as políticas públicas brasileiras têm interagido com esta estratégia de reprodução social. Dada a sua importância, é mister discutir se as políticas públicas têm estimulado esta «fonte» de autonomia ou incitado a externalização do processo produtivo e a dependência aos mercados. Os dados apresentados neste trabalho são oriundos do projeto de pesquisa intitulado «Agricultura Familiar, Desenvolvimento Local e Pluriatividade: e emergência de uma nova ruralidade no Rio Grande do Sul» desenvolvido em conjunto pelo Programa de Pós- Graduação
2. PARA COMPREENDER E ESTIMAR A PRODUÇÃO PARA AUTOCONSUMO
Uma das primeiras dificuldades ao estudar o autoconsumo situa-se em como mensurar esta produção. Para contribuir neste debate e fomentar estudos sobre este tema, esta seção sumariza e discute as metodologias utilizadas por alguns autores e projetos de pesquisa no Brasil. A primeira indagação que surge, como brevemente apontado na introdução, é o que considerar como produção para autoconsumo. Para Garcia Filho (1999), o autoabastecimento alimentar envolve a produção produzida e consumida pela família: alimentos, instrumentos domésticos, artesanato, lenha, materiais para construção ou para fabricação de objetos de uso da família, plantas medicinais, etc. Já Leite (2004) considera à fração da produção agropecuária (agrícola, pecuária, extrativista e aquela resultante de produtos primários beneficiados) produzida em um estabelecimento familiar e destinada ao consumo da família, dos responsáveis, à alimentação animal e outros usos da atividade produtiva. Aqui, o conceito de autoconsumo é mais amplo que aquele utilizado por Garcia Filho (1999).
A definição adotada no projeto de pesquisa «Estratégias de desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e agricultura familiar: identificação e avaliação de experiências em diferentes regiões brasileiras», cujos resultados estão compilados em Maluf (2003), referem-se à produção destinada à alimentação da família, dos animais e a produção de lenha. Por fim, outro exemplo, o conceito utilizado pelo projeto de pesquisa «Agricultura familiar, desenvolvimento local e pluriatividade: a emergência de uma nova ruralidade no Rio Grande do Sul» (Sacco Dos Anjos e Schneider, 2003) -projeto cujo este artigo é resultante-, que diz respeito ao autoconsumo alimentar, ou seja, a parte da produção animal, vegetal e transformação caseira produzida pela família e consumida por esta. Com base nestas distintas concepções, pode-se concluir que a definição de produção para autoconsumo depende do recorte atribuído pelo pesquisador, segundo critérios próprios.
Contudo é sempre importante considerar, como faz Lovisolo (1989: 143), que não são características ou quantidades que definem o autoconsumo. O que define é a lógica que orientou a produção. Assim, «(...) o produto vendido não é nem um resíduo nem um excedente da produção de autoconsumo, da mesma forma que este último não é uma subtração ao produto comercial». Esta é a definição que deve anteceder e orientar o recorte metodológico dos pesquisadores. A segunda dúvida emerge quando na escolha do método de levantamento dos dados. Garcia Filho (1999) indica proceder à identificação da produção obtida (inclusive os subprodutos) e o destino da mesma: comercialização, autoconsumo, consumo improdutivo, semente para a próxima safra etc. A parte autoconsumida constituirá o produto bruto de autoconsumo. Dos Santos e Ferrante (2003), baseandose nesta metodologia, realizaram um levantamento da quantidade autoconsumida durante uma semana em cada mês, pelo período de doze meses consecutivos.
Estes dados eram recolhidos ao fim de cada semana pelo técnico de campo, que identificava falhas ou erros de medidas, submetendo-os a correções. O grau de detalhamento, a periodicidade da coleta e o acompanhamento dos dados tornam o resultado deste método muito próximo aos dados reais. Na pesquisa de Sacco Dos Anjos e Schneider (2003), os alimentos autoconsumidos, diferenciados quanto à origem animal e vegetal, também foram discriminados, porém o levantamento ocorreu através de um questionário que indagava a quantidade consumida anual, sem acompanhamento periódico. De modo diferente ocorreu no levantamento dos alimentos oriundos da horta e pomar, no qual foi solicitado aos entrevistados que estimassem o consumo em valores monetários, tendo em vista a grande variabilidade destes alimentos entre as unidades familiares e, sobretudo, pela dificuldade de conseguir contabilizar as quantidades consumidas em um ano agrícola (por exemplo, quantos pés de alface, laranjas, tempero verde etc.). Também influenciou na decisão, o grau de detalhamento do questionário, o trabalho e o tempo de coleta das informações.5 Outra metodologia utilizada para o levantamento da produção para autoconsumo é sugerida por Leite (2004), que deduziu da produção total a parte comercializada, as doações, a armazenada e a perdida.
O resultante desta operação refere-se à produção autoconsumida. Embora pareça ser simples de executar, esta metodologia também demanda a descrição das quantidades de todos os alimentos autoconsumidos para depois calcular o seu valor monetário. Por fim, o procedimento utilizado na pesquisa conduzida por Maluf (2003), o qual adotou o critério da estimação pelos agricultores do valor que despenderiam para adquirir estes alimentos no mercado, complementado pela discriminação dos principais bens produzidos. Este procedimento possui a vantagem da praticidade e da economia de tempo, porém, como lembram os próprios autores, as unidades familiares geralmente não têm o hábito de contabilizar sua produção, muito menos quando se trata da produção para autoconsumo, o que dificulta uma aproximação maior à realidade, contribuindo para uma subestimação desta produção. A terceira questão referente ao cálculo utilizado para mensurar o autoconsumo, e provavelmente a mais polêmica, situa-se em que valor atribuir a estes alimentos. Entre os estudos brasileiros, a metodologia mais assídua é a utilizada por Garcia Jr. (1989), que considera os preços ao consumidor (preço de compra).
O autor assim procedeu para demonstrar que existia uma racionalidade que orientava a escolha dos cultivos. Entre produzir para o «gasto da casa» e produzir lavouras comerciais, existiam elementos que interferiam na decisão ou no «cálculo» das unidades familiares, como a flutuação dos preços, a existência de condições técnicas de produção, o consumo e a disponibilidade de força de trabalho da família. O somatório destes determinaria a opção por produzir ou comprar, autoconsumir ou vender determinado alimento. Se os preços fossem de tal ordem que produzindo lavouras comerciais, com o mesmo trabalho despendido, pudessem fazer frente às demandas da família, a opção seria pela produção de lavouras comerciais e não pelo autoconsumo. É para demonstrar a existência desta racionalidade guiando a escolha dos cultivos, e que não há nada de subjetivo neste cálculo, que Garcia Jr. (1989) utiliza como base o preço ao consumidor. Segundo o autor, é somente com base neste que as unidades familiares conseguem calcular se a produção comercial é compensadora ou se continuam produzindo para o autoconsumo. Outra forma de mensurar o autoconsumo é atribuindo o preço ao produtor (preço de venda) como procedido na pesquisa de Sacco Dos Anjos e Schneider (2003).
Esta se justifica pela grande variação de preços ao consumidor entre mercados, disparidade que se potencializa quando se trata de universos sociais distintos e distantes geograficamente como era o caso da pesquisa (Sacco dos Anjos et al., 2004). Considera-se igualmente o fato de que os produtos com a finalidade de autoconsumo nem sempre alcançam o padrão de mercado, não atingindo os mesmos preços dos produtos comerciais (Dos Santos e Ferrante, 2003) e, deste modo, os preços de venda refletem mais intensamente as condições de reprodução das unidades familiares. Ademais, esta pesquisa visava calcular a renda total das famílias rurais e se atribuído o preço de compra, estarse- ia superdimensionando a proporção do autoconsumo sobre esta. Alguns podem, em função desta escolha, argumentar que ao utilizar o preço de venda, o valor do autoconsumo foi subestimando o que está correto, mas se trata de uma opção metodológica que tinha que ser feita. No entanto, pode-se contra-argumentar que utilizando o preço ao consumidor ocorre uma superestimação. Neste sentido, considera-se que nenhuma metodologia está equivocada. Em pese as limitações e potencialidades das duas, ambas possibilitam demonstrar a importância do autoconsumo e deve-se adotar uma ou outra dependendo dos objetivos da pesquisa. Também há a particularidade do método utilizado por Norder (1998), que atribuiu valor monetário ao autoconsumo a partir de informações dos nutrientes autoconsumidos e comprados. No levantamento realizado pelo autor, foram evidenciados nove nutrientes produzidos e consumidos pela própria família, optando- se pela comparação do percentual de calorias, por ser o nutriente com a menor média de autoconsumo entre os nutrientes apurados.
Dispondo da porcentagem de calorias autoconsumidas e do valor em reais utilizado para comprar o restante (complementar a 100%), chega-se ao valor monetário atribuído ao autoabastecimento. Por exemplo, se uma família autoconsumiu um percentual de 49,11% e comprou 50,89% correspondendo a 0,37 salários mínimos per capita, o valor monetário do autoconsumo será de 0,36. Deste modo, o valor do autoconsumo oscila de acordo com o gasto com alimentação comprada e do percentual de consumo calórico destes alimentos (Norder, 1998). O questionamento que insurge a esta metodologia, diz respeito à consideração apenas da porcentagem de calorias, e se o valor do autoconsumo, ao ser calculado com base no custo das calorias compradas, corresponde ao seu valor real. Quanto à estimação do autoconsumo, é mister mencionar ainda que, geralmente trabalha-se com produto bruto de autoconsumo e não líquido. Isto se deve ao fato de não ser possível isolar, de forma exata, as despesas que incorrem sobre esta produção daquela destinada à venda. Por exemplo, são remotas as possibilidades de conseguir separar o custo da energia elétrica utilizada na ordenha das vacas, cujo leite em parte vai para a venda e outra para o consumo, daquela do consumo geral da família. Sendo assim, prefere-se calcular o autoconsumo na forma de produto bruto (valor bruto) e não produção líquida. Observadas estas questões, afirma-se que não existe uma metodologia única ou mais adequada para mensurar o autoconsumo.
Todas oferecem vantagens e desvantagens, potencialidades e limitações. Contudo, antes de qualquer método, cabe considerar que, como já advertia Chayanov (1981), as unidades econômicas camponesas não podem ser analisadas e tratadas a partir dos conceitos e princípios utilizados para medir a eficiência de uma empresa capitalista. Isto se deve, segundo o autor, ao fato dos agricultores organizarem seu trabalho e sua produção não com a finalidade de obter lucro, mas, sobretudo, de atender o bem-estar de sua família e viabilizar a sua reprodução social. Não foi objetivo de esta seção apontar a melhor metodologia, certo ou errado. Como dito inicialmente, deseja-se iniciar um debate metodológico buscando qualificar o estudo. Uma padronização quiçá fosse interessante vista a comparação entre regiões. Até o momento, cada pesquisador, segundo critérios próprios, recorta o que considera como produção para autoconsumo e, do mesmo modo, procede com o método de coleta de dados e com o valor atribuído a esta produção. Sabendo que uma padronização de metodologias não é uma tarefa fácil, unânime e rápida, espera-se que ao menos esta seção tenha contribuído para elaboração de novas pesquisas e estimulado os pesquisadores a apresentar e discutir suas metodologias. Este é um exercício pouco realizado no Brasil e que, além de fornecer subsídios metodológicos, pode contribuir para o próprio reconhecimento da produção para autoconsumo.
3. DETERMINANTES DA PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO
No estudo realizado pela pesquisa de Sacco Dos Anjos e Schneider (2003) e em outros trabalhos de estudiosos do mundo rural brasileiro (Maluf, 2003; Leite, 2004; Dos Santos e Ferrante, 2003; Menasche, 2007) observa- se que a produção para autoconsumo apresenta diferença de importância entre distintas dinâmicas da agricultura familiar e entre unidades familiares localizadas em um mesmo contexto social. O que pode explicar estas diferenças? Responder esta questão é o objetivo desta seção que apresenta os principais fatores que interferem na produção para o consumo familiar. Conforme já apontava Chayanov (1974) em seu estudo clássico sobre o campesinato, alguns destes fatores são a composição e o ciclo demográfico da família. Observou-se que à medida que aumenta o número de membros e o número de Unidades de Trabalho Homem (UTHs) na família, aumenta o valor do produto bruto de autoconsumo. Um número maior de «pessoas de trabalho em casa» permite uma melhor distribuição das tarefas no interior do estabelecimento e mais tempo disponível à produção para consumo familiar. Esta confluência, no entanto, não foi observada quando concernente ao número de consumidores. Mas isto não quer dizer que este não seja um fator determinante.
Como afirmado por Garcia Jr. (1989), este é um dado que antecede qualquer decisão do processo de trabalho. É a relação entre o número de consumidores e trabalhadores que determinará a quantidade e a própria existência da produção para autoconsumo. Conforme exemplo explicitado por Garcia Jr. (1989), uma família de agricultores composta pelo casal e três filhos crianças apresenta um número maior de consumidores que de unidades de trabalho, neste caso, dependendo das condições de preço de determinados alimentos, a decisão pode ser de comprá-los e não de produzi-los. Isso não minimiza a importância do número de consumidores. «(...) O consumo semanal de farinha de seu grupo doméstico é um dado anterior a qualquer decisão do processo de trabalho, uma imposição social de sua condição de chefe do estabelecimento» (Garcia Jr., 1989: 120, grifos no original). Também se observou que esta geralmente é uma tarefa das mulheres, como demonstraram também Zanetti e Menasche (2007). Outro sim se notou que quando há mulheres beneficiárias da previdência social no estabelecimento, o autoconsumo é mais elevado. Isto porque, muitas vezes, esta atividade é tida como uma prática de lazer. Outras variáveis consideradas inscrevem-se no âmbito das condições técnicas de produção, nomeadamente a área total, o capital disponível em máquinas e equipamentos, o acesso ao crédito e a assistência técnica. Observou-se que unidades familiares com menores porções de terra e menos capitalizadas produzem menos autoconsumo. Isto porque, como citado por Garcia Jr. (1989: 240), «(...) diante de um estoque de terras cada vez mais reduzido e em contínua valorização, simultaneamente as dificuldades de financiarem o acesso a equipamentos mais modernos, [os agricultores] fazem então uso, em larga escala, da intensificação do uso do próprio trabalho e dos membros de suas unidades domésticas». Famílias nestas condições intensificam a força de trabalho disponível em atividades que ofereçam maior retorno econômico (culturas comerciais), obtendo recursos para atender todas as necessidades, inclusive as alimentares. Com efeito, o acesso ao crédito, à assistência técnica e à medida que se intensifica a área total e o capital disponível, é respondido pelos agricultores com o aumento do autoconsumo. Estes resultados também foram importantes para confirmar que a produção para autoconsumo permanece mesmo em condições que as unidades familiares adentram na mercantilização da agricultura (insiram-se nos mercados, adquirem capitais, acessem créditos etc.), ou seja, não há uma relação direta entre aquela produção e este processo.
Como afirmam Van der Ploeg (1990) e Gazolla (2004), a diminuição do autoconsumo não significa maior mercantilização da agricultura e, do mesmo modo, maior mercantilização da agricultura não é sinônimo de redução do autoconsumo alimentar. Percebeu-se também que alguns cultivos agrícolas influenciam o autoconsumo de forma mais ativa. Cultivos intensivos em mão-de-obra (a exemplo da vitivinicultura, piscicultura e produção leiteira) interferem na produção para autoconsumo pelo tempo dedicado que demandam. A soja e algumas anteriormente citadas também influenciam, porém, devido à predileção das famílias àqueles cultivos mais rentáveis economicamente. Menciona-se ainda a criação de frangos de corte no sistema de integração, no qual as empresas solicitam o término da criação de aves domésticas, repercutindo, mormente, no consumo de galinha caipira. Assim, unidades familiares que possuem algum destes cultivos e/ou produções podem ter menor autoabastecimento alimentar. A interface do autoconsumo com outras fontes de rendas também foi considerada. No caso da renda oriunda da previdência social, em alguns casos, esta pode favorecer o consumo de alimentos comprados pela estabilidade econômica que oferece à família beneficiada e, por conseguinte, a diminuição do autoconsumo. Em outros, esta produção é mantida, sendo atribuída à conotação de lazer, um passa-tempo para os aposentados rurais. Quanto à interface com as rendas de atividades não-agrícolas, esta é variável. Depende do tempo dedicado à atividade não-agrícola, do número de pessoas na família e de quem a executa. Mas, análogo a previdência social, esta renda oferece estabilidade podendo favorecer a aquisição de alimentos via mercados. E m relação à renda agrícola e total, percebeu-se que estabelecimentos com rendas mais elevadas apresentam maior produção para o consumo familiar, ou seja, o autoconsumo é superior nas unidades familiares mais capitalizadas, como observaram também Norder (2004), Dos Santos e Ferrante (2003) e Guevara (2002). Isto se deve ao fato de que, as unidades familiares com menores rendas tendem a concentrar os esforços em culturas agrícolas ou atividades que proporcionem maior retorno econômico no tempo e por mão-de-obra empregada, fazendo frente às necessidades que emanam. Trata-se de uma estratégia para maximizar os recursos disponíveis. Ao contrário do que alguns poderiam presumir, estes dados também reiteram que a produção para o autoconsumo não está restrita a unidades mais propensas a decadência, e sim, também naquelas com agricultura familiar consolidada.
O repertório cultural é outro fator. Conforme Van der Ploeg (2003), este pode ser definido como um conjunto de noções estratégicas que guiam as ações práticas e o comportamento dos agricultores. Trata-se de um modelo de tomada de decisão que é amiúde partilhado por um amplo número de agricultores, onde é discutido e transformado. O repertório cultural dos agricultores de hoje não é o mesmo daquelas unidades familiares pouco inseridas nos mercados, mormente antes da modernização tecnológica da agricultura. Contudo, elementos permanecem, como é o caso da produção para autoconsumo, tida como uma «herança que vem de casa». Referente a este fator, percebem-se diferenças na acuidade da produção «pro gasto» entre famílias que possuem esta herança cultural daquelas que não a tem. A experiência acumulada junto aos pais e o fato de ter trabalhado na agricultura são elementos citados pelos agricultores como responsáveis pelo conhecimento e existência donsumo também é influenciado pelo contexto local, particularmente as dinâmicas de desenvolvimento da agricultura familiar. Destaca-se aqui, sobretudo, o processo de modernização da agricultura que estimulou as unidades familiares a produzirem commodities e não mais sua alimentação. Deste modo, universos sociais cujas mudanças da base técnica foram mais acentuadas podem apresentar menor produção para o autoconsumo. Porém este não é o único fator. Universos sociais onde a economia e as atividades agrícolas são mais diversificadas tendem a ter o autoabastecimento alimentar mais elevado. Em municípios ou regiões onde as técnicas e os hábitos tradicionais foram preservados, esta produção é mais acentuada. Outro exemplo é o caso onde a dinâmica de desenvolvimento está alicerçada nos recursos locais e, nestes casos, o autoconsumo pode surgir com novas roupagens, como trunfo para o turismo rural, valorização da qualidade e do modo de vida rural. Assim, o contexto local vem a somar na existência e intensidade da produção para o consumo familiar.
Cada universo empírico possui uma especificidade ou um conjunto de elementos próprios conformando uma dinâmica de desenvolvimento da agricultura familiar específica, que o distinguirá dos demais e que influenciará de modo particular a produção para autoconsumo. Poder-se-ia supor que a proximidade geográfica aos mercados seria outro fator relevante, contudo, a localização já não é mais obstáculo. Tornou-se mais fácil alcançar os centros urbanos e os mercados por meio de transporte público ou veículo particular, e os mercados, do mesmo, tornaram-se mais próximos (por exemplo, através dos feiristas que comercializam seus produtos na porta das casas). Esta contigüidade aos mercados aparece, então, como um fator que interfere no autoabastecimento alimentar, particularmente na sua redução. Soma-se a isto, o preço de muitos alimentos que se tornam atrativos à aquisição pelas famílias rurais. Os meios de comunicação, os eletrodomésticos (a geladeira e freezer) e os alimentos prontos igualmente podem ser elementos que interferem no autoabastecimento alimentar, porém não explicam as diferenças entre universos sociais e entre unidades familiares. Estes interferem em decorrência das mudanças nos hábitos alimentares provocadas pelas propagandas e/ou facilidades oferecidas. No caso dos eletrodomésticos, particularmente a geladeira e o freezer, estes têm fomentado mudanças no consumo alimentar através da conservação dos alimentos. Por exemplo, antigamente a carne mais consumida era a de suíno que se conservava por mais tempo (a carne era imersa na gordura e aí permanecia por longo período, até ser consumida); hoje a carne mais consumida entre os agricultores do Sul do Brasil é a bovina, em decorrência da conservação em ambientes refrigerados. A geladeira e o freezer prolongam, ainda, a conservação de muitos outros alimentos e, desta maneira, a oferta e consumo. Por outro lado, no caso dos meios de comunicação, estes também podem ser importantes instrumentos para o fortalecimento do autoconsumo via incentivo através de programas técnicos e educativos. Estes são fatores que podem explicar a diferença de importância do autoconsumo entre unidades familiares e universos sociais. Não há como afirmar a predominância de um elemento sobre outro. Em conjunto ou alguns de modo especial em alguma unidade familiar ou universo empírico, estes elementos perpassam a tomada de decisão das famílias. Concluise que a produção para o consumo familiar está imbricada num complexo conjunto de elementos e relações objetivas e subjetivas, muito além de uma simples aversão ao mercado ou ao trabalho.
4. O PAPEL DO AUTOCONSUMO NA REPRODUÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E ALIMENTAR DOS AGRICULTORES
Além de estar presente, o autoconsumo responde por valores monetários importantes para a família rural. A Tabela Nº 1 apresenta os valores do produto bruto de autoconsumo diferenciados quanto à origem (vegetal e animal) e o total nos municípios pesquisados. Verificase que se trata de valores expressivos, alcançando o valor total anual médio de R$ 4.308,08 em Veranópolis, R$ 2.161,05
A importância social e econômica do autoconsumo é melhor apreendida na Tabela Nº 2, que apresenta a proporção deste sobre o produto bruto total, sobre a renda total e o custo da cesta básica. A primeira consideração a ser feita a partir desta Tabela é que entre 25% e 30% do que é produzido (produto bruto) nos estabelecimentos permanece nestes para o consumo familiar, permitindo a família o controle sobre uma parte considerável de sua alimentação, e, assim, sobre sua autonomia. Os alimentos seguem direto da unidade de produção (lavoura) para a unidade de consumo (casa), sem nenhum processo de intermediação com valores de troca. «Quando a gente quer não precisa ir ao super [mercado], já tem em casa», como referiu um agricultor entrevistado (Grisa, 2007). Segundo Garcia Jr. (1989: 127), as unidades familiares, «(...) ao autoconsumir diretamente durante parte do ano, diminui o tempo em que estão expostas à flutuação dos preços pagos ao consumidor, reduzindo os momentos em que são apenas compradoras». Ou seja, diminuem a exposição e desproteção frente aos mercados e sua vulnerabilidade. As diferenças entre municípios decorrem dos valores do produto bruto total6 e das proporções do autoconsumo. Em Veranópolis e Salvador das Missões, cujos valores do autoconsumo são 29,39% e 28,82%, respectivamente, embora as unidades familiares produzam mais para o seu consumo, o produto bruto total é mais elevado, diluindo a importância desta produção. No caso de Morro Redondo (25,5%), os agricultores estão diminuindo a produção agrícola, inclusive para o autoabastecimento alimentar, e, assim, se justifica o valor baixo.
A segunda consideração a ser feita a respeito da Tabela Nº 2 é que, em média, 27,24% da renda total é fruto da produção para autoconsumo, contribuindo expressivamente à condição econômica das famílias.
Em Veranópolis e Salvador das Missões, onde a produção para autoconsumo é uma estratégia mais valorizada pelas unidades familiares, o autoabastecimento responde quase a 70% do custo da cesta básica. Nestes, as unidades familiares deixam de gastar em torno de R$ 90,00 por mês com alimentação. Morro Redondo e Três Palmeiras apresentam valores inferiores, 42,67% e 54,22% respectivamente, mas nem por isso menos importante. Não obstante as diferenças, percebe-se mais uma vez, nos quatro municípios investigados, o potencial do autoabastecimento alimentar para a autonomia da agricultura familiar e a confluência desta prática com os princípios da segurança alimentar, expressos por Maluf et al. (2001). Neste caso, o princípio da segurança alimentar está relacionado ao acesso aos alimentos, já que aqueles agricultores que possuem o autoconsumo não vulnerabilizado nas suas unidades de produção, não terão necessidade de comprar alimentos para atingir o mínimo calórico9 a que Wolf (1976) se referiu, podendo utilizar os recursos economizados em outras necessidades essenciais. Ademais, produzindo internamente na unidade de produção, estes agricultores não se tornam vulneráveis em relação à oferta e aos preços dos alimentos nos mercados.
Além destes, outros três princípios da segurança alimentar são alcançados com o autoconsumo. Um destes é o da qualidade nutricional dos alimentos. A produção para autoconsumo é sempre interpretada pelos agricultores como geradora da segurança alimentar por conter uma qualidade nutritiva que seria «superior» aos alimentos comprados. Isto se deve ao fato de que, geralmente, esta prática é realizada sem agrotóxicos e outros produtos químicos10. Já os alimentos comprados são percebidos com certa insegurança diante do desconhecimento da origem dos mesmos, das formas de manejo e processamento, dos atributos de qualidade etc. Outro princípio da segurança alimentar que é atendido pela produção para autoconsumo refere-se ao fornecimento de uma alimentação coerente com os hábitos de consumo locais. Isto significa que o agricultor pode ter acesso a uma alimentação que condiga com o que ele e a sua família gostam de comer em suas refeições diárias, possibilitando às famílias suprirem as suas necessidades, como formulou Chayanov (1974), sem se desfazerem da sua «cultura» alimentar, dos hábitos alimentares herdados dos seus ascendentes e do corpo de saber relacionado ao consumo e preparo dos alimentos. Significa a manutenção da bagagem histórico- cultural das gerações anteriores de um dado local.
Um último princípio da segurança alimentar que é atendido pelo autoconsumo concerne à diversidade de alimentos que podem ser produzidos e consumidos nas unidades familiares. A agricultura familiar guarda todas as possibilidades de alimentar os membros do grupo doméstico com uma alimentação diversificada e que contenha todos os tipos de «alimentos funcionais», contemplando os protéicos, os carboidratos, os gordurosos ou lipídicos etc. A segurança alimentar é derivada justamente desta multiplicidade de alimentos que podem ser obtidos nas unidades familiares e que é fornecida ao consumo dos seus membros de modo constante, «uma coisa ou outra, sempre tem», como aludiu um agricultor entrevistado na pesquisa de Sacco Dos Anjos e Schneider (2003). Outra forma de demonstrar a importância socioeconômica do autoconsumo consiste em relacionar essa produção com uma linha de pobreza, como procederam Hoffmann (1995), Norder (1998) e Leite (2004). Esta linha de pobreza equivalente a ½ salário mínimo11 per capita, contraposta ao rendimento líquido per capita (renda total) «com» e «sem» autoconsumo, determinará famílias abaixo da linha da pobreza e famílias consideradas não-pobres. Conforme a Tabela Nº 03, quando comparado o valor do salário mínimo com a renda total «sem» o autoconsumo, em média 23,5% dos estabelecimentos situam-se abaixo da linha da pobreza, considerados, portanto, pobres. Em Veranópolis é encontrado o menor número de estabelecimentos, (6,8%) abaixo desta linha, enquanto
O autoconsumo também contribui para a condição socioeconômica da agricultura familiar por se tratar de uma estratégia de diversificação dos modos de vida (Ellis, 2000). Recentemente, quando o preço da soja esteve em elevação, algumas unidades familiares decidiram dedicar-se exclusivamente ao cultivo deste cereal, reduzindo e até extinguindo a produção para o consumo familiar. As famílias incrementaram a mercantilização da agricultura e a reprodução social ficou a mercê de um único cultivo agrícola. No ano seguinte (2005-2006), o preço do cereal decaiu e a crise foi acentuada pela estiagem (seca) que atingiu o Sul do Brasil. As famílias ficaram sem recursos e nem dispunham de outras estratégias para fazer frente as suas necessidades, como é percebido no depoimento. «O próprio agricultor que vendeu as vacas, ele se arrependeu logo e as famílias na volta ficaram preocupadascomo é que vai ser? Agora sem leite, e o soja não tem, qual é a renda que ele vai ter pra viver?- e sabe, o rancho tem que fazer, o cara que não tem produto para subsistência tem que comprar no mercado, a luz cada mês vence, água, carro, gasolina pra andar» (Entrevista 16, SM). A especialização deixou as unidades familiares expostas às crises financeiras e climáticas, e desprotegias. Sentindo esta fragilidade, sobretudo no caso de Salvador das Missões e Três Palmeiras onde a especialização produtiva em soja é mais acentuada, as famílias têm procurado diversificar a produção. A fruticultura e a produção leiteira tornam-se atividades atrativas juntamente com os cultivos anuais. Também se retoma e intensifica- se o autoconsumo. A diversificação e a produção para o autoconsumo, neste caso, surgem como uma resposta a uma situação de crise e insegurança, como uma «necessidade e reação», conforme definido por Ellis (2000). Trata-se de estratégias que visam aumentar a autonomia e minimizar a vulnerabilidade advinda da mercantilização intensa.
De modo semelhante, Buainain, Romeiro e Guanzirolli (2002: 13) afirmam que a diversificação «é uma clara e consciente estratégia de redução de riscos e incerteza, sem dúvida um trunfo de muitos sistemas de produção explorados por agricultores familiares». Mesmo que não monetária, o autoconsumo constitui uma importante fonte de renda, conforme observado nas Tabelas anteriores, e, sendo assim, apresenta o mérito de auxiliar na estabilidade econômica e social das unidades familiares expostas às oscilações das culturas comerciais e falhas nas rendas, intensificando o controle sobre o processo produtivo. Conforme Lovisolo (1989: 70), referindose às unidades familiares baseadas no binômio sojatrigo, «os agricultores (...) que fazem acompanhar ao binômio a produção de autoconsumo podem, em tese, resistir melhor a ambas às crises: a dos preços e as naturais». Isto porque, como demonstrado por Leite (2004), esta produção confere um efeito anticíclico; compensando as épocas de baixos rendimentos monetários nos estabelecimentos e as variações destes ao longo do ano agrícola, proporcionando uma renda total mais constante. É, portanto, um importante «instrumento de proteção frente às incertezas e oscilações da produção mercantil » (Maluf et al., 2001: 8).
Manter uma produção diversificada e garantir a produção para o consumo familiar, além destes elementos já citados, também permite investir na propriedade, ou seja, trata-se de uma estratégia de acumulação ou «de escolha e adaptação», como definiu Ellis (2000) e demonstram os depoimentos. Organiza-se a propriedade de tal modo que uma fonte de renda, por exemplo, a produção leiteira, é destinada ao pagamento das despesas ordinais, como a energia elétrica, o combustível, etc.; a produção para o autoconsumo faz frente às demandas alimentares da família; e com outra renda, a produção de soja, é possível investir na propriedade e acumular, comprar mais terras, por exemplo. Assim, todas as necessidades da unidade familiar são contempladas e garante-se a autonomia. «As miudezas a gente não pode deixar, não tem como. Olha que tem um custo pra comprar tudo. Não adianta ali, que nem nossos vizinhos, produziram leite e disseram -com o leite eu compro isto, compro aquilo- não plantaram nem feijão mais pro gasto. Isto não tem, tu tira o leite, não te sobra nada.
Assim não, tu t em o leite e todas as miudezas 12, ali sempre sobra um pouco do leite senão não. A gente aqui abastece trator, abastece os carros, paga luz tudo com o dinheiro do leite. Dai o dinheiro da lavoura vai pra investir: nós temos uma filha em Chapecó, demos casa (...), meu filho tem 21 anos, já tem
6. POLÍTICAS PÚBLICAS, INICIATIVAS LOCAIS DE DESENVOLVIMENTO E A PRODUÇÃO PARA O AUTOCONSUMO
Esta seção aborda as políticas públicas e iniciativas locais de desenvolvimento para a agricultura familiar. Primeiramente, se analisa o papel do Pronaf Crédito de Custeio e Investimento (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e, na segunda, as chamadas políticas públicas e iniciativas locais de desenvolvimento13. Esta análise objetiva verificar quais as interfaces que há entre estas políticas públicas para a agricultura familiar e a produção para autoconsumo. Dito de outra forma: pretende-se verificar até que ponto estas políticas públicas e iniciativas locais de desenvolvimento no Rio Grande do Sul, têm fomentado a produção e as atividades ligadas ao autoconsumo familiar. O Pronaf é uma política pública desenhada especialmente para os agricultores familiares e possui a sua efetivação a partir dos anos 90 (especificamente 1997) devido ao crescente reconhecimento socioeconômico pela sociedade e pelo Estado da importância da agricultura familiar e, também, devido as suas lutas e mobilizações sociais desenvolvidas nesta década. De início o programa concentrou os recursos em algumas regiões, grupos de agricultores «mais consolidados» e possuía um perfil voltado à modernização produtiva e tecnológica das unidades familiares (Carneiro, 1997; Abramovay e Veiga, 1999; Ferreira et al., 2001). Devido a este seu viés, recebeu várias críticas nesta primeira fase. Com isso o programa se reestruturou no início dos anos 2000, diversificou suas linhas de financiamento, incluiu novas atividades produtivas, de serviços e de transformação da produção que até então não eram financiadas. Também, propôs-se a partir de
Verificou-se que o principal empreendimento financiado pelo Crédito de Custeio diz respeito à implantação das lavouras de grãos e commodities agrícolas como a soja, o milho, o trigo e o fumo. Estas lavouras são as principais responsáveis, em parte, pelo movimento histórico de mercantilização dos agricultores familiares e pelos processos de especialização produtiva e econômica dos mesmos, como já se demonstrou em outros trabalhos (Conterato, 2004; Gazolla, 2004). Com base nestes empreendimentos que o Pronaf financia, pode-se afirmar que ele é um programa de crédito rural que está levando os agricultores familiares à especialização produtiva. É também a especialização produtiva do agricultor familiar que desloca espacialmente e temporalmente os pequenos cultivos e criações para o autoconsumo das unidades familiares (Gazolla, 2004; Gazolla e Schneider, 2005)14. Estudos mais atuais também enfatizam esta lógica do programa (Mattei, 2006; 2007; Toledo, 2009) e endossam muitas das afirmações desenvolvidas neste trabalho. Se poderia formular que há uma espécie de path dependence (North, 1990; 1994) das instituições e dos atores sociais em relação ao padrão de desenvolvimento produtivista existente, que faz com que as políticas públicas, mesmo as que se propõem serem diferentes das do passado, reforcem o caminho histórico e a trajetória adotada por um local ou território. Resumindo: tanto das linhas do Crédito de Custeio como de Investimento visam estimular as atividades da agricultura familiar voltadas aos mercados (atividades produtivas de grãos e commodities agrícolas) e ligar esta agricultura ao padrão de desenvolvimento hegemônico
Essas iniciativas e políticas públicas locais de desenvolvimento postas em prática no Rio Gande do Sul também estimulam, em grande medida, o padrão de desenvolvimento produtivista, mormente pelo incentivo a produção de commodities agrícolas e a integração vertical às grandes agroindústrias processadoras - os chamados impérios alimentares, como definiu Van der Ploeg (2008). Muitas das ações locais fortalecem o padrão hegemônico de desenvolvimento agrícola e, assim, contribuem para o aprofundamento da mercantilização social e econômica da agricultura familiar, a sua fragilização social e a vulnerabilização da produção de alimentos. Ou seja, a prioridade é o fortalecimento da trajetória e do caminho histórico de desenvolvimento (path dependence), como formulado por North (1994). Assim, pode-se afirmar que as iniciativas e políticas públicas rurais locais possuem uma ambigüidade, pois fortalecem tanto as atividades produtivas para os mercados como a produção de alimentos básicos às famílias. No caso da segunda, alguns tipos de fortalecimento gerados na produção de alimentos decorrem da criação de novas alternativas de inserção mercantil como no caso da bovinocultura de leite e da fruticultura. O fortalecimento da produção para alimentação das famílias ocorre de uma forma indireta e secundária na dinâmica das unidades. Em outros casos, há um fortalecimento direto através da construção de hortas, pomares e pequenas lavouras demonstrativas, ou mesmo no caso das orientações institucionais repassadas aos agricultores sobre a importância deste tipo de produção.
7. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diferentemente do que aconteceu com muitas práticas e cultivos tradicionais, e ao contrário do muitos poderiam presumir, as mudanças técnicas da agricultura na década de 1970 não eliminaram a produção de alimentos para o consumo familiar. Esta continua uma estratégia recorrente e desempenha diversos papéis na reprodução social, econômica e alimentar das formas sociais familiares existentes no rural do Rio Grande do Sul. Esta produção se reveste de vários significados, valores e importâncias para os agricultores que a possuem de uma forma fortalecida em suas unidades produtivas, perpassando desde papéis em torno da diversificação da produção e dos modos de vida das famílias, geração da segurança alimentar e nutricional e se constituindo em um fator responsável pela autonominização e preservação de que Van der Ploeg (2008) chama de uma base de recursos auto-controlada pelos agricultores. Se isso não bastasse, o autoprovisionamento responde por valores monetários anuais relevantes, representando uma importante forma de economização (agricultura econômica) e de renda não monetária gerada anualmente nos estabelecimentos. Com relação à análise das interfaces entre as políticas públicas, as iniciativas locais de desenvolvimento e a produção para autoprovisionamento, pode-se formular que estas possuem um papel contraditório e ambíguo do ponto de vista do fortalecimento deste tipo de produção, evidenciando-se que, muitas vezes, as mesmas favorecem a redução desta produção em prol dos cultivos comerciais, não raro, commodities destinadas aos mercados externos. Em alguns poucos casos, estas políticas e iniciativas locais geram processos reais de apoio ao autoprovisionamento, mas que na maior parte da realidade rural em estudo os seus resultados são secundarizados e podem ser chamados de periféricos na dinâmica mais geral das unidades de produção familiares. A exemplo de países como Argentina, Chile e Bolívia que apresentam políticas de incentivo à produção para autoconsumo (respectivamente Programa Pró-Horta, Programa Criar (Criação de Iniciativas Alimentares Rurais) e Programa de Produção Familiar para o Autoconsumo, ressalta-se a necessidade das políticas públicas rurais brasileiras caminharem neste mesmo sentido. Por exemplo, as políticas de redução da pobreza e da insegurança alimentar e nutricional no Brasil poderiam ter como preceito o fortalecimento desta prática, ao mesmo tempo em que deveriam estar articuladas com outras políticas setoriais, agrícolas e até urbanas, visando uma complementação entre ambas. Reafirma-se que o fortalecimento da agricultura familiar passa por um conjunto de iniciativas dos próprios agricultores enquanto atores sociais do seu próprio destino e desenvolvimento, mas também por ações ativas do Estado, principalmente em locais de maior vulnerabilidade social, que poderiam ser mescladas com políticas de transferência de renda (Bolsa Família, por exemplo), com políticas agrícolas que incentivam a produção de mercadorias (produtos destinados aos mercados) e também por políticas que incidem sobre outras dimensões das famílias como a cultura, a sociabilidade, as relações sociais, o trabalho e «produções invisíveis», como é o caso do autoconsumo.
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Notas
4 Segundo Van der Ploeg (2006; 1992), a externalização refere-se a separação de um número crescente de tarefas do processo de trabalho agrícola, as quais são designadas a organismos externos. Os objetos, os instrumentos e progressivamente o próprio trabalho tornam-se mercadorias mobilizadas em diversos circuitos mercantis.
5 È importante destacar ainda na metodologia desta pesquisa o fato de que, embora se tenha levantado os dados referentes a transformação caseira, estes valores não foram
contabilizados no produto bruto de autoconsumo total, em virtude do questionário não permitir a separação da matéria-prima consumida diretamente pela família daquela utilizada para a
produção de derivados. Devese mencionar,no entanto, que esta é uma questão difícil até mesmo para as unidades familiares, que dificilmente contabilizam seus gastos, ainda mais quando
isto exige muita acuidade.
6 Em Veranópolis, o produto bruto total corresponde a R$ 23.624,18;
7 Em Salvador das Missões, a renda total média anual é de R$ 18.911,28; em Veranópolis é R$ 26.969,50;
8 Uma unidade consumidora equivale a um individuo com idade superior a nove anos, e crianças até nove anos contabilizam meia unidade consumidor, segundo metodologia empregada por Tavares dos Santos (1984).
9 Wolf (1976: 17) chamou de mínimo calórico o que: «(...) pode ser definido como o consumo diário de calorias alimentares exigidos para compensar o desgaste de energia que o homem despende em seu rendimento diário de trabalho».
10 Menasche (2003), estudando a questão dos transgênicos no Norte do Rio Grande do Sul e no Centro Sul do Estado também observou que os agricultores não utilizavam agrotóxicos e nem organismos geneticamente modificados (OGMs) quando se tratava da produção para a sua própria alimentação.
11 No ano agrícola da pesquisa (setembro/agosto 2002), o salário mínimo (SMm) nacional variou de R$ 180,00 para R$ 200,00, um valor médio ponderado de R$ 188,33.
12 Expressão sinônimo de produção para o autoconsumo utilizada por descendentes de italianos
13 O que se denomina de políticas públicas e de iniciativas locais de desenvolvimento são as ações, trabalhos e capacitações de atores sociais em torno da agricultura familiar, desenvolvidas por instituições e organizações como as Secretarias da Agricultura Municipais (SAMs), as Prefeituras Municipais (PMs), os Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (CMDRs), os Conselhos de Desenvolvimento (Coredes), os escritórios municipais da Emater e as organizações sociais e de representaçã o política da agricultura familiar como cooperativas de produção agropecuária, o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), as organizações sindicais como a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag) e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Sul do país (Fetraf-Sul), dentre outras instituições e organizações ligadas ao desenvolvimento. Algumas destas instituições são públicas e outras privadas ou de representação política.
14 Desloca espacialmente os cultivos devido às lavouras comerciais tomarem o lugar (o espaço) das lavouras destinadas ao autoconsumo. E, temporalmente, devido a estas retirarem o tempo do agricultor familiar em cultivar os gêneros para o autoprovisionamento da família.