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Paradígma

versión impresa ISSN 1011-2251

Paradígma vol.37 no.2 Maracay dic. 2016

 

La etnomatemática por la lógica del afecto

Janderson Vieira de Souza

vieira.janderson@gmail.com

Universidade Federal de Goiás

Isabel Cristina Rodrigues de Lucena

ilucena@gmail.com

Universidade Federal do Pará

Josineide Silveira de Oliveira

josilveira@unp.br

Universidade Estadual do Rio Grande do Norte

Resumen

La Etnomatemática desafía la lógica estéril y se propone el ejercicio de una ciencia abierta y de diálogo. En este sentido, el texto propone una reanudación de esta estrategia de la ciencia como el arquitecto de la formación docente, capaz de poner las matemáticas como uno de los reconstructores de las operaciones cognitivas en la pluralidad que promueven formas de lidiar con los fenómenos, colocándolos en un inacabamentos dinámicos e incertidumbres. A través de una revisión de la literatura, utilizamos las experiencias formativas de los educadores Ubiratan D'Ambrosio, Iran Abreu Mendes y Eduardo Sebastiani Ferreira con el fin de materializar la comprensión del conocimiento (Matemática) que operan en el respeto, la inclusión y la pluralidad de ideas, constructos éstos asociados con la politización del pensamiento.

Palabras clave: Ethnomatematica. Formación. Estrategias

Ethnomatematic by the logic of affection

Abstract

The Ethnomathematics challenges sterile logic and proposes the exercise of an open and dialogical science. In this sense, the text proposes a resumption of this science strategy as architect of teacher education capable of putting mathematics as one of the rebuilders of cognitive operations in the plurality promoting ways to deal with the phenomena by placing them in a dynamic inacabamentos and uncertainties. Through a literature review, we use the formative experiences of educators Ubiratan D'Ambrosio, Iran Abreu Mendes and Eduardo Sebastiani Ferreira in order to materialize understandings of knowledge (mathematical) operating out of respect, inclusion and pluralism of ideas, constructs politicization of thought.

Keywords: Ethnomatematics. Formation. Strategies

A etnomatemática pela lógica do afeto

Resumo

A Etnomatemática desafia as lógicas estéreis e propõe o exercício de uma ciência aberta e dialogal. Nesse sentido, o texto propõe uma retomada desta estratégia da ciência como artífice da formação docente capaz de recolocar a Matemática como uma das reconstrutoras de operações cognitivas na promoção pluraridade das formas de lidar com os fenômenos inserindo-os numa dinâmica de inacabamentos e incertezas. Por meio de uma revisão de literatura, recorremos às experiências formativas dos educadores Ubiratan D’Ambrosio, Iran Abreu Mendes e Eduardo Sebastiani Ferreira como forma de materializar compreensões do conhecimento (matemático) que operam a partir do respeito, da inclusão e do pluralismo de ideias, construtos de politização do pensamento.

Palavras chave: Etnomatemática. Formação. Estratégias

Recibido: 04 de agosto de 2016  Aceptado: 19 de octubre de 2016

Introdução

O pensamento científico estruturou seus procedimentos com base numa lógica domesticada e primada por uma ordem que inclui a fragmentação das bases de construção de conhecimento. Num caminho inverso, iniciativas desviantes apostam na religação de saberes dispersos e no reconhecimento de práticas que partem de lógicas distintas às do saber formal ocidental. Trata-se da construção de uma ciência aberta à dinâmica complexa do mundo. Nesta esteira inclui-se a Etnomatemática que busca compreender o contexto de onde emergem outras práticas na lida com operações lógicas, mas que não exclui afetos, arte e outros traços da cultura de cada local.

Nessa perspectiva o texto propõe uma retomada da Etnomatemática como artífice da formação docente. Recoloca a Matemática como uma das reconstrutoras de operações cognitivas capazes de promover uma paralaxe nas formas de lidar com os fenômenos inserindo-os numa dinâmica repleta de incertezas. O educador precisa lançar mão de certas operações de forma que o estudo dos números torne-se pertinente ao universo do estudante, mas, antes disso, o professor de matemática precisa reconhecer que esta se trata de uma ciência no plural composta pelas exigências da vida.

Recorremos a educadores como Ubiratan D’Ambrosio, Iran Abreu Mendes e Eduardo Sebastiani Ferreira reconhecendo-os como artesãos de lógicas matemáticas que operam a partir do respeito, da inclusão, do pluralismo de ideias, construtos de politização do pensamento.

A Matemática Dos Afetos

A Etnomatemática enquanto campo do conhecimento fertilizou nas ultimas décadas no âmbito acadêmico e em especial na formação de professores de matemática uma visão de homem e de mundo numa sintonia diferente da cultuada no meio acadêmico, rumo a outro paradigma de ciências. É possível identificar neste campo do conhecimento uma diversidade de caminhos teóricos trilhados entre pesquisadores desta área de conhecer, além da peculiaridade da realização dos trabalhos no ensino de matemática. É notável no fazer de professores que assumem a etnomatemática como caminho teórico, conforme Souza (2015), a constituição de uma visão a respeito da matemática, na qual uma postura de rigidez absoluta e infalível, de verdade demonstrável, de ser um pensamento exclusivamente europeu, dá lugar a uma outra postura. Trata-se de uma ciência aberta que se percebe no plural – matemática(s) – e produto cultural; da busca de bases epistemológicas que evidenciem outros modos de explicar, entender, conceber-se em vários contextos. Corroboramos com os dizeres da educadora freireana Maria do Carmo Domite que a etnomatemática percorre caminhos na educação matemática ao trilhar temas relacionados às mais atuais correntes de pensamento critico, transdisciplinar e holístico. (DOMITE, 2011).

Ancorado em Bishop (1999), é possível inferir a despeito da matemática como um pensamento que se mostra fortemente enraizado na sociedade denominada como tecnológica moderna, consequentemente, a sociedade em geral considera as construções dessa ciência como uma das disciplinas mais importantes do currículo escolar. Entretanto, podemos inferir muitos problemas relacionados à dificuldade de aprendizado, à falta de êxito no emprego das técnicas matemáticas. Basta ver o relatório brasileiro das avaliações nacionais – da matemática e de outras disciplinas – realizadas em escolas brasileiras. O relatório nos acende um sinal de alerta, conforme Brasil (2012). Sem dúvida, há de se considerar a necessidade da sociedade na atualidade, seja na indústria, no comércio, nas multinacionais, no setor público, entre outros, decompreender os motivos deste problema escolar e centrar esforços para fazer refletir sobre o assunto.

Todavia, é possível ressaltarmos outro ponto de referência para o aprendizado que é relacionado aos contextos culturais. Para Bruner (1996), a atividade a ser realizada na escola só faz sentido a partir do momento em que é inserida num contexto mais amplo e que não é possível entender a atividade mental sem ter em conta o estabelecimento “dos seus contextos culturais e dos seus recursos, que são o que realmente dá à mente forma e competência. Aprender, recordar, falar, imaginar, tudo isto é possibilitado através da participação numa cultura.” (BRUNER, 1996, p. 11).

Neste aspecto, para compreendermos o indivíduo em sua totalidade se faz necessário a inserção de elementos culturais restauradores da polarização atual entre os estudos de matemática e a vida. É imprescindível ver os contextos culturais como elementos capazes de interferir no comportamento psicológico do individuo, sua forma de pensar, a maneira como percebe seu entorno, extrai, acumula e organiza a informação proveniente da sociedade na qual está inserido. Ao perceber isto, eclode a necessidade de na formação primeira do professor e em especial o docente em matemática lidar com os contextos culturais, além de esta preparação profissional ocorrer a partir de estudos e práticas para além de uma matemática eurocêntrica. “A Etnomatemática pode contribuir com a formação de professores por fomentar reflexões, questionamentos e ações sobre suas relações constitutivas como produção humana e, como tal, ela não é isenta de interligações culturais (LUCENA, 2012, p. 14).”.

Na atualidade, preconiza-se no meio acadêmico uma forma plural de se enxergar o mundo que valorize os contextos culturais, as práticas profissionais no intuito de superar as manifestações de aversão dos estudantes relativas às experiências vivenciadas no âmbito escolar pautadas única e exclusivamente na resolução de exercícios, algoritmos, que por vezes surgem deslocados da vida destes estudantes. Neste diapasão, a etnomatemática busca compreender esta matemática ensinada nas escolas como algo que faça real sentido para os estudantes, além de buscar matemáticas, modos de fazer e de lidar com as pessoas relacionadas às necessidades humanas, reconhecendo e respeitando a história, a forma de pensar de outras culturas.

Verificamos um ponto bastante importante a ser associado à aceitação ou até mesmo à identificação da matemática como manifestação cultural, da inclusão das emoções, do intuitivo, do natural e sociocultural amplamente reverberado pela Etnomatemática. (D´AMBROSIO, 2005).Ensinar matemática não deve ser única e exclusivamente ensinar equações, cálculos e algoritmos, deve ir além, logo, a etnomatemática dá força a este pensamento ao propiciar uma lógica, um jeito de pensar da não existência de apenas uma objetividade científica, geralmente centrada em conhecimentos ocidentais como verdade absoluta, mas de várias maneiras de ver o mundo.

Três mestres e um jeito complexo de operar

Este constructo teórico em constituição no âmbito acadêmico tem suas raízes fundadas na proposta do precursor da área, Ubiratan D´Ambrosio. Ligado a um problema ontológico da matemática, a priori, este pesquisador seminal destaca aspectos socioculturais e políticos relacionados à seguinte pergunta: “por que ensinar matemática?”. A sua experiência na Universidade de New York em Buffalo, nos Estados Unidos, e no Centre Pédagogique Supérieur de Bamako, na república do Mali, possibilitou a primeira elaboração conceitual a respeito da Etnomatemática. Foi a partir desse momento que ele se questionou sobre a necessidade de se trabalhar as matemáticas existentes naquela cultura. Dessa discussão, merece ser destacada a percepção de D’Ambrosio em relação à supressão das raízes históricas dos povos a fim de colonizá-los. No Brasil e na República do Mali, ficou muito claro para o pesquisador que uma das formas para se colonizar um país é o controle por meio da supressão de sua cultura, pois um povo sem cultura perde parte de sua autonomia.

Ao se falar em pesquisa cientifica, em particular Matemática, era questão fechada ao posicionamento de um divórcio total do contexto sócio-cultural e político. Igualmente, a complexidade de se levar ciência e criar um ambiente de pesquisa num país como a República de Mali representou um notável desafio e questões como “porque ciência”, e sobretudo “que ciência” passaram a ser fundamentais na organização dos programas de ensino e pesquisa do “Centre Pédagogique Supérieur de Bamako” (D´AMBROSIO, 1993, p. 7).

 Diante disso, Ubiratan D´Ambrosio buscou formalizar e agrupar um corpo conceitual para essa área de conhecimento que ele denominou Etnomatemática, quando começou a classifica-la como um Programa de Pesquisa Lakatosiano. (Figura 01). Ao fazer desta forma, ele se referiu a Imre Lakatos, um filosofo cuja obra trata dos aspectos acentuados da formalização do conhecimento. Em Lakatos (1979), ele busca caracterizar uma metodologia para um programa de pesquisa científica, concebida por esse autor como uma forma de fazer ciências. Para ele todos os programas de pesquisa se centram num núcleo que possui ao seu redor um cinturão protetor.

Um programa de pesquisa segundo Lakatos é uma estrutura que tem em sua composição um núcleo irredutível que não se modifica e um cinturão ao redor com condições iniciais e hipóteses. Para o desenvolvimento deste programa, deve haver o envolvimento do núcleo irredutível com hipóteses anexas no intento de explicar fenômenos previamente conhecidos e fenômenos novos. (CHALMERS, 1993, p. 112).

Nesse caminho, Ubiratan D’Ambrosio justifica sua formalização nos seguintes excertos:

O que eu chamo de Programa Etnomatemático é um programa de pesquisa no sentido lakatosiano que vem crescendo em repercussão e vem se mostrando uma alternativa válida para um programa de ação pedagógica. Etnomatemática propõe um enfoque epistemológico alternativo associado a uma historiografia mais ampla. Parte da realidade e chega, de maneira natural e através de um enfoque cognitivo com forte fundamentação cultural, à ação pedagógica. O programa encontra suas raízes nos vários enfoques mais abrangentes sobre a história das ciências.  (D´AMBROSIO, 1993, p. 06).

Indubitavelmente, este excerto retrata a intencionalidade do professor D’Ambrosio em oferecer dinamicidade ao corpo conceitual dessa área e estabelecer abertura a outros conceitos pertencentes a ela.  Ao agregar diversas leituras de mundo, ele enfatiza a geração, produção, organização, transmissão e difusão do conhecimento dos mais diversos grupos culturais, acumulados na história do homem. Ele revela também que o(s) nascedouro(s) da Etnomatemática estão na ruptura com a forma epistemológica de ver a ciência vigente, em sua época, pautado num conhecimento fragmentado e reducionista, incapacitado de solucionar os problemas complexos da sociedade atual e seu inconformismo com a forma que vem sendo conduzido o conhecimento disciplinar. D’Ambrosio vê problemas e dificuldades que são enfrentadas na sociedade no âmbito político, social e estrutural que, em sua concepção, tem origem justamente na forma da condução atual da educação. Para tanto, o autor se baseia no excerto a seguir em representantes das ciências que propõem a ruptura com a disciplinarização como a única forma de conhecer e assumem outro paradigma de ciências. Para Ubiratan D`Ambrosio trata-se de uma preocupação fundamental classificar a Etnomatemática como programa de pesquisa, pois:

A principal razão resulta de uma preocupação que tenho com as tentativas de se propor uma epistemologia, e, como tal, uma explicação final da Etnomatemática. [...] não se trata de propor outra epistemologia, mas sim de entender a aventura da espécie humana na busca de conhecimento e na adoção de comportamentos. (D’AMBROSIO, 2005, p. 17).

Efetivamente seus dizeres vêm informar que a Etnomatemática é mais que um estudo de “matemáticas de diversas etnias” como o nome sugere “etno + matemática”. Esta perspectiva, segundo o autor, é apenas “uma” entre outras formas de ver essa área de conhecimento.

Para reforçar a ideia inicial, D´Ambrosio estabelece uma reflexão bastante relevante sobre “teorias finais”, sobre definir, sobre a proposição de um conceito final, definitivo, por romper com qualquer possibilidade de inserção de outras teorias, o que poderia enfraquecer a dinamicidade do programa etnomatemático. Para confirmar isto, ele assevera: “A ciência moderna, ao propor ‘teorias finais’, isto é, explicações que pretendem ser definitivas sobre a origem e a evolução das coisas naturais, esbarra numa postura de arrogância” (D’AMBROSIO, 1999, p. 31). Portanto, compreendo que não temos uma definição final para Etnomatemática, mas, sim, algumas aproximações conceituais.

O programa etnomatemático tem caráter dinâmico e aberto em suas bases, no sentido de admitir agrupar-se por múltiplos conhecimentos, na busca de superar a visão de uma ciência fechada e verdade absoluta. Mais uma vez, o autor assevera sobre Etnomatemática que:

O enfoque que proponho substitui a arrogância do pretenso saber absoluto, que tem como consequências inevitáveis comportamentos incontestados e as soluções finais, pela humildade da busca incessante, cujas consequências são respeito, solidariedade e cooperação. (D’AMBROSIO, 1999, p. 32)

Nesse aspecto, encontramos um ponto constitutivo de uma ciência complexa. Esta característica que faz parte da composição da Etnomatemática apresenta um direcionamento pouco comum entre as áreas de conhecimento da atualidade, capaz de incorporar concepções epistemológicas, visões de homem e de mundo para além da racionalidade técnica implantada nos centros acadêmicos. O pensamento complexo irradia por meio de sua forma de pensar os conceitos sem que se fechem em si mesmos; de agregar elementos constitutivos de outros paradigmas aceitando incertezas e inconclusões da realidade.

A Etnomatemática, ao assumir-se como um programa de pesquisa lakatosiano, comunga com pares que não aceitam a ciência como verdade absoluta, mas, sim, acreditam em verdades, pois a formação do núcleo irredutível e do cinturão protetor é dinâmica, modela-se de acordo com as necessidades que esse programa manifesta. Portanto, é perfeitamente justificável acreditar em matemáticas e não numa única matemática; pensar no relativo, no incerto, no falível, em não se definir para não fechar a área de conhecimento.

Na mesma corrente do professor Ubiratan D´Ambrosio, em rompercom a condição fragmentada e simplificadora amplamente preconizada no meio acadêmico atual, o professor de matemática e pesquisador Iran Abreu Mendes também assume a etnomatemática como uma área de conhecimento presente no seu fazer e mostra uma polifonia de ideias para fortalecer este campo de pesquisa, em especial na formação de professores de matemática.

Para este pesquisador a proposição de definir um conceito sobre Etnomatemática é restritiva, pois, a partir do momento em que se fecha um conceito, impossibilita-o de agregar outros elementos ou áreas de conhecimento, o que por sua vez não caracteriza o Programa Etnomatemático como uma área que vai além de uma epistemologia, ou de matemáticas étnicas como o senso comum pode induzir na composição da palavra. Para tanto, o professor Iran Abreu Mendes durante a entrevista realizada (SOUZA, 2015) reitera que isso se dá em função de a inspiração do conceito deste Programa de Pesquisa ser a própria dinâmica cultural da produção do conhecimento. “A dinâmica cultural que é humana não se encerra. Como não se encerra, sempre vai acontecer uma nova caracterização do que pode ser etnomatemática.” (SOUZA, 2015, p. 144).

Sua expressão significa estabelecer uma conexão entre o comportamento conceitual da Etnomatemática e a maneira de produzir ou construir os conhecimentos no sentido de não encerrar, mas potencializar e problematizar mudanças que venham a agregar o corpo conceitual deste programa de pesquisa.

Outro comparativo feito pelo professor Iran Abreu Mendes é sobre o comportamento conceitual da matemática relacionado a este campo do conhecimento. A matemática apesar de ser um constructo teórico milenar apresenta várias conotações de ciências dos números, das quantidades, medidas, espaços ou ainda aproximações conceituais mais formalizadas como: buscar padrões, formular conjecturas e, por meio de deduções rigorosas a partir de axiomas e definições, estabelecer novos resultados. Apesar destas aproximações, o conceito de matemática ainda está em elaboração epistemológica e, não obstante desta característica, é considerada uma construção teórica em processo, que se mostra muito importante, uma vez que com o passar dos séculos conquistou o respeito em todo o mundo em função dos seus contributos à humanidade.

O mais interessante é que isto vem justificar o mesmo comportamento conceitual que a matemática tem, como aquilo que nunca fecha. Ela sempre faz um jogo combinatório lógico a sempre caber alguma coisa a mais e ir alargando. A etnomatemática, no meu entendimento também tem essa composição conceitual em formação continua, por quê? Porque sempre faz rever a dinâmica de produção de conhecimento da sociedade. Esse conhecimento que a gente diz matemático, então, sempre vamos olhar como é que os diferentes grupos sociais podem enunciar determinados olhares sociais sobre aquilo que nós chamamos de matemática. (SOUZA, 2015, p. 143).

No livro intitulado Iran Abreu Mendes: a docência como profissão (2011),Farias dá amplitude a esta ideia no momento que se manifesta sobre a atitude do professor Iran na religação da “Matemática por meio de trabalhos envolvendo a arte, a música, a dança, a arquitetura, a literatura e os saberes da tradição” (2011, p. 22) em busca de quebrar as barreiras impostas pela fragmentação disciplinar em prol de estabelecer um diálogo entre as áreas de conhecimento, conforme Farias (2011). Durante a entrevista realizada conosco, professor Iran também enfatizou a necessidade de exercitar o espirito de busca entre os docentes em formação, no sentido de energizar os professores e incentivá-los a sair da sua zona de conforto, alertando-o da necessidade de superar o modelo de ensino pautado apenas em mostrar a matemática final, ao invés de mostrar o processo sociocultural no qual ela está inserida. É notável que esta matemática apreciada pelos nossos alunos nas escolas e até nas universidades carrega um distanciamento e uma assepsia das características humanas, pois visualiza apenas a certeza, o infalível, porém, as pessoas são carregadas de incertezas e falibilidades. Neste sentido, elencar o espirito de busca

é apostar na curiosidade, mas exercitar a curiosidade com razão, exercitar a imaginação com razão, exercitar a criatividade com razão, exercitar a ousadia com razão, exercitar o risco com razão. O que eu quero dizer quando uso a expressão com razão? Para mim significa que é sabendo que você está apostando numa coisa, mas em busca de algum resultado que poderá chegar, de um jeito possível, ou de um jeito previsto ou não previsto. Então você tem que saber do como você vai se arranjar com os acontecimentos no decorrer desta ousadia, no decorrer deste risco, desta busca, desta aposta. Se o professor não faz isso o professor não quer trabalhar com medo de errar na sala de aula. Ele não quer apostar. (SOUZA, 2015, p.146).

Esta aposta em instigar a curiosidade na formação do professor é uma das possibilidades de mudança rumo a uma formação de um professor de matemática capaz de atender as reais necessidades humanas. Para ele, o cerne da questão é mudar o modelo no qual o professor está ancorado, principalmente, relacionado à sua visão por vezes reduzida da existência de apenas uma matemática (matemática ocidentalizada). Este é mais um dos motivos deste pesquisador ativar a necessidade de o professor admitir a matemática como produto cultural, pois, a partir do momento que o licenciado em formação perceber a presença de múltiplas formas de fazer matemática, por meio do trabalho etnomatemático, perceberá também a mudança do modelo reducionista como a forma mais potente e por vezes única de investigação e estudos de matemática. Outro ponto fundante deste Programa de Pesquisa apontado por Mendes é o de incorporar à atividade desta área de conhecimento uma atividade criativa no intento de estabelecer diálogo entre as matemáticas que vão surgir do contexto cultural. Por outro lado, possibilita ao discente visualizar a presença de outras matemáticas, desde a sua matemática de contexto à matemática presente em outras culturas.

De forma contundente, nossa percepção indica a presença do singular (uno) e do múltiplo, uma característica bem materializada na Etnomatemática que se aproxima da forma de pensar complexo. Quando o professor de matemática manifesta em suas aulas apenas a matemática ocidentalizada, ele produzirá uma percepção dos artefatos e até mesmo mentefatos de maneira limitada, fechada em si própria, o que alimenta a forma reducionista de ver o mundo. Daí a importância do diálogo entre culturas diferentes, seja a matemática ocidentalizada ou a matemática advinda do contexto do individuo, ambas carregam em si informações cognitivas importantes para a formação humana, para perceber como se dá a produção do conhecimento ou mesmo para resolução de problemas vitais. Recorrendo a fala do professor Iran Abreu Mendes: “O cerne da etnomatemática está em mostrar que a cultura humana é diversa e ao mesmo tempo única, é singular e plural o tempo inteiro, é complexa porque se constitui numa teia de coisas, tal como nós somos.”. (SOUZA, 2015, p. 143).

Em outras palavras, esta área de conhecimento que reconhece as ciências como manifestações humanas por meio da cultura, chancela a possibilidade de inserir no conhecer as características peculiares ao humano, da sua complexidade, dos saberes não se resumirem a um conhecer enciclopédico, de ele não dar conta de todos os fenômenos e estar imerso na incerteza.

A proposição de atividades nesta perspectiva durante a formação de professores valoriza os conhecimentos matemáticos ocidentalizados, mas também as outras matemáticas. Ao mesmo tempo busca romper as fronteiras disciplinares e eleva a discussão para direções diversificadas e ricas em informações para além da matemática em si própria. Isso faz sentido porque a demanda complexa de problemas a serem enfrentados pelas pessoas não se resolve apenas por saberes fragmentados.

O professor Iran Mendes, além de evocar as três frentes Etnomatemática, Transdisciplinaridade e Complexidade, evidencia também a cultura como um vetor potencial, principalmente para caracterizar os “olhares” como formas de ver o mundo.

Como caráter transdisciplinar da etnomatemática temos a história. Se nós formos olhar para história da matemática com esse mesmo ponto de sustentação, nós vamos ver que a história da matemática,assim como a história da cultura humana de um modo geral, oferece sempre esta possibilidade de a gente olhar e emprestar os vários olhares para poder ter uma amplitude muito maior sobre o objeto que a gente vai olhar, e isso é característica da transdiciplinaridade, da complexidade (SOUZA, 2013, p. 143).Grifos meus.

Dessa forma, este intelectual da cultura afirma que esta área do conhecimento focaliza a produção do conhecimento e o olhar cultural. Para ele, este movimento denominado etnomatemática estabelece um diálogo com o mundo de forma mais ampla. Deste trecho extraído da entrevista compreendo que “emprestar o olhar do outro e oferecer o seu para olhar”, é um ponto fundamental deste Programa de Pesquisa, pois, realizar esse exercício é claramente operar por recursividade um operador cognitivo caro ao pensamento complexo, que propõe um exercício dinâmico, de ida e volta, nos quais o “emprestar” e “oferecer” se prestam como produtos e efeitos que acabam por ser eles próprios causadores daquilo que produzem (formas de conhecer).

É você se despir de um olhar, mas admitir que você tenha um olhar e que você se despe dele para emprestar o do outro, também para olhar. E quando você pede o olhar do outro para também olhar as coisas, você começa a criar possibilidades de ter consigo todos os olhares sobre as coisas. (SOUZA, 2015, p. 143).

Este movimento de investigar a forma de pensar do outro e a si próprio; de se despir de um olhar e emprestar o do outro para ver, é ver com outras lentes a realidade posta. Esta circulação acaba por reestruturar o conhecimento posto no sentido de construir outra visão do real. Daí, mais uma vez desta dinâmica é perceptível um movimento recursivo e contínuo, que estabelece a necessidade de abertura das ciências para novas formas de conhecer incessantemente. Por isso, o próprio Iran Mendes enfatiza que este programa ganhou essa característica de não aceitar uma definição, pois, a partir do momento que isso acontecer, ele deixará de empregar esses “olhares”, e passará a restringir a forma de conhecer, o que não é muito positivo para uma ciência que busca a dinâmica cultural da sociedade; que busca trazer humanização do conhecimento por meio de um ensino de matemática mais próximo das pessoas e seus afetos.

Outra operação apreendida da experiência do professor Iran Mendes é a bricolagem. Mendes, antes de atuar na docência trabalhou como restaurador de obras de arte sacra e essa prática meticulosa influenciou diretamente na sua concepção posterior sobre a matemática. Durante esse período de sua vida desenvolveu um olhar apurado e capacidade intensa de manipulação artística das obras. A palavra bricolagem tem origem em bricoleur, conforme o antropólogo Claude Lévi-Strauss escreve para designar uma pessoa “que trabalha com as suas próprias mãos, utilizando meios indiretos se comparados com os artistas” (LÉVI-STRAUSS, 1989, p. 33). Sendo caraterísticas intrínsecas ao bricoleur“a utilização de instrumentação desviante das normas – heteróclita –, se arranjar com o que tenha em mãos, a sua capacidade de dialogar consigo mesmo, se voltar para uma coleção de resíduos humanos, ou melhor, para um subconjunto da cultura.” (LÉVI-STRAUSS, 1989, p. 33). Para este autor, uma consequência da bricolagem é a recuperação do pensamento primeiro, uma espécie de “pensamento selvagem”. “esse pensamento selvagem que não é, para nós, o pensamento dos selvagens nem o de uma humanidade primitiva e arcaica, mas o pensamento em estado selvagem, diferente do pensamento cultivado ou domesticado com vistas a obter um rendimento.” (LÉVI-STRAUSS, 1989, p. 257).

Para adaptar este conceito de bricolagem para o ambiente educacional, mais especificamente no trabalho de formação de professores de matemática, é preciso tomar os objetos e instrumentos disponíveis ou não para resolução de problemas em situação de confrontação com estudantes para eles terem condições de se estimular na busca por aprender matemática. Essa operação incide nos escritos do pesquisador Iran Abreu Mendes sobre como elaborar o material didático para os alunos em sala de aula:

O material a ser utilizado para a realização da atividade deve ser descrito, mesmo que de maneira informal, de modo que o aluno possa, sempre que possível, voltar-se para busca do conhecimento através da exploração do meio em que se encontra. Assim, a habilidade de organizar-se em etapas para a solução de um problema poderá se desenvolver nos alunos. (MENDES, 2001, P. 98).

Portanto, para Iran “O professor deve ser o principal artesão dessa etapa, pois cabe a ele a exploração de todas as possibilidades de improvisação e bricolagem que possam superar as dificuldades existentes na escola.” (MENDES, 2001, p. 98).  No campo mais ampliado da pesquisa em educação a bricolagem busca alterar a lógica dominante na produção do conhecimento, almeja romper com o fragmento, com a neutralidade.

Ainda, diante das leituras de dois livros do professor Iran Abreu Mendes – (MENDES, 2009a) e (MENDES, 2009) – é perceptível a criatividade e disposição na elaboração das atividades para os discentes, no sentido de fazerem com que aqueles professores em formação sintam-se motivados a investigar/explorar a tarefa proposta, isto é, durante a realização das atividades sejam incentivados a se portar como verdadeiros artesãos da matemática. Em geral, evidencio nos dois livros supracitados anteriormente viés profícuo ligado à história da matemática – além de outras áreas especificas da educação matemática – como um dos grandes eixos norteadores do trabalho deste investigador.

Uma outra operação perceptível nas atividades didáticas envoltas em história da matemática propostas pelo professor Mendes é o despertar investigativo no discente. Propõe o professor:

Localize no Antigo Testamento, livro I dos Reis capítulo VII, versículo 23 e no livro 2 das crônicas, capítulo IV, versículo 2, o que é abordado sobre um círculo de 10 unidades de diâmetro e 30 unidades de comprimento (perímetro). Como as informações do antigo testamento se relacionam com a determinação do número p? Represente numericamente essas relações. (MENDES, 2009, p.101).

No intento de construir conceitos associados à determinação do número p (Pi),  buscou ligações históricas no desejo de colocar os discentes em posição de investigadores dos conceitos sobre o número supracitado. Ao mesmo tempo preconiza humanizar a matemática ao mostrar as origens nas quais foram fundados seus conceitos, na intenção de promover a compreensão do educando em relação ao conteúdo elencado, além de trazer outras culturas ao redor do conhecimento matemático como, por exemplo, escritos religiosos e suas relações com a matemática.

Esta forma peculiar de propor atividades para os seus discentes, convida os professores em formação a perceber a ideia bastante enfatizada por ele de que o conhecimento é produto de uma cultura; que é transitório e está sempre em processo continuo de mudança. Visualizo novamente uma postura investigativa em seu fazer, pois o pesquisador que se fundamenta neste tipo de atividade, estimula a capacidade de investigar e ser criativo simultaneamente. Uma vez acionadas essas características se associam à bricolagem no fazer desse professor, por evidenciar uma forma muito peculiar de ensino quando recomenda história da matemática e matemática como pedra de toque para o ensino. Essa forma de executar atividades pode vir a contribuir para os professores em formação primeira ou continuada repensarem suas práticas em sala de aula e estimula-los a transitarem em outras áreas do conhecimento.

Estas características citadas anteriormente indicam mais uma vez a presença do pensamento complexo por meio da forma na qual este professor elabora atividades para seus discentes. A bricolagem presente na atividade que este professor alimenta nos discursos conflitantes que surgem diante da realidade sem fortalecer as fronteiras disciplinares. É praticamente um estudo primeiro realizado pelo discente que poderá se comportar como um verdadeiro investigador do conhecimento proposto. Em outras palavras, a bricolagem pode se visualizada como um pensar complexo devido ao modo de olhar para o homem e mundo de forma ampliada, como a própria condição humana se apresenta: hora incerta, hora inconclusa.

Por fim, visualizo na atividade do professor Iran Mendes a principal operação que chamo de um fazer noutra vertente: um fazer matemática ocidental que ao mesmo tempo valoriza o contexto do discente. Um fazer transdisciplinar que leva em conta a atividade disciplinar. A valorização dos estudos por meio de metodologias, mas ao mesmo tempo por meio da construção de instrumentos novos (bricolagem), assumindo a condição de artista no ensino da matemática. Com seu olhar apurado desenvolvido quando restaurador de obras sacras e lapidado com suas investigações acadêmicas e vivência profissional, põe em prática uma proposta de atuação frente à matemática fragmentada e reducionista direcionando-a para um modo plural de ver as matemáticas.

Eduardo Sebastiani Ferreira também é outro formador de professores de matemática de destaque em função de seus trabalhos, e, principalmente junto a comunidades indígenas no Brasil. Suas operações também são fundadas na superação da perspectiva de que a matemática é uma verdade absoluta. Para ele a matemática tornou-se um instrumento da elite para demarcação social, sendo a escola uma reprodutora deste modelo acultural de matemática; uma espécie de disciplina subserviente a uma estrutura politica que dá fundamento e manutenção para tal estrutura. (FERREIRA, 1993).Ao visualizar este cenário, passou a evocar reflexões a respeito da matemática, alicerçando-se na proposição de que a ciência dos números é uma manifestação humana.

Incita-nos a operação de fomentar uma atitude critica frente aos constructos teóricos matemáticos. Essa mudança permitiu ampliar a concepção a despeito do universo matemático, permitindo buscar fundamentos que indicassem outras possibilidades no processo de ensino-aprendizagem. Nesse diapasão, o Programa Etnomatemática possibilita a libertação dessas verdades matemáticas universais e respeita o pensamento não acadêmico do cidadão. Ferreira compreende a etnomatemática como uma estratégia construída fora da matemática acadêmica, fora da matemática escolar, além de um repensar na ciência no sentido de enfatizar que nem sempre a forma que está sendo conduzida satisfaz o homem na sua totalidade (social e cientificamente).

Este pesquisador buscou no contexto dos povos indígenas uma oportunidade para enfatizar as matemáticas existentes e questionar as outras matemáticas. Passa então a questionar as verdades absolutas perpetradas pela matemática na busca de ressaltar uma história oficial do ponto de vista dos indígenas.

Nada melhor, para mostrar a nova visão desta ciência, que observar como outras comunidades a estão construindo. Quando a unidade em tribos brasileiras como os Tapirapés, Krahó, Mynky é o dois e não o um, sentimos a importância social da criação matemática. Esta concepção de a unidade ser o um para a matemática dita ocidental vem de Parmênides na Grécia do século IV antes de cristo, quando se refere à unidade do ser [....] com um exemplo simples como esse cai por terra toda uma concepção de uma matemática universal, a criação de objetos matemáticos passam a ser vistos contextualizados, com uma história e um significado social. (FERREIRA, 1994, p. 94)

Outra operação alimentada por Ferreira é a superação do modelo ancorado apenas na matemática ocidentalizada (considerada o primeiro princípio) e também por valorizar os conhecimentos contextualizados (o segundo princípio). A proposição acionada sobre a unidade nos povos Tapirapés, Krahó e Mynky ser composta pelo 2 ao invés do 1, como é convencionalmente adotada entre os brancos, nos faz refletir o quanto a cultura é importante na construção da matemática como campo de conhecer nas civilizações. A associação destes conhecimentos considerados distintos (do fato da unidade ser o dois: primeiro princípio) e (a unidade ser o um: segundo princípio) tem como produto a mudança na visão da realidade fundada em uma única matemática denominada por matemática ocidental. Grosso modo, pensamos que uma interpretação dessa posição de unidade dupla vem numa perspectiva antropológica de que a vida é concebida por dois (o macho e a fêmea) e, se este movimento não existir, não existirá vida. Talvez esta tenha sido a inspiração para estes povos determinarem a unidade desta forma, por um motivo cultural deles. Portanto, esta perspectiva pode evocar uma provocação do por quê? Por que, a unidade para estes povos é o dois, e o porquê a unidade é um, consequentemente. A busca por outras explicações pode ser bastante instigante para o pesquisador ou professor de matemática interessado nesta inquietação acionada.

Considerações

Ao tecer em conjunto estas formas de ver a matemática como produto de uma cultura e que estas formas de ver se diferenciam em determinadas comunidades, possibilita-se dar efervescência a elementos fundantes para construção dos conceitos matemáticos, um conhecimento sui generis, o que traz à tona seu caráter como fruto de uma construção profundamente humana. Consequentemente, possibilita-se a superação de uma visão reduzida de conhecimentos e de que a matemática seja uma ciência estritamente abstrata e amputada do sujeito.

Neste diapasão, podemos enfatizar um movimento entre os pares da etnomatemática rejuvenescedor, no qual, Ubiratan D´Ambrosio exerce função política e de fecundidade. Fecundidade sim! Pois ele é um pesquisador que muda (localidade) para se fecundar. Isso é atitude de fazer ciência aberta, deixar-se engravidar de ideias, sendo itinerante, deixa-se ouvir.

Iran Abreu Mendes trabalha com a ideia de restaurador, ele vai às comunidades ribeirinhas como laboratório da vida, aquele professor que dá testemunho, regenerador de ideias, revela plasticidade de ideias. Iran vai tratar como alguém que usa a sua criatividade, sua multiplicidade revela uma prática que se revela no detalhe. Tem atenção aos pedaços para rejuntar saberes que foram decapitados com a modernidade.

Eduardo Sebastiani Ferreira revela-se como um desbravador entre povos de florestas e rios, onde a matemática é registrada, também, por outros códigos dentre a população indígena brasileira e fronteiriça. Com Sebastiani há de se compreender que o mais importante é o desinstalar-se e pôr-se “incendiador de caminhos” conforme Couto (2011). Ele é aquele que trabalha a leitura de sinais diferentes do padrão eurocêntrico. Ousa em pensar sobre a interpretação, sobre a dúvida, sobre a sabedoria do outro diferente. Desinstalar-se é um ato heroico, portanto, com Sebastiani somos instigados a inspirar licenciandos e professores em arriscar-se, em não terem medo da pergunta dos alunos.

A etnomatemática neste sentido é uma semente que tem a disposição de deixar-se fecundar, como nos ensina Ubiratan D’Ambrosio. A habilidade de regenerar como nos ensina Iran Mendes. A capacidade de se desinstalar-se como nos ensino Eduardo Sebastiani, a competência de se reinventar.

Estas metáforas associadas a cada um materializam o afeto de uma etnomatemática que é feita por professores-pesquisadores, mas, sobretudo, por pessoas que dinamizam suas práticas profissionais como legado para a humanidade, seja por seus trabalhos acadêmicos, seja por suas práticas letivas. Como educadores matemáticos investem na compreensão e valorização dos conhecimentos humanos que são tecidos numa teia complexa de experiências cognitivas, práticas, de diversas origens espaços e tempo e não único e exclusivamente por práticas isoladas (matemática singular), embora necessária e valorosa. Portanto, a etnomatemática se constitui numa aposta plural, logo as respostas não são fáceis e nem tudo está dado em consonância com a livre necessidade naquele momento, naquela sala de aula, naquele espaço de conhecimento. A etnomatemática é uma resistência à acidez do pensamento, uma desconfiança que a matemática na etnomatemática é um pensamento complexo e vice-versa. Ubiratan D’Ambrosio, Iran Abreu Mendes e Eduardo Sebastiani Ferreira investem em estratégias educativas que podem formar um professor de matemática mais afeito aos afetos por meio de uma sensibilidade que os religa aos problemas postos no seu entorno. Estes não são únicos. Apostamos em uma multiplicidade de educadores destacados ou desconhecidos, mas, proeminentes de uma etnomatemática pela lógica do afeto.

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