Interciencia
versión impresa ISSN 0378-1844
INCI v.28 n.10 Caracas oct. 2003
A EDUCAÇÃO AMBIENTAL NUM CONTEXTO DE COMPLEXIDADE DO CAMPO TEÓRICO DA PERCEPÇÃO
Andréia Aparecida Marin, Haydée Torres Oliveira e Vito Comar
Andréia Aparecida Marin. Doutora em Ecologia e Rec. Naturais, Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Brasil. Bolsista PRODOC/CAPES, Universidade Federal de Goiás. Endereço: Av. Dom Pedro II, quadra 09, lote 28, 74685-210, Goiânia/GO, Brasil e-mail: aamarin@terra.com.br
Haydée Torres Oliveira. Doutora em Ciências da Eng. Ambiental, Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Professora, Depto. Hidrobiologia e PPG Ecologia e Rec. Naturais, UFSCar, e PPG Ciências da Eng. Ambiental, USP, Brasil. e-mail: haydee@power.ufscar.br
Vito Comar. Doutor em Eng. de Alimentos, Universidade de Campinas, Brasil. Professor visitante, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Brasil. e-mail: vito@uems.br
Resumo
A elaboração de estratégias de educação ambiental tem se embasado em estudos prévios sobre percepção ambiental. Esses estudos têm sido comumente estruturados sobre aspectos conceituais da relação do ser-humano com o ambiente. O presente trabalho representa o desenvolvimento de um caminho reflexivo sobre a complexidade envolvida no conceito de percepção e a análise crítica sobre seu reflexo nas práticas usuais de sensibilização ambiental.
Summary
The design of environmental education strategies has been based on studies about environmental perception. These studies have been structured on conceptual aspects of the relation of mankind with the environment. The present work represents the development of a reflection about the complexity involved in the concept of perception and the critical analysis about its consequence in the usual practices of environmental education.
Resumen
La elaboración de estrategias de educación ambiental se ha basado en estudios acerca de la percepción ambiental. Esos estudios han sido estructurados en los aspectos conceptuales de la relación de la humanidad con el ambiente. El actual trabajo representa el desarrollo de una reflexión acerca de la complejidad implicada del concepto de la percepción y del análisis acerca de su consecuencia en las prácticas usuales de la educación ambiental.
PALAVRAS CHAVE / Educação Ambiental / Imaginário / Percepção Ambiental /
Recebido: 29/06/2003. Aceito: 26/09/2003
A ecologia tornou-se, ao longo de seu processo de desenvolvimento, a ciência geradora da transição de paradigmas: da visão cartesiana do mundo aos processos energéticos complexos; da sujeição aos sistemas dominantes à autonomia; do individualismo ao espírito altruísta, de participação e cidadania; do ecologismo ancorado no senso de conservação dos aspectos físicos do meio para a sustentabilidade dependente da inclusão social. No entanto, para que essas mudanças de paradigmas se reflitam no comportamento da sociedade, é preciso que se provoque, mais que conscientizações sobre riscos iminentes, um resgate dos laços que unem o ser humano à natureza.
Entendemos que esse laço é construído não só dos conceitos que o ser humano tem sobre o meio ambiente, mas de outros inúmeros aspectos inerentes à sua natureza, desde os mais rudimentares (instintivos) até os associados à sua complexa evolução biológica e cultural (linguagem, afetividade, imaginação, intuição, arranjo social, etc).
O entendimento dessa interação do ser humano com o ambiente, solidificada em bases tão complexas, tem representado um estímulo para pesquisas de percepção ambiental. Essa percepção tem sido estudada, na maioria dos casos, mediante o levantamento de conceitos de meio ambiente e dos referentes a fenômenos e problemas ambientais.
Acreditamos que esses aspectos conceituais são de extrema importância no referido estudo, mas vislumbramos uma situação em que eles representam apenas um ponto na complexidade que direciona a percepção ambiental. Essa visão nos leva à preocupação de que os referidos estudos acabem por provocar ações de educação ambiental puramente embasadas no tratamento dos conceitos, ou sejam, de caráter informacional, baseadas na transmissão de informações científicas sobre os fenômenos e os componentes do meio natural.
Essa reflexão nos levou a buscar em Bachelard a idéia de observação dos fenômenos de forma relacional e não substancial. Na filosofia bachelardiana não existem idéias simples, apenas complexidades, e cada fenômeno é uma trama de relações somente apreendida pela síntese surracionalista (Bachelard, 1936; citado em Lechte, 1988), na qual a realidade é revitalizada pelo sonho. Nesse sentido, o pensamento é a via de apreensão do mundo por conceitos, que se resume na finitude e na simplicidade, enquanto que a imaginação é a via que revela a complexidade.
Acreditamos, portanto, que apreendemos o mundo, o ambiente, por intermédio de um fenômeno perceptivo tão complexo quanto a natureza humana, não sendo possível seu entendimento pelos caminhos puramente conceituais. Dessa maneira, procuramos entender a importância das imagens construídas pelo ser humano a partir da sua relação com o meio, e de outros aspectos que julgamos profundamente ligados a esse fenômeno: a biofilia e a topofilia, significando a ligação do ser humano com as outras formas de vida e a atração por componentes físicos do ambiente, respectivamente. A primeira caracteriza-se por ter uma base mais biológica, instintiva, enquanto que a segunda é visivelmente marcada por aspectos culturais como afetividade, memória e experiência interativa.
A construção do presente caminho reflexivo inicia-se com um estudo teórico sobre a percepção, que inclui análise comparativa das visões materialista e espiritualista, ancorada em obras filosóficas como a bergsoniana e de Merleau-Ponty. Segue com o desenvolvimento do tema "imaginário" e, por fim, são feitas considerações sobre o contexto refletido e sua possível conexão com estratégias educativas.
O Conceito de Percepção
Quando fazemos a assertiva de que o fenômeno perceptivo não pode ser expresso simplesmente por vias racionais embasas em aspectos conceituais, estamos assumindo previamente uma posição que não se ancora no conceito materialista de percepção, se agregando mais naturalmente a visão espiritualista.
A apreensão do mundo pelos sentidos não poderia resumir o ato perceptivo, uma vez que, ao se voltarem para o mundo, nossos sentidos já estão direcionados por muitos outros fatores intrínsecos do desenvolvimento complexo da natureza humana. Resumir, aliás, não é um termo adequado em nosso discurso, pois declaramos explicitamente nossa tendência em evitar a apreensão simplista do mundo, que culmina sempre na finitude reducionista dos fenômenos. Isso explica o fato de irmos buscar no imaginário, nas relações bio/topofílicas e na memória, conexões com o fenômeno perceptivo. Não que esses fatores bastem para elucidar o fenômeno, mas acreditamos que estão intrinsecamente relacionados com ele, sendo que sua análise representa um avanço necessário no tratamento do conceito, principalmente nos estudos referentes a meio ambiente e percepção ambiental
Um outro resgate reflexivo que se faz necessário é o que se refere ao papel da memória na percepção, o que em nosso contexto, que se ancora na relação do ser humano com o ambiente, invoca inevitavelmente a topofilia. O termo topofilia foi citado pela primeira vez por Bachelard em 1957 na primeira edição de sua obra A Poética do Espaço (Bachelard , 1993), significando o "espaço de nossa felicidade". O termo foi bastante utilizado posteriormente por Tuan, principalmente em sua obra homônoma de 1980, onde é empregado como atração do ser humano aos aspectos físicos, especialmente paisagísticos, de um determinado ambiente.
A maneira como são encontrados os conceitos de interação do ser humano com o mundo em diferentes análises, durante toda a evolução histórica do pensamento filosófico, parece sempre reforçar duas linhas norteadoras que, embora distintas, não raro são perfeitamente interconexas: o materialismo e o espiritualismo.
Só a intuição, segundo Bergson, permite ao ser humano atingir a duração ou movimento, a substância, a essência e a existência das coisas (Trevisan, 1995). Entende-se como duração, na filosofia bergsoniana, o vir-a-ser, o movimento para a mudança, a produção de novas realidades. A inteligência, de nenhuma forma, é capaz de atingí-la, pois capta somente o que é material. A intuição não possibilitaria o contato apenas com o irreal subjetivo inspirado na realidade, como para a maioria dos idealistas, senão com a própria realidade. Essa oposição, bem como a oposição ao materialismo, estão claramente discutidas em sua obra Matéria e Memória (Bergson, 1999).
Essa dinamicidade da construção de novas realidades identifica tal pensamento com a mobilidade do ser inspirada em Heráclito. A intuição, por sua vez, único meio de captar essa dinamicidade, tem um fundamento místico referenciado por Bergson como o impulso vital. De acordo com Trevisan (1995), a Bergson se opõem Sartre, Marcel e Merleau-Ponty, por ser o absoluto inobjetivável, negado pela razão da modernidade que não reconhece a legitimidade do processo supra-intelectual. Não obstante, o pensamento bergsoniano continua a subsidiar o pensamento contemporâneo que rompe com a era cartesiana da ciência e busca novas reflexões livres do materialismo estrito e do intelectualismo.
"Intuição e inteligência representam duas direções opostas do trabalho consciente... Uma humanidade completa e perfeita seria aquela em que estas duas formas da atividade consciente alcançassem o seu pleno desenvolvimento". (Bergson, 1964)
A idéia bergsoniana de apreensão do mundo por intermédio do instinto remete à construção conceitual de percepção baseada numa memória que representa um conjunto fundido de novas leituras das coisas. Dessa maneira, a percepção é, a todo o momento, construída do momento presente em adição ao passado que não está absolutamente separado do primeiro.
Meyer (2002) defende a materialidade do pensamento e da memória baseado em exames e mapeamentos das atividades cerebrais. A mneme está, no entanto, topograficamente difusa, sendo indevido situá-la em uma única região cerebral. O pensamento de Bergson é contestado claramente por Meyer, que vê em suas conclusões uma predominância dos postulados prévios ao exame dos fatos e uma concepção filosófica indevidamente construída sem os dados da ciência.
A percepção em Merleau-Ponty é esse movimento de retornar ao mundo que existe independente de análises que se possa fazer dele. Distingue-se portando do retorno idealista à consciência, excluindo a necessidade de análise reflexiva. Os órgãos dos sentidos estão a todo instante recebendo informações e a percepção se incorpora antes de qualquer resgate de referenciais simbólicos. A reflexão, de certo modo, promove a distinção do ser e do mundo, das coisas, afastando até o próprio corpo que é também coisa entre as demais.
"A cada momento, meu campo perceptivo é preenchido de reflexos, de estalidos, de impressões táteis fugazes que não posso ligar de maneira precisa ao contexto percebido e que, todavia, eu situo imediatamente no mundo, sem confundí-los com minhas divagações". (Merleau-Ponty, 1999)
O imaginário é povoado por imagens já percebidas, mas mantém-se claramente distinto do real perceptível:
"A cada instante também eu fantasio acerca das coisas, imagino objetos ou pessoas cuja presença aqui não é incompatível com o contexto, e todavia eles não se misturam ao mundo, eles estão adiante do mundo, no teatro do imaginário". (Merleau-Ponty, 1999)
As divergências entre o pensamento bergsoniano e o de Merleau-Ponty são facilmente detectáveis, começando logicamente pelo fundamento existencialista e estático do primeiro que contrasta com o espiritualismo e dinamicidade de Bergson. O intelecto tem função referencial para o ser humano quando organiza o caos sensível para Merleau-Ponty, enquanto que a inteligência bergsoniana não é capaz de apreender o real, o que só é possível pela intuição. Também na temporalidade do fenômeno perceptivo parece haver ordenações contrastantes. Enquanto que em Bergson, a lembrança tem influência imediata e até prévia na percepção, podendo inclusive deslocar as percepções reais, para Merleau-Ponty, sua influência inegável segue a percepção pura, que independe da análise reflexiva.
Castoriadis (1999) opõe-se ao pensamento de Merleau-Ponty, afirmando que a percepção não pode ser separável da imaginação, ainda que não possa ser reduzida a esta, havendo uma interdependência intrínseca na relação do imaginário com a apreensão do real, de maneira que no momento da leitura dos sentidos, o universo das imagens direciona o ato perceptivo e se diluem nas informações que chegam puras ao racional humano.
A ideologia na qual os novos paradigmas atrelados ao pensamento ecológico se enraizada contempla a mudança da relação ocidentalizada do ser humano com o meio ambiente natural. Pela via descrita acima, encontra um certo conforto conceitual na interpretação do pensamento bergsoniano. Ademais, a gênese das ações que determinam o uso dos bens naturais é a pessoa humana e há que se considerar que ela está essencial e historicamente imersa numa cosmovisão espiritualista. O conhecimento popular está profundamente ligado à religiosidade, ao imaginário, ao mito. Nesse sentido, o enfoque materialista ou puramente instintivo não subsidiaria nem a análise da relação ser humano-ambiente, nem a prática de educação que se quer gerar a partir dela.
O ser no mundo utiliza-se tanto das percepções sensoriais quanto das fontes da fantasia, da imaginação e da temporalidade. São elementos intrínsecos do ser humano, seus mitos e tradições e sua historicidade. Para Cassirer (2001), a definição dos objetos, intimamente ligada ao mundo das coisas existentes, carece do conhecimento da sua natureza essencial, sua pátria espiritual. A realidade se oferece aos sentidos humanos em sua base material, porém o olhar se dirigi a ela, repleto de apelos àquelas configurações que foram agregadas à identificação da matéria ao longo de sua história de interação com o mundo. Nesse sentido, Eliade (1991) afirma que o homem integral conhece outras situações, tão autênticas e importantes quanto sua condição histórica, como o estado de sonho, do devaneio, da melancolia e da contemplação estética.
A agregação de símbolos às realidades percebidas, bem como o entendimento de suas significações, só se dá diante de uma imaginação intuitiva, liberta de seus aprisionamentos empíricos. Para Eliade, ter imaginação é ver o mundo na sua totalidade, pois as imagens têm o poder e a missão de mostrar tudo o que permanece refratário ao conceito, sendo que o homem a quem "falta imaginação" é desgraçadamente cortado da "realidade profunda da vida e de sua própria alma".
Foucault (1999) destaca o tênue limite entre o racional e o ideal, associando à constituição dos conhecimentos do século XVI, uma mistura instável de saber racional e de noções derivadas das práticas da magia.
A tradição medieval, caracterizada por uma apreensão constante e retilínea do real, assim como as culturas árabe e cristã, se aliou ao mundo clássico "povoando o céu de imagens onde se transfiguram, ganham forças novas, as crenças mitológicas da antiguidade" (Holanda, 1994). Esse movimento de retorno ao imaginário culmina em ressurgimentos temporalmente pontuais, porém com expressiva força, na idade moderna e numa reconquista que se firma a cada momento na pós-modernidade.
Traçamos esse caminho reflexivo com o intuito de, primeiramente, solidificarmos nosso conceito de percepção e acabamos por dar atenção especial ao tema imaginário. Entendemos claramente de onde se originou essa espontaneidade no direcionamento das nossas idéias.
Falar de percepção ambiental é falamos da relação do ser humano com o mundo. Há diversas formas de perceber o mundo, desde aquela revestida com o manto da sacralização, até aquela ancorada no arcabouço cientificista dominador. Essas formas se revelaram ao longo da história do pensamento humano no meio da diversidade das diferentes civilizações e acabaram por se dicotomizar no idealismo e no realismo-materialismo. Porém, o que procuramos mostrar é que, historicamente, nenhuma delas se restringiu ao racional. Milenarmente, a interação do ser humano com o mundo é marcada pelo imaginário. Quando falamos em percepção, estaremos falando mais do que os conceitos que as pessoas têm do seu lugar, do seu mundo, mas das imagens com que o povoam.
A Educação Ambiental Baseada no Conceito de Percepção - Reducionismos nos Processos de Sensibilização
A educação ambiental nasceu primeiramente atrelada ao termo conscientização ambiental, que acabou por cair em desuso devido à evocação que fazia da idéia de geração de novos conceitos e conhecimentos, baseada na transmissão de informações. A tendência de se empregar o termo sensibilização reflete justamente a necessidade de se ir além da transmissão de novos conceitos atrelados ao meio ambiente, uma vez observada a ineficiência em gerar mudanças comportamentais a partir desse paradigma dominante.
A sensibilização traz, portanto, a proposta de transposição do enfoque racional na prática educativa e a busca de se atingir a dimensão emotiva, espiritual da pessoa humana na sua interação com a natureza. Ao fazermos uma análise das práticas desenvolvidas em vários contextos onde a educação ambiental se faz necessária, observamos que representam minoria das ações aquelas que conseguem atingir essa complexidade e despertar a contemplação, a interatividade nostálgica, a reflexão e a emoção.
Ainda é muito comum, principalmente em áreas preservadas que recebem visitantes, práticas de educação ambiental enfatizando um contanto interativo baseado na aventura e muitas vezes reduzido a momentos que oferecem pouca oportunidade de reflexão e contemplação. Nas próprias trilhas interpretativas, freqüentemente é oferecido um tempo exíguo de interação e se prioriza a informação sobre as espécies observáveis e particularidades de sua biologia. As visitas são conduzidas quase sempre em grupos, o que significa a inexistência dos momentos de solidão, geradores das situações contemplativas e interações nostálgicas. Reforçamos que não queremos renegar a importância das informações sobre o ambiente. A síntese reflexiva é, sem dúvidas, parte do processo de construção de novas atitudes interacionistas. Porém, é necessário que ela seja revestida da dimensão emotiva do humano.
A percepção que se estimula com a prática da observação de detalhes é a de minimização do campo sensitivo, na medida em que se restringe o campo visual e se minimiza a atenção ao percebido pelos outros sentidos, por exemplo, a audição comprometida pelo barulho provocado pela movimentação de grupos. Ao se restringir o campo visual, parece-nos que a relação que se privilegia é a de domínio sobre o contexto. Dentro do racionalismo cartesiano, só é possível se dominar aquilo que se conhece. Portanto, a transmissão de informações detalhadas ganha sentido num modelo de interação com a natureza baseada na necessidade de autoproteção e de domínio sobre o ambiente circundante. O ser que se destaca numa situação de observação com o campo visual minimizado e os sentidos desatentos, é o que percebe, nesse caso, o ser humano. Para gerar a sensação de interação com o meio, é preciso, ao contrário, uma situação de amplitude do campo visual e uma concentração dos sentidos sinestésicos.
Outra característica que se destaca de determinadas práticas de educação ambiental que, embora de extrema importância dentro de necessidades emergenciais de sensibilização, ousamos denominar de reducionistas, é a exclusão do potencial cultural e histórico dos ambientes em que são realizadas. O ambiente é resultado da interação das populações habitantes ou marginais. Esse reflexo da cultura dos habitantes nas características ambientais é ainda mais evidente nos espaços construídos. O conhecimento sobre o histórico da transformação da paisagem e da construção de espaços habitados e o contato com as pessoas representam, portanto, instrumentos valiosos para sensibilização.
Imaginação, Contemplação e Reflexão na Educação Ambiental
Iniciamos essa discussão com o relato de uma experiência vivenciada por Capra:
"E agora, voltando a passar por ali naquela estrada cheia de curvas e pedras à minha direita, o oceano de um azul profundo; à minha esquerda, colunas suaves e sensuais, cobertas de grama verdejante que logo se tornaria dourada, lembrei-me vividamente da magia daqueles dias. ...subindo pelas ravinas estreitas e sombreadas com seus muitos córregos e riachos, nadando nu nas lagoas e tomando banho nas cachoeiras. ...Vislumbrando as estonteantes paisagens dessa costa recortada, que se ofereciam aos meus olhos para logo desaparecerem em tons cinzentos no horizonte, meu corpo relaxou e minha mente expandiu-se". (Capra, 1995)
Destacamos desse relato: a potencialidade da imagem paisagística na indução ao que chamamos estado contemplativo; a magia associada aos momentos de intensa interatividade com o meio; a lembrança vívida que guarda a imagem mágica e se oferece ao seu resgate; a nostalgia do significado do vislumbre das estonteantes paisagens. Percebe-se, portanto elementos que temos insistido em associar ao fenômeno perceptivo do ambiente.
O posicionamento contemplativo diante de uma paisagem qualquer é o momento em que são revividos ou criados os significados que se atribui aos seus elementos e ao conjunto. É, portanto, uma via interativa que faz o ser humano se desprender de sua referência dominante, seu próprio ser, para perceber o mundo ou perceber-se no mundo. É esse espaço permissivo que povoamos com nossos fluidos imaginários e incutimos as facetas que nossa memória guarda como semelhança ou identidade. Em outras palavras, renovamos nossos traços topofílicos, que nos faz estonteados, ou os construímos a partir das sensações lúdicas que esse vislumbre nos traz.
A imaginação nos permite colorir as paisagens visíveis ou até criar ou recriar as imperceptíveis. Através dela, nossos mitos e nossas histórias tradicionais ganham liberdade e espaço. Sem ela, a sacralização da natureza e os manejos baseados em rituais mágicos jamais teriam sido possíveis. No pensamento bachelardiano, a imaginação tem papel de grande importância na medida em que estimula a composição de imagens belas que superam a realidade restrita do percebido (Bachelard, 1993).
A reflexão, por sua vez, é o momento em que o ser humano procura o entendimento das suas percepções, questiona e dá forma aos significados do percebido e configura a sua relação com o mundo. É nesse contexto que ganham relevância as informações sobre a visão sistêmica onde se insere as imagens constituídas. No instante em que se questiona sobre o seu lugar na paisagem percebida é que torna-ne possível a avaliação de sua ações nesse sistema. Mas, nesse instante, já não trata mais puramente de um ambiente construído conceitualmente a partir de informações científicas precisas, mas de um ambiente repleto de significados, de magias, de mitos e carregados das nostalgias que lhe atribuímos. Já não falamos do funcionamento de um sistema qualquer que garante nossas atividades de sobrevivência, mas falamos do lugar que nos despertou laços topofílicos, onde estamos inseridos, onde damos vazão aos nossos instintos biofílicos. Dessa forma, a via racional não se isola, não se contrapõe e não reprime a dimensão emotiva da percepção, mas abre-lhe espaço, soma-se a ela, utiliza-a como terreno fértil às construções de novas visões de mundo.
Não entendemos, portanto, que a sensibilização ambiental que se busca se dê, única e exclusivamente, pela via racional, pelas construções conceituais, mas através de um amplo caminho onde se cruzam imaginação, contemplação e reflexão. Os instrumentos de acesso a essa via complexa precisam ser criativamente descobertos, mas acreditamos que a topofilia, a biofilia, a meditação, a interação nostálgica, o resgate das tradições, a liberdade imaginativa sejam alguns deles.
REFERÊNCIAS
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