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EPISTEME
versión impresa ISSN 0798-4324
EPISTEME vol.31 no.1 caracas jun. 2011
Quine e o Pecado da lógica modal
Cleverson Leite Bastos1 e Paulo Eduardo De Oliveira2
1Professor da Pontifícia universidade católica do Paraná (Brasil). e-mail del autor: c.leitebastos@gmail.com
2Professor da Pontifícia universidade católica do Paraná (Brasil). E-mail del autor: oliveira.p@pucpr.br
Resumo: O presente trabalho pretende analisar as objeções de Quine à ló- gica modal. O trabalho evidencia que tais objeções dirigem-se às formas proposicionais e também às formas quantificadas. Como o próprio Quine faz, não se pretende aqui apresentar soluções, mas apenas levantar os pro- blemas que o seu trabalho identificou. Este texto apóia-se, sobretudo, no importante estudo de Jaime Nubiola, intitulado El Compromisso Esencialista de La Lógica Modal: Estudio de Quine y Kripke. Inicialmente, serão apresen- tadas as seis objeções de Quine e, em seguida, será feita a análise de seus pressupostos.
Palavras-chave: Quine, lógica modal, análise crítica.
Quine and the sin of modal logic
Abstract: This study aims to examine Quines objections to modal logic. The study provides evidence that such objections are directed at propo- sitional and quantified forms. As Quine, does not intend here to present solutions, but only to raise the issues that your work has identified. This text is based mainly on the important study by Jaime Nubiola entitled The Essential Commitment of Modal Logic: A Study of Quine and Kripke. Initially, we presented the six objections to Quine, then, will be made by analysis of their assumptions.
Keywords: Quine, modal logic, critical analysis.
Recibido: 14-01-11 Aceptado: 27-01-11
De modo provocativo utilizamos a palavra pecado ao anali- sar este aspecto histórico da lógica modal. Isso se justifica porque, em paralelo ao renascimento do interesse pela lógica modal levado a efeito por Lewis, encontraremos, a partir de 1941, anos afora até alcançar nossa década, uma crítica sistemática por parte de Willard Van Orman Quine, o mentor de tal expressão provocativa.
Advertimos que, para trazer aqui tal crítica sistemática, nos va-leremos do estudo sobre Quine e Kripke feito Jaime Nubiola na obra El compromisso esencialista de la lógica modal: Estudio de Quine y Kripke, que tem sua origem, conforme o autor mesmo nos relata na introdução, em um seminário sobre Aristóteles e o essencialismo aristotélico, ministrado pelo professor Fernando Inciarte, em 1977, na Universidade de Münster.
Começaremos por apontar, observando a cronologia dos textos como faz Nubiola, as objeções mais sérias de Quine à lógica modal e, a seguir, como não poderia deixar de sê-lo, discorreremos sobre os pressupostos de tais objeções sem que, no entanto, apontemos soluções, visto que a intenção de Quine é mais levantar problemas do que resolvê-los, como ele mesmo afirma: The effect of these considerations is rather to raise questions than to answer them.1
Daremos dois enfoques principais à nossa apresentação da questão: num primeiro momento, de a) a d), abordaremos as ob- jeções dirigidas à lógica modal proposicional e, num segundo mo- mento, em e) e f), traremos as objeções dirigidas mais diretamente à lógica modal quantificada. Inicialmente, faremos a apresentação das objeções de Quine e, sem seguida, a análise de seus pressupostos.
As objeções de Quine
Iniciemos pelas objeções dirigidas à lógica modal proposicional.
a) O primeiro aporte crítico de Quine acha-se em uma passa- gem de sua contribuição ao volume editado por Paul A. Schilpp em homenagem a Whitehead.2 Nesse texto, Quine chama a atenção para o fato de que a lógica modal violaria dois princípios essenciais para a simplicidade e a conveniência da teoria lógica em geral, a saber, o princípio fregeano da funcionalidade da verdade e, por violação deste, o princípio de substituição.3
b) No artigo de 1943, intitulado Notes on existence and necessity4 encontrase o primeiro tratamento sistemático acerca das modalida- des, marcando assim o início de uma argumentação que se desen- volverá com o passar do tempo pois, neste artigo, acham-se presen- tes as objeções básicas e a estratégia principal de Quine contra as modalidades. Ali Quine dirige-se contra os operadores modais em relação à quantificação, centrando sua atenção sobre o ponto de que a admissão de operadores modais no âmbito dos quantificadores compro- mete a aceitação de uma ontologia intensional.5
A argumentação de Quine estabelece (ou quer estabelecer) as condições que devem satisfazer todas as respostas aceitáveis para a admissão das modalidades,6 fundamentam-se em algumas noções importantes, como:
b.1) Duas noções lógicas: identidade e quantificação;
b.2) Duas noções semânticas: designação e significado;
b.3) Introduz uma nova noção semântica, que constitui o cen- tro de sua argumentação, a de ocorrência puramente de- signativa [purely designative occurrence].7
c) Em The problem of interpreting modal logic8 escrito contra uma tese de Carnap, Quine tem um duplo objetivo. Por uma parte, dese- ja mostrar a inconsistência da lógica modal e sua incompatibilidade com os princípios da lógica extensional por suas conseqüências on- tológicas e, por outra, deseja dar uma explicação razoável da lógica modal proposicional.9
d) Em 1953, Quine publica seu primeiro livro sobre filosofia da lógica, com o título From a logic point of view10 A importância desta obra está no fato de que, pela primeira vez, Quine relaciona a quantificação da lógica modal com o essencialismo aristotélico.11 Na verdade, te- mos aqui duas objeções. Uma delas, na edição de 1953, que constitui a principal objeção à lógica modal proposicional, é de que os contex- tos modais estão afetados pela opacidade referencial. A outra ob- jeção se apresenta em dois momentos distintos, conforme: na edição de 1953, Quine considera válido quantificar internamente contextos modais com a restrição de conservar somente aqueles objetos x tais que duas condições quaisquer que os determinem univocamente como x sejam equivalentes.12 Na segunda edição revisada de 1961, que su- põe o tratamento dado à questão modal em Word and object,13 além de retratar-se da posição admitida em 1953, Quine afirmará que a única possibilidade de desenvolver uma lógica modal quantificada estriba na aceitação do ininteligível essencialismo aristotélico.14
e) Ainda em 1953, no trabalho Three grades of modal involvement15 ele expõe os três níveis lógicos distintos nos quais o operador mo- dal de necessidade pode ser usado e, por extensão, os demais ope- radores modais.16
f) No livro Word and object, já citado acima, Quine reitera sua opinião sobre a quantificação modal e sua crítica está dirigida con- tra a necessidade como modalidade lógica, isto é, contra o uso em lógica do operador necessariamente que afirma uma necessidade impessoal e incondicional.17
Pressupostos das objeções
a) De acordo com o princípio da funcionalidade a verdade, dois enuncia- dos de igual valor de verdade são intercambiáveis, e segundo, o princípio de substituição, dois termos de uma identidade verdadeira são intercam- biáveis em todos os contextos salva veritate. Pois bem, os operado- res modais não são funcional veritativos, ou seja, o valor verdade de um enunciado regido por ◊, por exemplo, não depende unicamente do valor verdade de seu argumento. ◊P, por exemplo, será um enunciado verdadeiro quando P for verdadeiro; o que constitui a primeira parte desta objeção de Quine. A segunda parte da objeção, a violação do prin- cípio de substituição dos idênticos, que é decorrente da violação do princípio anterior, Quine ilustra com um exemplo recolhido de Lewis,18 com o comportamento paradoxal do operador de possibilidade:
(1) ◊ (número dos planetas do sistema solar < 7) e (2) ◊ (9 < 7).
Considerando-se os enunciados na lógica modal, o primeiro seria admitido como verdadeiro e o segundo como falso, embora os enuncia- dos possam ser insubstituíveis em função dos termos 9 e o número dos planetas do sistema solar, porque ambos os termos referem-se ao mesmo objeto, ou seja, o número dos planetas do sistema solar = 9.
No entanto, no sistema de Lewis, os enunciados possuem valor de verdade opostos e com isto resultam as seguintes questões:
i) como é possível os enunciados (1) e (2) receberem valores opostos?
ii) por que a inferência entre tais enunciados, por meio dos ter- mos que designam um mesmo objeto, não é permitida?
Nesta primeira aproximação ao problema, Quine não aponta ne- nhuma solução para o paradoxo, limitando-se a registrá-lo e rejeitar todo e qualquer desvio do princípio extensionalista da função verda- de.19
b) Para entendermos a tese de Quine de que a admissão de operadores modais no âmbito dos quantificadores compromete a aceitação de uma ontologia in- tensional, isto é, conduzem a admitir um universo de discurso povoado de atributos, entidades abstratas etc,20 devemos partir do que Quine entende por existência e necessidade. O sentido do ser expresso pelo quantificador ∃x, que indica que existe algum x tal que, não conota existência em nenhum sentido espacial ou temporal particular, constituindo assim o que se pode denominar de existência lógica.21 A existência, neste sentido, deve ser entendida como pertencendo estri- tamente a um domínio ou universo de discurso, sem referência alguma a designação de objetos particulares,22 ou dito de outro modo, o sentido de existência que se expressa pelo quantificador ∃x indica simples- mente que em um determinado universo de discurso o universo que se especifique em cada caso existe certa entidade tal que, vindo a variável a assumir a função de um pronome: se usa no escopo do quantificador para afirmar a quantificação em sua referência e se usa nos textos posteriores para referir-se ao quantificador correspondente. A conexão entre a quantificação e as entidades alheias à linguagem consiste no fato de que a verdade ou falsidade de um enunciado quan- tificado, ordinariamente, depende em parte do campo de entidades que admitimos como valores da variável x.23
Quanto à noção de necessidade, que não está estritamente tema- tizada em Notes on existence and necessity, entre os diversos sentidos possíveis, Quine seleciona o sentido de necessidade analítica,24 que será melhor analisado a seguir.
Dissemos que a argumentação de Quine, para constituir sua obje- ção às modalidades na obra que vimos tratando, baseia-se, segundo ele próprio indica na introdução,25 e duas noções lógicas, duas noções se- mânticas e na inserção de uma nova noção semântica. Devemos, pois, também elucidar estes elementos e as relações entre eles, conforme segue:
i) Designação: é a relação de um nome com o objeto nomeado por ele, como, por exemplo, o nome Cícero designa o homem Cícero. Uma ocorrência de um nome na qual o nome se refere simplesmente ao objeto designado é qualificada por Quine como ocorrência pura- mente designativa.26
ii) Identidade: Quine, na verdade, trata de dois princípios, a saber, o princípio de identidade de si mesmo e o princípio de substituição, este último também denominado por ele de princípio de indiscernibilidade dos idênticos,27 porque considera o princípio de substituição como um dos princípios fun- damentais que regem a identidad.28 Segundo, o princípio de substituição, dado um enunciado verdadeiro de identidade, um de seus termos pode ser substituído pelo outro em todo enunciado verdadeiro e o resultado também será a verdade.29 Entretanto, Quine, mesmo considerando o princípio de substituição como fundamental, propõe, com relação à desig- nação, alguns contra-exemplos dos quais limitamo-nos aos enunciados verdadeiros:
(1) Cícero = Túlio
(2) Cícero = tem seis letras.
Aplicando o princípio em questão, tudo o que pode ser dito da pessoa de Cícero deve ser igualmente verdadeiro da pessoa de Tú- lio, uma vez que se trata da mesma pessoa. Em (2), o nome Cícero não é puramente designativo, como advertem as aspas, posto que tal enunciado não designa o homem Cícero, mas, sim, o nome do homem Cícero, Cícero tem seis letras. Tal fato nos impõe, portanto, a dis- tinção entre ocorrências puramente designativas e não puramente designativas, implicando assim que os nomes (1) Cícero e (2) Cícero não são in- tersubstituíveis. Quine, de tal distinção, conclui que um enunciado não depende somente do objeto mas também da forma do nome e que tudo o que pode ser afirmado do objeto segue sendo verdadeiro quando nos referimos ao objeto com qualquer outro nome,30 ou seja, Quine aceita a teoria clássica da identidade.
iii) Quantificação existencial: o sentido de existência é o de exis- tência lógica. Quanto à relação que se estabelece entre designação e quantificação existencial, Quine adverte que não é o mero uso de um substantivo, que pode ser usado de maneira não designativa sem que, contudo, fique privado de significado, como, por exemplo, o uso da palavra Pégaso, que não implica na aceitação de Pégaso, senão que é o uso designativo que compromete a aceitar a existên- cia de um objeto designado por um substantivo.31 Esta relação entre designação e quantificação se observa melhor quando se conside- ra a inferência por generalização existencial, que é a operação lógica mediante a qual da sentença Sócrates é mortal infere-se ∃x (x é mortal), ou seja, existe algo que é mortal. A idéia, segundo Quine, que está na base desta inferência é a de que aquilo que é verdade do objeto designado por um termo singular dado, é verdade de alguma coisa.32
No entanto, ainda segundo Quine, a inferência por generalização existencial perde sua justificativa quando o termo singular em ques- tão não é designativo, como, por exemplo, o termo Pégaso, que em nenhum contexto ocorre designativamente, ou ocorre em um contexto particular de maneira não puramente designativa, como, por exemplo, a generalização existencial a partir do enunciado (2), aci- ma, quando se tratou da identidade:
∃x (x tem seis letras)
Tal afirmação carece de significado, visto que não há um an- tecedente apropriado para a expressão tem seis letras. No caso, como também para o exemplo Pégaso, em que o termo singular não é designativo, não se justifica a generalização existencial.33
Com isto, em conclusão, Quine quer demonstrar que a determi- nação do caráter puramente designativo ou não de um substantivo não se baseia unicamente na aplicabilidade do princípio de substituição, mas sim que depende também de seu comportamento com relação à quantificação, posto que a operação de Generalização Existencial supõe maneiras de usar o substantivo que nos obriga a reconhecer a existência de um objeto designado por ele.34
iv) Significado (meaning) e Necessidade: Quine introduz o pro- blema da admissão das modalidades através da noção de sinonímia. Agora, dizer que dois nomes designam um mesmo objeto não equi- vale a dizer que são sinônimos, isto é, que possuem o mesmo signifi- cado. A diferença reside em que para determinar a sinonímia de dois nomes ou outras expressões é suficiente compreendê-las, ao passo que para determinar se dois nomes designam um mesmo objeto é necessário investigar o mundo. O que equivale a dizer que a iden- tidade de referência de duas expressões é qualitativamente diversa da identidade de sentido ou significado.35
Quine utiliza-se do exemplo de Frege sobre A estrela matuti- na e A estrela vespertina para afirmar que os nomes não são si- nônimos, uma vez que cada um deles foi aplicado a uma certa esfera de matéria segundo critérios diferentes. No entanto, quando a as- tronomia descobre que é um e o mesmo objeto que é designado por dois nomes, então pode-se estabelecer o enunciado de identidade
A estrela matutina = A estrela vespertina
que é uma verdade da astronomia e que não se segue meramente do significado ou sentido das palabras.36
Nesta relação de sinonímia e identidade de sentido está pressuposta a noção de enunciado analítico que Quine aceita como sendo o enun- ciado que é verdadeiro em função do sentido de suas palavras, ou aquele enunciado que se segue logicamente do sentido das palavras que o formam e, de acordo com o princípio de extesionalidade, tudo o que se afirmar de um objeto se mantém verdadeiro quando nos referimos ao objeto com qualquer outro nome.37 Pois bem, Quine introduzirá, a partir desta noção de sinonímia e enunciado analítico, um dos possíveis sen- tidos do termo necessariamente como operador modal, confir- mando que o resultado da aplicação deste operador a um enunciado somente será verdadeiro se o enunciado for analítico, isto é, se o enunciado original tem uma forma lógica correspondente. A partir disso, Quine definirá o operador de necessidade no sentido estrito de necessidade lógica, restringindo assim sua aplicação a enuncia- dos para formar novos enunciados, tratando, portanto, o operador como um operador semântico ou metalingüístico.38
Mesmo considerando ou restringindo o uso do operador mo- dal deste modo, surgem algumas dificuldades, como, por exemplo, ao considerarmos os enunciados:
(1) necessariamente nenhuma solteira é casada;
que é equivalente ao enunciado analítico:
(2) nenhuma solteira é casada;
que é verdadeiro porque pode ser convertido na forma lógica:
(3) Nenhum não B é B;
de modo semelhante:
(4) 9 é necessariamente maior que 7;
que é equivalente ao enunciado analítico:
(5) 9 > 7;
que também é um enunciado verdadeiro.
Quine aponta haver um contraste entre (1) e (4), (2) e (5), visto serem (2) e (5) redutíveis a uma forma lógica, ao passo que (1) e (4) constituem um composto intensional no sentido de que o valor de verdade de composição não está simplesmente determinado pelo valor verdade de suas componentes.39 Também, em enunciados da forma (1) e (5), não se pode aplicar o princípio de substituição, o que pode ser ilustrado melhor considerando os enunciados seguintes. Partindo do enunciado verdadeiro de identidade:
(1) A estrela matutina = A estrela vespertina
e o enunciado verdadeiro:
(2) necessariamente, se existe vida na estrela vespertina, então exis- te vida na estrela vespertina;
que é equivalente ao enunciado analítico:
(3) se existe vida na estrela vespertina, então existe vida na estrela vespertina;
por aplicação do princípio de substituição, com base na identidade verda- deira de (1), (2) transforma (3), que era uma verdade lógica, no enun- ciado falso:
(4) necessariamente, se existe vida na estrela vespertina, então exis- te vida na estrela matutina.
O enunciado é falso porque se existe vida na estrela vespertina, então existe vida na estrela matutina não é analítico, redutível a uma forma lógica, visto que sua verdade procede de circunstâncias alheias à lógica.40
Em conclusão, o que Quine afirma é que a admissão de modali- dades introduz contextos não puramente designativos, como em (4), impossibilitando assim a aplicação do princípio de substituição e, muito menos ainda, a Generalização Existencial.41
c) Quine pretende propor uma interpretação admissível para a lógica modal proposicional ao tratar os enunciados não modais como, no dizer dele, de primeira intenção e, aos modais, de segunda intenção, por re- sultarem da pré-fixação de um operador modal como □ a um enunciado de primeira intenção. O resultado de préfixar um operador modal a qualquer enunciado será verdadeiro se, e somente se, o enunciado é analítico no sentido já definido.42
Deste modo, é possível elaborar uma lógica modal de segunda intenção, com verdades novas e próprias, acrescidas àquelas da lógica de pri- meira intenção. Como resultado, tal operação, de aplicação de um opera- dor modal, é extensiva a qualquer enunciado supondo um processo ad infinitum de maneira que pode-se obter uma lógica de terceira, quarta, quinta intenção... mas, fica a advertência que esta solução para a lógica modal só é adequada na medida em que não se utilizem modalidades dentro do alcance dos quantificadores, porque, deste modo, ao confinar a lógica modal a uma lógica de segunda intenção não há perigo de alterar a semântica extensional da lógica modal.43
Para Quine, os problemas para interpretar a lógica modal surgem quando da aplicação de um operador modal a uma matriz no âmbito de um quantificador, porque, neste caso, a aplicação do princípio de Gene- ralização Existencial produziria consequências ontológicas indesejáveis.44
d.1) Segundo Quine, a falha do princípio de substituição, como no contra-exemplo da relação entre designação e identidade que apresen- tamos na letra b), se dá quando a ocorrência que deveria ser substituída não é puramente referencial (aqui Quine opera uma mutação terminológi- ca, pois puramente referencial é equivalente a puramente designativa, como visto acima), isto é, quando o enunciado não depende somente do objeto mas também da forma do nome.45 Acontece que um mesmo nome pode ocorrer em um enunciado e referencialmente e, em um enunciado mais amplo, como em contextos de atitudes proposicionais ao tipo crê que..., não sabe que..., disse que..., não referencial- mente. A tais contextos, como o de atitudes proposicionais ou Cíce- ro, enunciado (2) do exemplo acima sobre a identidade, Quine denomi- na de referencialmente opacos.46
A mesma opacidade referencial é atribuída por Quine aos enun- ciados regidos por operadores como necessariamente..., possivel- mente..., opacidade que pode ser determinada pelo teste de substitui- ção, como por exemplo:
(1) 9 é necessariamente maior que 7;
(2) necessariamente se existe vida na estrela vespertina, então existe vida na estrela vespertina;
(3) o número dos planetas é possivelmente menor que 7.
Os enunciados acima não são verdadeiros e poderiam ser escritos assim:
(4) 9 > 7
(5) se existe vida na estrela vespertina, então existe vida na estrela vespertina.
Enquanto (4) e (5) são enunciados analíticos, (6) não o é.
(6) o número de planetas não é menor que 7.
Agora, utilizando-se das identidades verdadeiras e da substituição:
(7) o número dos planetas = 9;
(8) a estrela vespertina = a estrela matutina.
Transforma-se as verdades (1)-(3) em falsidades:
(9) o número dos planetas é necessariamente maior que 7;
(10) necessariamente se existe vida na estrela vespertina, então existe vida na estrela matutina;
(11) 9 é possivelmente menor que 7.47
Quine, portanto, conclui que as ocorrências 9, a estrela vesper- tina e número dos planetas, dos três primeiros enunciados, não são referências, visto que a aplicação do princípio de substituição, baseada nas identidades verdadeiras dos enunciados (7) e (8), altera o valor verdade dos três primeiros enunciados. A falha na substituição demonstra que estes contextos não possuem a transparência referencial necesaria.48
d.2) A impossibilidade de quantificar internamente contextos mo- dais baseia-se em que o ser necessária e possivelmente de tal ou qual maneira não é, em geral, uma propriedade do objeto corresponden- te, senão que depende do modo de referir-se a este objeto,49 ou seja, Quine deseja confinar o uso das modalidades ao âmbito lingüístico da especificação dos objetos, porque os problemas, que surgem nos contextos modais quantificados, surgem dos determinados modos de referir-se aos objetos que ora fazem verdadeiro ora fazem falso a um enunciado, como nos exemplos abaixo:
(1) (∃x) (x é necessariamente maior que 7);
(2) (∃x) (necessariamente se existe vida na estrela vespertina, então existe vida em x);
(3) necessariamente (∃x) (x > 7);
(4) necessariamente (∃x) (se existe vida na estrela vespertina, existe vida em x).
Há diferença na interpretação dos pares de enunciados a custa de que (3) e (4) são passíveis de uma interpretação analítica, mais ainda, de uma interpretação em termos de necessitas de dicto, ao passo que, ao interpretar (1) e (2), aparecem problemas que têm sua origem em que tais contextos envolvem necessitas de re, o que para Quine são enuncia- dos sem sentido.50
Quanto à objeção de compromisso com o essencialismo aristo- télico, na perspectiva de Quine, tal compromisso consistiria na ad- missão da distinção entre propriedades necessárias, como os homens são necessariamente racionais e propriedades contingentes, como os homens são acidentalmente bípedes, propriedades estas pertencen- tes (ou supostamente tidas como pertencentes) aos objetos.51 Por este compromisso metafísico, Quine rechaça a inteligibilidade da lógica modal quantificada que mostra um favoritismo entre as propriedades dos objetos52 que (e aqui Quine segue Dewey) é subjetivo e se realiza em função de nossos interesses e da importância que em cada caso nomeamos a cada propriedade.53
e) Os três distintos graus em que pode ser usado o operador de necessidade, através dos quais, em especial o terceiro, centraliza a obje- ção no compromisso da lógica modal com o essencialismo aristotélico, apresentam-se assim54:
Primeiro grau: a necessidade expressa-se como um predicado se- mântico (ou verbo:é necessário), atribuível a nomes de enunciados de cará- ter lógico (analítico) e não factual; nestas condições, temos:
(1) necessariamente 9 > 5 [presume-se verdadeira];
(2) necessariamente Napoleão escapou de Elba [presume-se falsa].55
Este primeiro grau reflete, segundo Quine, uma concepção não aristotélica da necessidade, visto que a necessidade estriba no modo em que dizemos as coisas e não nas coisas das quais falamos.
Segundo grau: a necessidade é um advérbio empregado como opera- dor de enunciados análogo ao signo de negação que se aplica a um enun- ciado para formular outro enunciado, que se pode expressar da seguin- te maneira:
(1) necessariamente (9 > 5);
(2) necessariamente (Napoleão escapou de Elba). Neste uso, temos, devido à opacidade referencial, as inconveniências de c.1) pois, por substituição:
(3) o número de planetas
gera-se a falsidade em (1)
(4) necessariamente (o número dos planetas > 5).
Terceiro grau: a necessidade é, por ampliação do segundo grau, ex- pressa mediante um operador de frase que admite a aplicação do operador modal a enunciados abertos tais como x > 556, que são o campo de aplicação dos quantificadores.
Quine argumenta que é possível inferir (∃x) necessariamente (x > 5) de necessariamente (9 > 5) com a condição de que este enuncia- do seja uma informação sobre o objeto 9, isto é, acerca de que o número 9 excede necessariamente a 5. Porém, como necessariamente (... > 5) pode ser verdadeiro ou falso do número 9 dependendo meramente de como nos refiramos a este número, como no enunciado (4) do segundo grau, por exemplo, Quine conclui que necessariamente (x > 5) não expressa nenhuma condição genuína acerca de nenhum objeto. A não ser pura- mente referencial a ocorrência de 9 em necessariamente (9 > 5), a substituição de 9 por x em necessariamente (9 > 5) não tem nenhum sentido.57
Esta aplicação do operador modal, à primeira vista, não seria absur- da desde que: 1) se aceite a definição contextual dos termos singulares, de modo a não serem usados livremente ou quando seus objetos exis- tam efetivamente; 2) seja impedido o emprego de termos singulares para a instanciação de quantificações universais; 3) os objetos, em contextos modais, se não idênticos, devem ser necessariamente idênticos.58 No en- tanto, tais condições impostas por Quine levam a restringir o universo de discurso da lógica quantificada a objetos intencionais enfatizando o com- promisso essencialista onde, independentemente da linguagem em que uma coisa é referida, algumas propriedades são consideradas como essen- ciais e outras como acidentais.59 Nubiola ilustra o estupor de Quine diante de tal compromisso esquematizando um exemplo do próprio Quine:
(1) pode-se dizer razoavelmente que os matemáticos hão de ser necessariamente racionais e não necessariamente bípedes;
(2) pode-se dizer, do mesmo modo, que os ciclistas hão de ser necessariamente bípedes e não necessariamente racionais;
(3) porém, o que ocorre com um indivíduo que inclui entre suas excentricidades a matemática e o ciclismo? É este indivíduo concreto necessariamente racional e contingentemente bípede e vice-versa?
(4) não tem qualquer sentido considerar alguns atributos como necessários e outros como contingentes quando falamos referen- cialmente do objeto;
(5) alguns atributos contam como importantes e outros como não importantes; alguns são duradouros e outros, fugazes, porém nenhum é necessário ou contingente.60
f) Esta crítica se dá em dois momentos. De início, Quine afirma a impossibilidade de quantificação de contextos modais em função de sua concepção de opacidade referencial, vista acima. Em seguida, volta-se contra a necessidade como modalidade lógica.61
Para negar a necessidade como necessidade lógica, Quine parte do postulado (usado para justificar a quantificação de proposições modais na primeira edição de From a logical point of view) de que, quando cada um de dois enunciados abertos determina univocamente um mesmo objeto x, então tais enunciados são equivalentes por necessidade. Qui- ne deduzirá deste postulado que todas as identidades são necessárias e daí que todo enunciado verdadeiro é necessariamente verdadeiro. Isto significa, por redução ao absurdo, a destruição de todas as distinções modais, ou seja, o colapso de todas as distinções modais.62
Na verdade, esta inferência de Quine ganha uma maior compre- ensão em Necessary truth63, onde ele procura mostrar o uso ambíguo da expressão necessário na linguagem ordinária. Segundo Quine, tal expressão não afirma nenhuma necessidade estrita mas, sim conjecturas, suposições e inferências que se aplicariam por elipse a eventos particu- lares e estados de coisas e que a aplicação própria de dita expressão é a de conectivo condicional da forma se p então q.64 Em outros termos, a necessidade deve ser entendida como regularidade humeana encoberta por um princípio de aparência universal, ou melhor, a necessidade está na conexão entre os fatos e não nos fatos mesmos.65
Notas
1. Nubiola, J., El compromisso esencialista de la lógica modal: Estudio de Quine y Kripke, Pamplona: EUNSA, 1984, [ Links ] p. 37.
2. Quine, W., "Whitehead and the rise of modern logic", in SCHILPP, Paul. A. [ed.]. The Philosophy of Alfred North Whitehead, New York, 1941
3. Ibid., p. 29-30.
4. Quine, W., V. "Notes on existence and necessity", Journal of Philosophy, vol. 40, 1943.
5. Nubiola, J., El compromisso esencialista..., cit. p. 42.
6. Ibid., p. 51.
7. Ibid., p. 43.
8. Quine, W., "The problem of interpreting modal logic". Journal of Symbolic Logic, vol. 12, 1947.
9. Nubiola, J., El compromisso esencialista..., cit. p. 68.
10. Quine, W., From a logic point of view, Cambridge, Harvard University Press, 1953a.
11. Cf. Nubiola, J., El compromisso esencialista..., cit., p. 75.
12. Ibid., p. 116.
13. Quine, W., Word and object, Cambridge, MIT, (1960).
14. Cf. Nubiola, J., El compromisso esencialista..., cit., p. 108-9.
15. Quine, W., "Three grades of modal involvement", Proceedings of the XIth Interna- tional Congresso f Philosophy, XIV, North-Holland, Amsterda, 1953b.
16. Cf. Nubiola, J., El compromisso esencialista... cit., p. 126.
17. Ibid., pp. 136-137
18. Ibid., p. 31.
19. Ibid., pp. 32-33.
20. Ibid., p. 42.
21. Ibid., p. 38.
22. Ibid., p. 39.
23. Ibid., p. 41.
24. Ibidem.
25. Ibid., p. 43.
26. Ibidem.
27. Ibid., p. 45.
28. Ibid., p. 46.
29. Ibidem.
30. Ibid., pp. 50-51.
31. Ibid., p. 53.
32. Ibid., p. 53.
33. Ibid., pp. 53-54.
34. Ibid., p. 54.
35. Ibid., p. 55.
36. Ibid., pp. 55-56.
37. Ibid., pp. 56-57.
38. Ibid., pp. 57-58.
39. Ibidem.
40. Ibid., pp. 59-60.
41. Ibid., pp. 60-63.
42. Ibid., p. 69.
43. Ibid., pp. 69-70.
44. Ibid., pp. 70-73.
45. Ibid., pp. 85-86.
46. Ibid., p. 90.
47. Ibid., pp. 92-93.
48. Ibid., p. 93.
49. Ibid., p. 98.
50. Ibid., p. 102.
51. Ibid., p. 82.
52. Ibid., p. 122.
53. Ibid., p. 125.
54. Ibid., p. 126.
55. Ibid., pp. 126-127.
56. Ibid., p. 128.
57. Ibid., p. 129.
58. Ibid., p. 130.
59. Ibidem.
60. Ibid., p. 98.
61. Ibid., p. 137.
62. Ibid., p. 323.
63. Quine, W., "Necessary truth". Forum Lecture, The Voice of America, (1963).
64. Cf. Nubiola, J., El compromisso esencialista..., cit., p. 145.
65. Ibid., p. 146.
Referencias bibliográficas
1. Nubiola, J., El compromisso esencialista de la lógica modal: Estudio de Quine y Kripke, Pamplona: EUNSA, 1984.
2. Quine, W., "Whitehead and the rise of modern logic", in SCHILPP, Paul. A. [ed.]. The Philosophy of Alfred North Whitehead, New York, 1941.
3. Quine, W., V. "Notes on existence and necessity", Journal of Philosophy, vol. 40, 1943.
4. Quine, W., "The problem of interpreting modal logic". Journal of Symbolic Logic, vol. 12, 1947
5. Quine, W., From a logic point of view, Cambridge, Harvard University Press, 1953a.
6. Quine, W., "Three grades of modal involvement", Proceedings of the XIth Interna- tional Congresso f Philosophy, XIV, North-Holland, Amsterda, 1953b.
7. Quine, W., Word and object, Cambridge, MIT, (1960).
8. Quine, W., "Necessary truth". Forum Lecture, The Voice of America, (1963). [ Links ]












